ESPECIAL: Regulação de plataformas entre o Norte e o Sul

Devorando o DSA: novo projeto do InternetLab se debruça sobre como a nova regulação de plataformas na Europa dialoga com outros contextos e realidades.

Notícias Liberdade de Expressão 23.08.2023 por Iná Jost

Na primeira metade do século XX, artistas brasileiras e brasileiros fundaram um movimento cultural “antropofágico”, que propunha devorar e digerir referências estrangeiras e, neste processo, elaborar práticas ancoradas na realidade brasileira. Com este espírito, o InternetLab abre os trabalhos de um novo projeto sobre regulação de plataformas digitais, “Devorando o DSA – Regulação de plataformas entre o Norte e o Sul“. O projeto será iniciado a partir de entrevistas com especialistas não-europeus e não-estadunidenses sobre o impacto da legislação europeia e de seus preceitos ao redor do globo, especialmente em países como o Brasil.

Confira as entrevistas já realizadas abaixo:

Devorando o DSA – Acesso a dados por pesquisadores, por Agustina Del Campo. Veja aqui a publicação e o vídeo com a íntegra da entrevista em português e inglês.

Auditorias independentes, por Tom Barraclough. Veja aqui a publicação e o vídeo com a íntegra da entrevista em português e inglês.

O impacto da regulação europeia na discussão global

A aprovação do Ato de Serviços Digitais (“Digital Services Act” ou “DSA”), em novembro de 2022, é um dos mais importantes marcos na discussão global sobre regulação de plataformas digitais como YouTube, Instagram e TikTok. Sua discussão, aprovação e implementação tem povoado a enorme maioria dos debates sobre políticas para o tema dentro e fora da Europa. Seja pela importância do estabelecimento de parâmetros normativos – por exemplo, regras sobre transparência para a operação de plataformas digitais – ou pelo pioneirismo em estabelecer novos métodos e procedimentos, o DSA já é uma das maiores referências contemporâneas para o tema. Os preceitos da lei inspiram processos em fóruns internacionais e geraram reações preocupadas inclusive do outro lado do Atlântico

Mas como países não-europeus (ou ainda, países em outras condições de desenvolvimento econômico e posição no cenário geopolítico) olham – ou devem olhar – para esse processo? Como suas tradições regulatórias se apropriam e traduzem os preceitos e métodos trazidos pelo processo europeu para as suas realidades?

A discussão não é simples. A lei europeia foi aprovada há menos de um ano, e ainda não houve tempo suficiente para que possamos aprofundar as consequências de sua aplicação, nem mesmo na Europa. Além disso, seus ditames são complexos aos olhos de quem é leigo, além de desenhados para culturas jurídicas e políticas específicas que por vezes estão distantes de realidades como a brasileira. Sua exportação direta para outras realidades pode gerar consequências indesejadas no momento de sua implementação.

“Devorar e digerir” referências de fora no debate brasileiro

É neste esforço de compreender criticamente as tendências ditadas pelo DSA que se coloca o novo projeto especial do InternetLab, o “Devorando o DSA – Regulação de plataformas entre o Norte e o Sul“. O impulso é fomentar um pensamento analítico sobre novos tipos de regulações gestados no ambiente europeu que já parta do pressuposto que tais ideias precisam passar por um processo de “ingestão e digestão”. Assim, por um lado, entende que o compartilhamento de experiências é benéfico, sobretudo quando os problemas são coletivos; por outro, que a depender de como tais movimentos são feitos eles podem acabar por submeter diferentes realidades a reproduzir dinâmicas de forma descontextualizada, ignorando particularidades locais e encontrando dificuldade de abordar os problemas que visam resolver.

Partindo do processo de regulação de plataformas brasileiro, o “Devorando o DSA” quer densificar o debate e aprofundar o estudo dos conceitos que aterrissam no Brasil a partir da aprovação da legislação europeia.

O que pretendemos fazer?

As perguntas que emergem dessa reflexão são muitas. O que significa fazer “uma análise de risco sistêmico” no DSA? E em um país como o Brasil? Como pensar mecanismos de acesso a dados por pesquisadores(as) fora do contexto da União Europeia, onde o investimento nas suas universidades é diferente daquele realizado na América Latina? Como discutir o uso de auditorias para supervisionar a atividade das plataformas em contextos nos quais a corrupção corporativa é constantemente diagnosticada como parte de crises políticas? E em que a própria noção de democracia encontra contornos frágeis?

Os primeiros passos desse projeto terão cunho exploratório, buscando produzir reflexões sobre como “devorar” a lei europeia e seus preceitos a partir do ponto de vista de especialistas no campo de políticas de internet que não sejam europeus ou estadunidenses. Por meio de entrevistas, vamos buscar ampliar o léxico e trazer mais camadas de análise em temas como o acesso a dados de plataformas por pesquisadores, o papel do Estado na regulação de plataformas e o uso de mecanismos de due diligence em direitos humanos para supervisionar as atividades de redes sociais, por exemplo. As entrevistas foram realizadas via Zoom e serão divulgadas na sua íntegra, com legendas. Acompanhe as redes e o site do InternetLab para se atualizar sobre os novos conteúdos!

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