Em novo relatório, InternetLab mapeia o uso de reconhecimento facial em escolas públicas brasileiras

O relatório identificou 15 casos de adoção de reconhecimento facial, em diferentes regiões do país. O estudo explora o grau de expansão, formas de uso, práticas adotadas e as justificativas para implementação da tecnologia.

Notícias Desigualdades e Identidades 16.03.2023 por Clarice Tavares, Bárbara Simão e Vitor Santos Vilanova

O uso de tecnologias de vigilância, em especial tecnologias de reconhecimento facial e biométrico, se expande em diversos âmbitos da sociedade brasileira. Se a adoção deste tipo de soluções tecnológicas na segurança pública é objeto de análises, artigos,  relatórios  e propostas de regulamentação, o mesmo não tem sido percebido quando essas tecnologias são utilizadas no campo da educação. Surgem então as perguntas: como o reconhecimento facial tem sido adotado pelo setor público na área da educação? Quais são as regiões que vêm incorporando essas estratégias? Quais são os riscos imbuídos? Quais as justificativas para implementar essas tecnologias? 

Essas são as questões que nortearam a produção do relatório “Tecnologias de vigilância e educação: um mapeamento das políticas de reconhecimento facial em escolas públicas brasileiras”, lançado em 16.03.23, que faz um mapeamento do grau de expansão, formas de uso e práticas adotadas no uso dessas tecnologias em diferentes regiões do país. 

Com base em entrevistas com gestores/as e especialistas, coleta de dados em portais de notícias, no portal da transparência, site das gestões municipais e estaduais, e por meio de pedidos de acesso à informação via LAI, buscamos descrever como o Poder Público brasileiro, em suas diferentes esferas, tem introduzido a tecnologia de reconhecimento facial nas escolas, identificando vulnerabilidades, lacunas e pontos de atenção para a privacidade e para o direito à não discriminação de estudantes.

Foram identificadas quinze políticas de adoção de reconhecimento facial em escolas: no estado de (i) Tocantins; e nos municípios de (ii) Mata de São João (BA); (iii) Fortaleza (CE); (iv) Jaboatão dos Guararapes (PE); (v) Águas Lindas (GO); (vi) Goiânia (GO); (vii) Morrinhos (GO); (viii) Betim (MG); (ix) Rio de Janeiro (RJ); (x) Angra dos Reis (RJ); (xi) Itanhaém (SP); (xii) Potirendaba (SP); (xiii) Santos (SP); (xiv) Porto Alegre (RS); (xv) Xaxim (SC). 

Principais resultados

Entre os principais achados do relatório, ressalta-se: 

  • À exceção do estado de Tocantins, o reconhecimento facial tem sido adotado, principalmente, a nível municipal, por meio de contratos públicos firmados com empresas nacionais que oferecem serviços de tecnologia. Na maioria dos casos identificados, a implementação da tecnologia ainda está em fase inicial e de testagem, não abrangendo toda a rede municipal ou estadual de educação. Apenas em 3 municípios a tecnologia já foi plenamente implementada: Betim (MG),  Jaboatão dos Guararapes (PE) e Goiânia (GO). 
  • As finalidades elencadas pelos poderes locais para a implementação da tecnologia concentram-se em três grupos: (i) otimização da gestão do ambiente escolar, em que o reconhecimento facial permitiria economizar tempo de aula dos(as) docentes, administrar as faltas escolares, e para gestão de merendas e material escolar; (ii) combate à evasão escolar, para evitar alterações indevidas no registro de presença, para comunicar o Conselho Tutelar e para gerenciamento de programas sociais, em caso de inassiduidade; e (iii) para fins de segurança, para evitar que estudantes saiam sem a autorização e para salvaguardar o patrimônio escolar.
  • Tais justificativas fazem parte de diagnósticos sobre problemas e desafios que atravessam a educação pública brasileira: a superlotação das salas de aula, falta de verbas para alimentação escolar, evasão escolar e violência. Se, de um lado, as finalidades são legítimas; análises sobre os casos de contestação e entrevistas com representantes da sociedade civil demonstram que o reconhecimento facial não parece ser capaz de combater de forma eficiente essas questões e dificuldades que afetam as escolas públicas brasileiras.

O relatório também questiona se o reconhecimento facial poderia ser considerado de fato uma “tecnologia da educação” apta à resolução de questões estruturais do ambiente escolar. Argumenta que se trata de uma tecnologia de vigilância cujo uso tem sido questionado mundialmente, da qual emergem denúncias de vieses discriminatórios e questões relacionadas à segurança, à transparência e à eficácia do sistema. Considerando-se o público-alvo de crianças e adolescentes, o tópico se torna ainda mais sensível. 

Por fim, o relatório ressalta que tecnologias educacionais devem levar em conta o uso responsável e afinado aos direitos humanos, considerando questões éticas, regulatórias e protetivas aos direitos e melhor interesse das crianças e adolescentes. Assim, na adoção de tecnologias no ambiente escolar, recomendamos que  o poder público leve em consideração os seguintes tópicos:

  1. Tecnologias de educação e tecnologias de vigilância: a capacitação de gestores públicos para diferenciar os diferentes tipos de ferramentas tecnológicas;
  2. Análise de contexto:  produção de análise prévia e de relatórios de impacto à proteção de dados, aos direitos humanos, dando ênfase aos potenciais discriminatórios que podem estar contidos no uso de tecnologias específicas;
  3. Participação e gestão democrática: cooperação entre diferentes setores da sociedade, com participação de corpos docente e discente;
  4. Aprimoramento dos mecanismos de transparência: respostas céleres e completas aos pedidos de LAI, divulgação de Política de Privacidade; 
  5. Uso de software livre;
  6. Capacitação e letramento digital e tecnológico para gestores públicos e para educadores(as).

O relatório pode ser lido na íntegra em português e inglês.

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