
Em contribuição à CCJ, InternetLab defende regras para influenciadores digitais e uso de inteligência artificial em campanhas eleitorais
Organização participa de audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e oferece aportes para a seção de propaganda eleitoral na internet do projeto do Novo Código Eleitoral.
Desde 2021, o Congresso Nacional discute um projeto de lei complementar (PLP 112/2021) para atualizar e unificar as leis eleitorais do Brasil. O texto chegou ao Senado após aprovação na Câmara dos Deputados, e se encontra atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde deve ser aprovado para seguir sua tramitação em direção ao plenário.
Como parte do processo, o presidente da CCJ determinou a realização de audiências públicas, de maneira a promover a escuta de partes interessadas no processo, além de angariar insumos para realizar mudanças antes da votação do texto na Comissão.
Em 29 de abril, o InternetLab participou da sessão destinada à propaganda eleitoral, trazendo contribuições para os dispositivos que versam sobre atos de campanhas na internet. As propostas têm objetivo de contribuir para que se construa uma regulação eleitoral que garanta (i) o direito à liberdade de expressão e ao livre debate político e eleitoral; (ii) a autonomia dos cidadãos e a autenticidade do acesso à informação sobre o debate público; (iii) a integridade do processo eleitoral; e (iv) a paridade de ferramentas entre os candidatos durante as campanhas. Veja aqui a participação do InternetLab.
Algumas das sugestões levadas pelo InternetLab estão separadas por eixos temáticos e descritas no texto a seguir.
Regras para impulsionamento de conteúdo
Artigos 489 e 496
O projeto do novo código traz uma série de artigos sobre propaganda política na internet. Busca, por exemplo, traçar regras para o impulsionamento de conteúdo nas plataformas digitais, bem como mitigar a interferência desproporcional ou indevida de influenciadores digitais na disputa eleitoral.
De início, o artigo 489 § 9o afirma que “é vedada a propaganda eleitoral, ainda que gratuita, em canais digitais de influenciadores que os utilizem de forma profissional, com o recebimento de valores provenientes de patrocinadores ou por intermédio de remuneração diretamente feita pela plataforma que hospeda os respectivos canais.”
O objetivo do artigo é legítimo: impedir que pessoas que utilizam perfis e canais de redes sociais de maneira profissional causem desequilíbrios entre candidatos, por conta de seu grau de exposição e bases prévias de seguidores. No entanto, sua redação original pode oferecer proibição desproporcional às pessoas que exercem a profissão de influenciadores. No caso de serem pessoas naturais, devem ter assegurado seu direito de manifestação espontânea, desde que dentro das regras do jogo, como qualquer outra eleitora ou eleitor.
Por essa razão, o InternetLab recomenda que o artigo seja redigido de maneira a seguir impedindo a contratação de influenciadores para realização de campanha eleitoral, tal como seu objetivo primordial, mas garantindo-lhes a possibilidade de manifestar-se espontaneamente, defendendo sua preferência política.
Além disso, o artigo 496, que autoriza a contratação de propaganda eleitoral na internet, traz três inconsistências técnicas que podem gerar falta de clareza no momento de aplicar as regras. Realiza-se aqui abaixo a tarefa de esmiuçar esses três pontos e realizar quatro sugestões de aprimoramento para o texto.
Primeiramente, o dispositivo afirma que “é livre a contratação de propaganda eleitoral impulsionada ou campanha de anúncios por meio de mídias sociais, aplicações e mecanismos de busca de internet, desde que, no período eleitoral (…)”. O artigo seguinte, de número 497, afirma ainda que “além da campanha de anúncios ou impulsionamento de conteúdo previsto nesta Lei, não será permitida a contratação de propaganda na internet paga diretamente aos provedores de conteúdo, provedores de aplicações ou portais de notícias, pessoas físicas ou jurídicas, para divulgação de campanhas políticas.”
Essa sobreposição de conceitos – “impulsionamento”, “campanha de anúncios” e “contratação de propaganda na internet paga diretamente aos provedores de conteúdo” – dá margem a distintas compreensões sobre a possibilidade de realizar publicidade nas redes sociais, e tem potencial de gerar imprecisões na aplicação das regras e escapes em sua fiscalização.
Em segundo lugar, a redação atual do novo código não é clara em relação à vedação de contratação de propaganda paga na internet por terceiros, indo de encontro à regra que delimita que apenas os partidos políticos, coligações e candidatos estariam autorizados a realizar esse tipo de publicidade na internet, tal como prescreve o artigo 57-C da lei das eleições. A delimitação do rol de agentes legitimados a contratar impulsionamento é um pilar fundamental do modelo de propaganda eleitoral brasileiro, no qual os gastos de campanha são regulamentados e a prestação de contas é feita pelo candidato. Um arranjo que autorize que qualquer pessoa possa contratar espaços online para fazer propaganda oferece riscos de desequilíbrio severo na disputa, além de tornar inviável a fiscalização de gastos.
Em terceiro, abordam-se as complexidades das candidaturas de influenciadores digitais nas campanhas eleitorais. Como já se observou em eleições anteriores, pessoas que utilizam seus perfis de redes sociais de maneira comercial ou profissional podem comprometer a isonomia do jogo político por diversas razões, tais como seu grau de exposição prévio à contenda e suas bases já estabelecidas de seguidores. Além disso, tornou-se comum que, durante campanhas, influenciadores candidatos impulsionem conteúdos que não são político-eleitorais, e que, portanto, não estariam sujeitos aos mecanismos de fiscalização eleitorais. É, no entanto, necessário reconhecer que mesmo em casos em que as postagens não façam apelos diretos à eleição, têm grande potencial de inflar as imagens dessas candidaturas, dando-lhes vantagens desproporcionais na competição. Tem valia aqui o paralelo com o afastamento compulsório de apresentadores de televisão e rádio que se tornam candidatos durante o período eleitoral, trazido pelo artigo 45 da lei das eleições. O dispositivo se conecta com a questão dos influenciadores na medida em que reconhece que tempos e espaços extras de exposição que apenas uma parcela de candidatos poderiam desfrutar causam desequilíbrios indesejáveis às corridas eleitorais.
Feitas as três considerações referentes ao artigo sobre publicidade paga em meios digitais, o InternetLab apresenta três sugestões para o Novo Código Eleitoral, com o intuito de sanar as assimetrias que a redação atual pode causar. São elas:
- Limitação da contratação de propaganda paga à modalidade de impulsionamento, no qual partidos políticos, coligações e candidatos estão autorizados a pagar pelo aumento de alcance de suas postagens na internet;
- Vedação à contratação de impulsionamento por terceiros, ou seja, pessoas que não sejam candidatas, partidos ou coligações, de maneira a conter benefícios diretos ou indiretos;
- Proibição do impulsionamento de conteúdos de outras naturezas que não político-eleitorais enquanto durar a campanha eleitoral, evitando que influenciadores tenham vantagens indevidas durante o período de propaganda. Prevê-se aqui, ainda, que, em caso de descumprimento dessa vedação, qualquer conteúdo impulsionado será considerado político-eleitoral, sendo computado na prestação de contas e incluído no teto de gastos.
Finalmente, o Novo Código traz, em seu artigo 496 § 2o, a obrigação das plataformas disponibilizarem “todos os dados necessários à análise e acompanhamento dos recursos que transitaram na contratação de seus serviços e dos conteúdos divulgados nas contas de mídias sociais utilizadas em campanha ou de eventuais apoiadores”. O compromisso de dar conhecimento aos gastos e peças publicitárias veiculadas em cada uma das plataformas é realizado, normalmente, mediante uma “biblioteca de anúncios”, um repositório de informações que permite a fiscalização da autoridade eleitoral e cidadã dos atos de propaganda nas redes sociais. É muito bem-sucedido o acréscimo do dispositivo ao Novo Código, instrumento fundamental para promover a transparência no processo. No intuito de fortalecer o preceito, o InternetLab sugere que seja agregada ao artigo a previsão de regulamentação via resolução do TSE. O Tribunal teria, dessa forma, a prerrogativa de atualizar a legislação a cada eleição, o que é fundamental em um cenário de desenvolvimento expedito da tecnologia, que demanda constante revisita por parte dos órgãos competentes.
Regras para inteligência artificial
Artigo 487
O artigo 487 traz regras para o uso de inteligência artificial nas campanhas eleitorais, determinando que ”aquele que utilizar, na propaganda eleitoral, conteúdo sintético ou manipulado com alteração da realidade, não imediatamente identificável por suas características, deverá informar de modo explícito e destacado a natureza do material.” A despeito da boa intenção de balizar o emprego da ferramenta, a redação do artigo é vaga e não traz as salvaguardas necessárias para a utilização de IA nas campanhas. Além disso, com o desenvolvimento ágil da tecnologia, a ideia de “imediatamente identificável” é cada vez menos evidente, além de variar de pessoa para pessoa, dependendo do seu grau de percepção.
Diante dessa realidade, o InternetLab sugere que o texto empregado para regular o uso da inteligência artificial nas campanhas se inspire naquele trazido pelo artigo 9o-B da Resolução 23.732/2024 do TSE. A norma trouxe ao ordenamento a lógica de evitar a indução do eleitorado a erro ao se deparar com imagens, vídeos e áudios fabricados por inteligência artificial. Para tanto, traz uma definição mais precisa do objeto regulado e impõe o dever de informar, de maneira destacada, quando a tecnologia for empregada. Além disso, excetua essa obrigação nos casos em que a IA funcione apenas como um recurso de ajuste, melhoria da qualidade da imagem ou montagem. Por fim, proíbe deepfake, hipótese em que a ferramenta é utilizada para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoas.
Definição de discurso de ódio
Artigo 471
O artigo 471 desenha as regras da propaganda eleitoral negativa, que é vedada quando “constitua afirmação caluniosa, difamatória ou injuriosa capaz de causar dano grave e injustificado à honra de candidatos, promova discurso de ódio, incite a violência ou veicule fatos sabendo ou devendo saber serem inverídicos para causar atentado grave à igualdade de condições entre candidatos no pleito.empregar calúnia, difamação ou injúria”. A redação atual do dispositivo, no entanto, não traz definição de discurso de ódio, deixando o conceito em aberto, e dando margem para que o artigo seja aplicado de maneira inconsistente ou inócua.
Para proteger a liberdade de expressão e prover segurança jurídica, sugere-se delimitar o conceito enquanto: “qualquer manifestação violenta ou discriminatória que, utilizando características de raça, etnia, gênero, orientação sexual, classe, religião ou nacionalidade, tenha por objetivo assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar grupos marginalizados”.
Regras para moderação de conteúdo
Artigo 507
Os artigos 505, 506 e 507 integram a seção “Da remoção e suspensão de conteúdo na internet” do Novo Código Eleitoral, e trazem regras para moderação de conteúdo nas campanhas. Os artigos 505 e 506 são previsões oportunas para o ordenamento jurídico eleitoral. O primeiro determina que a justiça eleitoral atuará de maneira a interferir o menos possível nos conteúdos que circulam na internet, de maneira a promover a liberdade de expressão no debate democrático. Traz, também, regras para a remoção de conteúdos políticos considerados ilícitos pela justiça, como prazo e procedimentos para aplicação de multas. O 506, por sua vez, determina que as plataformas devem publicar os termos de uso aplicáveis ao processo eleitoral com a devida antecedência e clareza, o que é razoável e adequado, tendo em vista que essas regras estabelecem parâmetros importantes para a circulação do discurso online. O artigo 507, por outro lado, se sobrepõe ao 505, que já determina os ritos para remoção, em caso de que a publicação tenha extravasado às regras de propaganda.
Sugere-se, portanto, destinar a finalidade deste artigo para a indisponibilização cautelar de perfis e canais por até 24 horas, ao invés de para conteúdos. A suspensão de uma conta de rede social é uma das restrições mais graves à liberdade de expressão durante as campanhas eleitorais, e por isso, deve ter sua previsão legal bem delimitada. Além disso, só deve ocorrer em casos de violação reiterada das disposições legais, quando causar atentado grave à igualdade de condições entre candidaturas ou embaraço, desestímulo ao exercício do voto e deslegitimação do processo eleitoral.
Regras para desinformação
Artigos 604 e 859
Ambos os artigos 604 e 859 tratam da veiculação de desinformação na campanha eleitoral, dentro das seções de condutas vedadas na internet e crimes eleitorais, respectivamente. Esse é um tema sensível para a regulamentação da propaganda eleitoral, tendo em vista que qualquer arranjo que vise combater conteúdos ilegais ou ilícitos deve priorizar ao máximo a preservação da liberdade de expressão.
As sugestões do InternetLab, portanto, para esses dois dispositivos dizem respeito à sua clareza e escopo, qual seja, a disseminação de fatos, sabendo ou devendo saber serem inverídicos, para causar embaraços, desestimular ou impedir o exercício do voto, ou causar grave atentado à igualdade de condições entre candidatos ou à integridade do processo eleitoral.
Primeiramente, recomenda-se que se leve em consideração o alcance da disseminação da mensagem para a configuração da gravidade da conduta e, em consequência, a aplicação da sanção. A quantidade de conteúdos difundidos na internet por minuto impõe um enorme desafio logístico, e, por isso, é importante que a atuação da justiça eleitoral esteja focada nos casos em que o conteúdo tenha alcance e potencial de causar dano. Além disso, o artigo também deve contemplar expressamente que manifestações legítimas de humor, tais como sátira ou paródia, estão resguardadas pelo direito à liberdade de expressão. Por fim, sugere-se vincular a conduta vedada de disseminação de desinformação à previsão do uso indevido dos meios de comunicação social, já constante do projeto de Novo Código Eleitoral.
Veja aqui todas as sugestões do InternetLab sistematizadas.