Proteção social, gênero e privacidade: Programa Bolsa Família e Auxílio Emergencial
Busca compreender como e até que ponto a vulnerabilidade socioeconômica e o acesso a benefícios sociais minam a privacidade das mulheres, possivelmente sujeitando-as à vigilância social e estatal.
Em 2018, um em cada cinco brasileiros (21%) dependia financeiramente do Programa Bolsa Família, política social de transferência de renda para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. Para se candidatar ao benefício, o cidadão deve se inscrever no chamado CADÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal), informando dados pessoais, bem como características da residência, composição familiar, situação de trabalho, renda, entre outros. A base, usada para todos os programas de assistência social do governo, abriga informações de aproximadamente 40% da população brasileira.
Devido ao seu tamanho e importância, o PBF tem sido objeto de extensas pesquisas acadêmicas e discussões políticas. Um aspecto que tem sido muito pouco estudado, no entanto, são as implicações do programa para a privacidade dos beneficiários – que são mulheres, em sua grande maioria (92%), e economicamente vulneráveis. Esse é o objeto desta pesquisa, fruto de um trabalho integrado das áreas de pesquisa de Desigualdades e Identidades e Privacidade e Vigilância.
Procuraremos compreender como e até que ponto a vulnerabilidade socioeconômica e o acesso a benefícios sociais minam a privacidade das mulheres, possivelmente sujeitando-as à vigilância social e estatal. Ao fazê-lo, esperamos contribuir para responder à questão mais ampla sobre a distribuição da privacidade em uma sociedade profundamente marcada por assimetrias de classe, raça e gênero. Queremos entender o tratamento e a transferência de dados do PBF, sua eventual política de consentimento, e como esse processo será afetado pela Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), que entra em vigor em 2020; e pelo recente decreto (nº 10.046, de 9 de outubro de 2019) que cria uma “base integradora” de dados pessoais de cidadãos brasileiros, alterando as regras de compartilhamento desses dados entre órgãos da administração pública.
Buscamos, assim, contribuir para o debate sobre o direito à privacidade de grupos vulneráveis, em particular as mulheres em situação de pobreza e extrema pobreza e com acesso deficitário a direitos básicos. Ao esclarecer esses vínculos, buscamos promover discussões e políticas de privacidade que levem em conta grupos específicos e suas necessidades, bem como as especificidades brasileiras, um país caracterizado por profundas desigualdades de classe, território, raça e gênero.
Publicações:
Resultados parciais, em português (InternetLab) e EN (Privacy International);
Artigo no compêndio Digital New Deal: Visions of Justice in a Post-COVID World, em 2020: “Data Rights and Collective Needs: A New Framework for Social Protection in a Digitized World”;
Texto no projeto Transformer Series, do Digital Welfare State and Human Rights Project / Center for Human Rights and Global Justice da NYU, em 2021: I don’t see you, but you see me: asymmetric visibility in Brazil’s Bolsa Família Program;
Na Revista Cláudia, 2021: “Privacidade digital: como a divulgação de dados pessoais afeta as mulheres“;
Na Revista Novos Estudos, em 2021, com o artigo: “Presa na rede de proteção social: Privacidade, gênero e justiça de dados no Programa Bolsa Família“;
Policy Paper, em 2021, sobre proteção de dados: “Proteção de Dados Pessoais em Políticas de Proteção Social”;
Em 2022, publicamos um Glossário no Nexo Políticas Públicas: “Tecnologia, dados e políticas públicas“;
Relatório, em parceria com Derechos Digitales, sobre o Auxílio Emergencial: “O Auxílio Emergencial no Brasil: Desafios na implementação de uma política de proteção social datificada”.