A experiência de discutir com o Facebook as suas políticas de conteúdo

Opinião 24.04.2018 por Dennys Antonialli, Mariana Valente e Francisco Brito Cruz

Trecho do Relatório de Atividades do InternetLab 2016-2017:

Quando se trata de Internet, pensar em policy como uma atividade exercida pelo setor público é uma visão limitada. É que grande parte dos usos da Internet é mediada por uma arquitetura e por termos de uso definidos por atores privados; assim, as decisões tomadas por plataformas são partes determinantes para o exercício de direitos, para a redução de desigualdades e a proteção de grupos subalternizados na rede. Acreditamos que a construção de pontes sólidas de diálogo com esses atores é essencial para aproximá-los de demandas e constatações que resultam do nosso trabalho de pesquisa. Para isso, desenvolvemos metodologias próprias de atuação junto ao setor privado, incidindo diretamente sobre as reflexões e análises internas que promovem acerca de suas práticas e políticas

Recentemente fomos convidados por representantes do Facebook, como diretores do InternetLab, para um processo de discussão sobre a reforma de seus “padrões da comunidade”. Findo esse processo e publicados os novos padrões da comunidade, compartilhamos a nossa visão sobre essa experiência.

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As decisões das empresas de internet sobre a estrutura de seus serviços e sobre seus critérios de tomada de decisão têm um profundo impacto em direitos humanos. Mesmo que submetidas a diferentes jurisdições nacionais (em diferentes níveis), as plataformas oferecidas por tais empresas são hoje intermediários incontornáveis em atividades que implicam o exercício da cidadania, a participação no debate político e o acesso à informação e ao conhecimento. O lançamento de uma nova funcionalidade em um rede social, mudanças no algoritmo de um mecanismo de busca na Internet, ou o estabelecimento de uma nova política de privacidade podem impactar de forma direta o exercício de direitos de cidadãs e cidadãos, online e offline. Exemplos práticos da importância dessas decisões aparecem todos os dias, dos esforços do Twitter para combater a manipulação de trending topics por meio de robôs à escolha do YouTube de limitar anúncios em vídeos a partir de uma série de critérios, impactando as receitas dos donos desses canais.

O InternetLab é um centro de pesquisa independente dedicado à discussão sobre direitos na internet, que orienta suas atividades à formulação de políticas melhores e mais orientadas a direitos humanos. A centralidade das plataformas nos leva ao entendimento de que não são somente as decisões tomadas por agentes públicos que devem ser pesquisadas e debatidas, mas também aquelas do setor privado. Na nossa atuação, essa preocupação faz cada vez mais sentido quanto mais nossas pesquisas identificam riscos a direitos humanos advindos da ação ou da negligência das políticas das plataformas de Internet. Assim, temos buscado abrir espaços de diálogo com elas, para dividir nossas preocupações e conclusões do trabalho de pesquisa. São, por exemplo, esforços para convidar representantes dessas empresas para debater conosco quando identificamos pontos em que sua ação faz ou faria diferença, de estabelecer canais diretos com determinadas áreas das empresas para verbalizar diagnósticos, ou ainda de viabilizar esses canais com outros atores com que dialogamos em nossas áreas de pesquisa. No final de 2016, por exemplo, moderamos uma reunião entre ativistas de direitos humanos e representantes do Facebook, para discutir questões referentes ao ativismo online e às práticas de contradiscurso.

Mesa redonda de representantes do Facebook com ativistas, mediada pelo InternetLab.

Mesmo quando esses momentos evidenciam mais impasses que consensos (como foi o caso nessa reunião em 2016), nossa experiência até agora tem nos levado a considerar que os esforços servem ao propósito de incluir na agenda das plataformas a interlocução com diagnósticos e vozes que não povoam o imaginário corporativo. Em última hipótese, eles servem para colocar “bodes na sala” – o que, para um centro de pesquisa, é entendido como um momento essencial do processo: visibilizam-se boas perguntas, mesmo que elas não necessariamente tenham uma resposta imediata.

Outro exemplo disso foi o evento que organizamos, em parceria com o Centro Ruth Cardoso e com o apoio do Facebook, em março deste ano: “Liberdade de expressão em uma comunidade de 2 bilhões de pessoas: perguntas difíceis para Monika Bickert”. A ideia foi aproveitar a visita da Vice-Presidente de Políticas Públicas da empresa ao Brasil para conversar sobre os principais desafios que a plataforma enfrenta na visão de seis especialistas que convidamos. As perguntas foram, de fato, difíceis.

Com esse espírito, aceitamos o convite dos representantes do Facebook para ler e apresentar nossos comentários à nova versão dos “Padrões da Comunidade” da rede social. Os “Padrões da Comunidade” são o conjunto de políticas que determinam que conteúdos são ou não adequados a essa rede social, e é com base neles que perfis, páginas, posts, vídeos e comentários podem ser denunciados e removidos. De início, já percebemos que os novos padrões ofereciam um grau de detalhamento sobre seus critérios muito maior do que na versão anteriormente disponível dos “Padrões” – um avanço compatível com demandas crescentes por transparência em relação aos crivos usados pelos moderadores de conteúdo contratados pela empresa.

O sentido da nossa leitura do documento foi bastante prático: que pontos do documento gerariam situações de impacto a direitos e por quê? Indicamos pontos da política em que julgamos faltar transparência, outros cujo escopo parecia insuficiente para abarcar as situações, e, principalmente, termos que mereciam explicação ainda mais detalhada. Indicamos também a necessidade de clarificação mais explícita sobre o processo de análise das denúncias feitas por usuários, e sobre como elas devem ser instruídas com informações contextuais para melhor avaliação pelos moderadores. Essa tecla do contexto, para nós, é essencial: nos espaços de discussão sobre essas políticas dos quais participamos notamos uma recorrente assimetria de atenção a vozes e especialistas que têm origem nos países desenvolvidos, o que gera uma série de vieses nos debates, nem sempre facilmente perceptíveis.

Essa experiência coloca-nos defronte de um paradoxo: sabemos que, ainda que a incidência em políticas privadas de provedores de Internet seja essencial, ela tem reveses. Investimos significativos recursos institucionais em uma estratégia que ainda não temos certeza se é efetiva para gerar transparência e novas ferramentas para a garantia de direitos, e tampouco temos controle sobre como tais contribuições podem ser apropriadas pelas empresas para legitimar suas decisões internas.

É por isso que sentimos a necessidade de compartilhar esta trajetória. A nossa participação no processo não significa, de nenhuma forma, um endosso aos “Padrões da Comunidade” que acabam de ser publicados, e tampouco significam que nossa atividade de monitoramento dessas políticas pela via da pesquisa terá a intensidade comprometida: conhecer os procedimentos de elaboração das políticas pelas empresas favorece, inclusive, que melhores perguntas possam ser formuladas, de forma a permitir também sempre renovadas respostas.

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

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