PrintScreen de um vídeo em que o Mark Zuckerberg está falando. Mark está com uma camiseta de manga longa marrom e gesticula com as mãos.

A Plataforma Internet.org: novas perguntas para o debate sobre Zero-Rating e inclusão digital

Opinião 04.05.2015 por Pedro Henrique Soares Ramos

Por Pedro Henrique Ramos*

Na manhã de hoje (4/5), a Facebook anunciou a Plataforma Internet.org, um programa voltado para que desenvolvedores mobile possam integrar suas aplicações ao aplicativo Internet.org. Lançada em 2013, a Internet.org é iniciativa global de diversas empresas, lideradas pela Facebook, e que tem como objetivo promover iniciativas e estudos que possam contribuir para reduzir o custo de acesso à internet, tendo o aplicativo Internet.org como um de seus pilares.

Com a Plataforma Internet.org, desenvolvedores poderão criar versões leves de seus próprios sites e aplicações, com baixíssimo consumo de banda, para serem integrados no Internet.org, o que pode possibilitar que usuários possam acessar serviços e conteúdos mesmo em redes de conexão precária, com baixos custos para as operadoras e também para os usuários. Esse é um ponto crítico em vários países do mundo: em países como Congo, o preço de um plano de dados 3G pode chegar a 126% do PIB per capita, como demonstrado na última pesquisa da UTI.

Segundo o comunicado da empresa, a plataforma é aberta a todos os desenvolvedores, que devem seguir três orientações básicas:

Explore the entire internet – The Internet.org Platform aims to give people valuable free services that they can use to discover the entire wealth of online services and, ultimately become paying users of the internet. Services should encourage the exploration of the broader internet wherever possible.

Efficiency – To sustainably deliver free basic internet services to people, we need to build apps that use data very efficiently. Operators have made significant economic investments to bring the internet to people globally, and Internet.org needs to be sustainable for operators so that they can continue to invest in the infrastructure to maintain, improve and expand their networks. Websites that require high-bandwidth will not be included. Services should not use VoIP, video, file transfer, high resolution photos, or high volume of photos.

Technical specifications – Websites must be built to be optimized for browsing on both feature and smartphones and in limited bandwidth scenarios. In addition, websites must be properly integrated with Internet.org to allow zero rating and therefore can’t require JavaScript or SSL/TLS/HTTPS and must meet these technical guidelines.

Um dos pontos delicados da Internet.org é que, por meio de parcerias firmadas com operadoras locais, o aplicativo é hoje oferecido em vários países em um modelo de zero-rating, isto é, o tráfego gerado pelo uso desse aplicativo não será contabilizado para os limites de banda contratados pelo usuário. A primeira iniciativa nesse sentido surgiu em 2014, na Zâmbia, por meio da qual os usuários da operadora Airtel podem acessar diversos aplicativos pré-selecionados, como Facebook, Messenger, Wikipedia e AccuWeather, sem pagar por tarifas de dados. Com a Plataforma Internet.org, a Facebook tenta responder a críticos que enxergam como arbitrária a escolha dos conteúdos que fazem ou não parte da plataforma, aproximando-se da abordagem da T-Mobile para serviços streaming, que fez relativo sucesso comercial nos EUA ano passado.

Todavia, o modelo zero-rating está longe de ser uma unanimidade, e têm sido amplamente discutido e debatido na academia e junto à sociedade civil. Por um lado, acadêmicos têm reconhecido benefícios sociais no uso do zero-rating, contribuindo para a inclusão digital. Outra corrente de pesquisadores tem feito oposição a esse modelo, apresentando argumentos tanto de uma perspectiva concorrencial como também por uma perspectiva mais relacionada a discursos de liberdade de expressão e promoção de conteúdo local.

PrintScreen de um vídeo em que o Mark Zuckerberg está falando. Mark está com uma camiseta de manga longa marrom e gesticula com as mãos.
Mark Zuckerberg anuncia mudanças no projeto Internet.org após polêmica sobre se o acesso grátis a aplicativos fere a neutralidade da rede. Imagem: Vimeo.

Em resposta, o CEO da Facebook, Mark Zuckerberg, recentemente publicou um vídeo em que apresenta sua visão sobre o zero-rating, afirmando que este modelo não é e nem deve ser considerado como conflitante com a neutralidade da rede, princípio de arquitetura de rede que endereça aos provedores de acesso o dever de tratar os pacotes de dados que trafegam em suas redes de forma isonômica, não os discriminando em razão de seu conteúdo ou origem.

Com o anúncio desta segunda-feira, a empresa de Menlo Park parece endereçar uma resposta para algumas das críticas ao programa. No documento completo de Participation Guidelines, a empresa coloca que:

It’s important to remember that it’s the operators who are making these services available for free. Developers do not pay to be included, and operators do not charge developers for the data people use for their services. Operators may decline services that cause undue strain to networks, or breach legal or regulatory requirements.

Em outras palavras, ao mesmo tempo em que Zuckerberg defende a convivência entre a neutralidade da rede e o zero-rating, a empresa parece pouco a pouco afastar-se da responsabilidade sobre essa discussão. Oferecer conteúdo com baixo consumo de dados parece ser o principal objetivo da empresa, e a decisão entre oferecer ou não o aplicativo zero-rated (inclusive de aceitar a gratuidade no tráfego dos conteúdos ali disponibilizados) parece ser alocada diretamente para as operadoras.

Não há dúvidas que o debate sobre o zero-rating ainda é embrionário. Como afirmei em outra oportunidade, embora haja uma tendência majoritária nos trabalhos acadêmicos em apresentar evidências sobre os efeitos adversos do zero-rating, há ainda base empírica pouco sólida, e há questões importantes para serem resolvidas. A Plataforma Internet.org vem apimentar ainda mais essas discussões, trazendo novas perguntas: tendo em vista a subjetividade dos critérios para seleção de aplicações (conforme colocado acima), como o Facebook vai, na prática, selecionar aplicações para o aplicativo Internet.org? A partir do momento em que dezenas de aplicações estejam disponíveis no aplicativo e este popularize-se em grande escala, as operadoras vão se interessas em oferecer zero-rating para um aplicativo que consome recursos e não lhe oferece receitas diretas? O aplicativo do Internet.org pode ter efeitos sociais positivos ainda que seja oferecido fora do modelo de zero-rating? Como os dados pessoais dos usuários do Internet.org serão aproveitados pela empresa?

*Pedro Henrique Ramos é mestre em direito e desenvolvimento pela FGV-SP, advogado e pesquisador associado do InternetLab.

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