Transformações, desafios e estratégias: o que mudou após 10 anos da Lei de Cotas?
InternetLab lança mapeamento que sistematiza relatos feitos por atores e atrizes sociais chaves nas reivindicações históricas por equidade no conhecimento e lança luz sobre como a internet fez parte desse processo.
Na última década, ainda que não tenhamos desfeito por completo a desigualdade que existe na produção e no acesso ao conhecimento no Brasil, podemos dizer que passamos por mudanças positivas significativas. Nesse cenário, a Lei de Cotas no Ensino Superior – Lei n. 12.711/2012, que, além de completar uma década nesse ano, tem a previsão de passar por um processo de revisão, coloca-se como um importante marco.
A lei, fruto de lutas de movimentos sociais, principalmente, do movimento negro, foi a principal responsável pelo aumento do número de estudantes negras(os), indígenas e de classes populares nas universidades públicas e em espaços tradicionais de ensino e pesquisa. Uma pergunta que pouco tem sido feita, no entanto, é sobre como a internet fez parte desse processo. Aliando questões relacionadas à equidade no conhecimento e às reivindicações pelo conhecimento livre – pauta muito presente no campo dos direitos digitais – nos propusemos a conectar esses dois campos de reivindicações na pesquisa que desenvolvemos nos últimos meses.
Para tanto, organizamos dois encontros que tiveram como objetivo principal a escuta ativa. O primeiro encontro se tratou de uma roda de diálogo com intelectuais e acadêmicos(as) envolvidos com debates epistemológicos e equidade. O segundo encontro, nomeado“Seminário 10 anos da Lei de Cotas: mapeando conexões entre epistemologias outras e conhecimento livre”, foi realizado nos dias 22 e 23 de março de 2022. Nele, o objetivo foi propiciar o diálogo entre diferentes agentes sociais atuantes na academia, em movimentos sociais e/ou em organizações da sociedade civil. Ambos os momentos foram guiados pelas seguintes questões:
1) Quais foram os principais acertos e transformações para o acesso, produção e circulação do conhecimento de pessoas negras e indígenas? Como a internet tem se colocado (ou não) como parte desse processo?;
2) Quais são as principais dificuldades para o acesso, produção e circulação do conhecimento de pessoas negras e indígenas? Como a internet tem se colocado (ou não) como parte desse processo?;
3) Quais são os possíveis caminhos e estratégias que podemos apontar para diminuição dessas desigualdades? Como a internet, e as plataformas de conhecimento livre como a Wikipedia, podem se tornar aliadas nesse processo?
O mapeamento foi sistematizado a partir dos principais pontos que foram levantados durante os dois encontros supracitados, além disso, organizamos materiais de apoio e dados que podem auxiliar na compreensão do contexto trabalhado. A apresentação dos resultados seguiu então o que foi trazido pelas(os) convidados no Seminário. Além disso, cada uma das contribuições foi ancorada em estudos, relatos de experiência e produções diversas de conhecimentos.
Resultados
No que diz respeito aos acertos e transformações, os(as) participantes trouxeram como principais pontos: aumento de estudantes negros(as) e indígenas no Ensino Superior; políticas públicas de acesso à educação formal; aumento de referências negras e indígenas; aumento de publicações de autores(as) negros(as) e indígenas; redução gradual de desigualdades no acesso à internet; crescimento da consciência étnico-racial.
Ao nomear as dificuldades ainda persistentes foram apontados como desafios: o epistemicídio; a falta de acesso à renda; as desigualdades no processo de inclusão digital; consumir versus produzir; a presença de ódio, racismo e os impactos do colonialismo de dados.
Ao pensarem estrategicamente o futuro, foram trazidas como ações necessárias: driblar o epistemicídio; defender os direitos digitais como direitos fundamentais; fortalecer e utilizar as imprensas negras e indígenas; disputar recursos para projetos que visam a equidade no conhecimento; fazer uso do Conhecimento livre como prática e estratégia, por exemplo, através da utilização de plataformas como a Wikipédia.
No decorrer desses diálogos e escutas, percebemos a potência na união dos temas relacionados às reivindicações por equidade no conhecimento e por um conhecimento que se construa de forma livre na internet. As(os) participantes se propuseram a refletir de forma profunda sobre como a internet teve um papel crucial nos últimos dois anos e como pode, agora, a partir de plataformas de conhecimento livre, como a Wikimedia, fortalecer a busca por um cenário em que assumamos o compromisso conjunto de enfrentar os desafios apontados.
Escutar ativamente figuras centrais no debate sobre equidade no conhecimento no Brasil, no contexto de aniversário da Lei de Cotas, foi um movimento oportuno para buscarmos avançar nas compreensões de quais devem ser os próximos passos e o quanto caminhamos até agora.
O mapeamento pode ser lido na íntegra em português e inglês.