Pesquisa do InternetLab, em parceria com FGV-SP, analisa como o poder judiciário responde a casos de racismo na internet

O Núcleo de Justiça Racial e Direito, da FGV-SP, e o InternetLab produziram pesquisa sobre violência racial e o sistema judiciário.

Notícias Desigualdades e Identidades 18.01.2022 por Clarice Tavares e Vitor Santos Vilanova

Em 2022, o Núcleo de Justiça Racial e Direito, da FGV-SP, junto ao InternetLab, lançou a pesquisa “Segurança da população negra brasileira: como o sistema de justiça responde a episódios individuais e institucionais de violência racial. A pesquisa busca expor as dinâmicas práticas do racismo estrutural no poder judiciário brasileiro, por meio da análise do tratamento de diferentes formas de racismo – como discursos racistas, online e offline e racismo institucional – por diferentes tribunais de justiça brasileiro. 

A pesquisa, que adotou uma metodologia qualitativa-quantitativa, analisou decisões judiciais de sete tribunais estaduais brasileiros: Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Pará e Goiás. A investigação focou-se em quatro eixos de operacionalização do racismo:

  • Fundada suspeita, que analisou decisões judiciais penais sobre a aplicação do conceito de “fundada suspeita”.
  • Ações penais do crime de injúria racial, discriminação e racismo, que analisou decisões judiciais e inquéritos policiais de São Paulo, por meio de uma parceria com a DECRADI;
  • Casos de aplicação de danos morais, na justiça cível, em casos em que pessoas negras sofreram racismo, discriminação ou injúria racial ou terem sido vítimas de violência por agentes de forças policiais;
  • Ações penais e cíveis de discriminação racial na internet.

O InternetLab foi responsável pela análise do eixo sobre judicialização do racismo na internet. Buscamos compreender como ocorrem as dinâmicas de violência racial online e como esse fenômeno é tratado pelo sistema de justiça brasileiro, levando em consideração as peculiaridades da forma como a discriminalação racial acontece no ambiente online e como estes casos são julgados pelos tribunais brasileiros. 

Síntese das descobertas do eixo racismo na internet

A primeira descoberta feita pela pesquisa foi a pequena quantidade de decisões no tema. Foram encontrados apenas 77 acórdãos que se encaixavam no escopo da pesquisa, um número bastante baixo quando comparado com os outros eixos.

A maior parte dos casos foram encontrados no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), tanto em casos cíveis, quanto em casos criminais. Além disso, a pesquisa mostrou que os casos judicializados tiverem significativo aumento nos últimos 10 anos quando comparada à época entre 2006 e 2011.

A maioria dos casos criminais foram contra uma vítima “não identificável”, ou seja, eram direcionadas a um grupo de pessoas. Já a maioria dos casos cíveis foram para pessoas “identificadas”. Essa identificação no âmbito cível ocorre, provavelmente, por conta da busca por indenização, que não ocorre no âmbito penal.

No âmbito penal, ainda, se identificou que o termo mais utilizado foi raça. Essa diferenciação é importante porque a Lei 7.716/89, em seu primeiro artigo, prevê o crime de discriminação ou preconceito por:

  • raça
  • cor
  • etnia
  • religião
  • procedência nacional

Assim, de acordo com os resultados encontrados, há predominância da judicalização se utilizando do termo raça, em que foram identificados mais de 30 casos. Os outros termos ficaram bem atrás, com frequências similares entre si, entre 1 e 4 casos por termo. 

O mesmo ocorreu na esfera cível. O termo raça foi, de longe, o mais utilizado, com quase 20 casos. O segundo termo mais utilizado na judicialização, ainda que muito menos que o primeiro, foi religião – expresso, especialmente, em casos relacionadosao judaísmo, com 5 casos.

Os termos utilizados e os padrões encontrados

A pesquisa também adentrou em quais termos foram mais utilizados pelos agressores virtuais. As ofensas foram classificadas em quatro categorias: animalização, cunho sexual, aparência e invocação de pobreza. A classificação é inspirada naquela proposta por Antonio Sérgio Alfredo Guimarães (2000), em análise sobre insultos raciais registrados em queixas de discriminação. 

Identificamos que muitas das ofensas da internet se aproximam da categoria “animalização”. Foram encontrados termos como “macaco”, “urubu”, “galinha preta”, num paralelo entre animal-raça, em muitos acórdãos. Nestes casos, o termo macaco foi o mais utilizado.

Para além da ofensa utilizando o termo diretamente, em muitos casos foram postados imagens das vítimas sendo comparadas a animais, como em casos de imagens da árvore filogenética do homo sapiens em que a vítima era comparada a macacos, oferecimento de bananas ou fazendo referência a bananas.

Nos casos de animalização direcionados a mulheres, foram encontradas expressões que faziam uma aproximação animal-sexo, com termos como “cachorra” e “cadela”. Ainda, há casos com postagens gordofóbicas, insultando mulheres negras com termos como “baleia”, e casos em que mulheres negras foram comparadas a bacalhau.

Da categoria “cunho sexual”, que relaciona insultos de teor racial com os que fazem referência a condutas sexuais, foram encontrados termos que associavam mulheres com a prostituição, publicações com incitação ao estupro e termos como “safada” ou “mal comida”. 

Em relação à categoria “aparência”, foram encontrados xingamentos como “cabelo ruim”, “feia”, “cabelo de cu de urso” e termos associadas a expressões gordofóbicas, como “gorda”, direcionadas principalmente a mulheres.

Já da categoria “invocação de pobreza”, foram encontrados termos como “morto de fome”. Da categoria “acusação de sujeira”, foram encontradas ofensas como “cinzeiro”, “encardido”, “nojenta”, “lixo” e “fedida”, também mais associadas às mulheres. Dentro da categoria “delinquência”, foram encontrados termos como “vagabundo”. 

Casos com incitação direta ao nazismo também foram recorrentes, como em casos de divulgação de imagens de suástica nazista e de Hitler, realização de “propaganda nazista”  e participação em blogs e comunidades nazistas. Foram registradas, até mesmo, ofensas antissemitas e que contestavam o holocausto.

Foram encontrados, também, casos em que os réus defendiam a superioridade de pessoas brancas, como por meio da criação de comunidades do Orkut chamada “SOU 100% BRANCO”. 

Quem são as vítimas?

A pesquisa também buscou compreender melhor quem são as vítimas dos crimes de racismo na internet. Porém, informações quanto à própria raça da vítima não foram encontrados nos acórdãos estudados. Tanto na esfera criminal, quanto na esfera cível.

O gênero das vítimas também não foi, em sua maioria, autodeclarado. Mas, foi possível identificar certo equilíbrio entre homens e mulheres nos casos judicializados. Com pequena predominância de homens em casos penais e de mulheres em casos cíveis.

Já quanto ao agressor, a distribuição é bastante parecida quanto aos casos cíveis. Porém, em casos penais há grande predominância do sexo masculino.

A pesquisa também identificou quais as mídias sociais mais utilizadas para as ofensas. No âmbito penal, a mídia mais utilizada foi o Facebook, com significativa distância em relação às outras. Já no âmbito cível, o mais utilizado foi o WhatsApp, seguido de Facebook, Twitter e outros.

Como decidiram os tribunais?

Os tribunais majoritariamente condenaram os casos de racismo na internet em âmbito penal. Houve condenação em 60% dos casos analisados. Os tribunais dividiram os casos em racismo e injúria racial.

As indenizações no caso de violência racial online foram, também, majoritárias nos tribunais analisados. Os valores variaram de  R$1.000 a R$60.000.

A pesquisa também revelou no que se basearam os magistrados para tomarem suas decisões. Uma das principais discussões foi a presença ou não do dolo do agressor de discriminar ao publicar conteúdo racista. Os tribunais fizeram discussões probatórias, em especial no âmbito penal.

O sumário executivo, da pesquisa completa, está disponível para leitura em português.

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