Justiça de dados e políticas de proteção social no Brasil: algoritmos e decisões automatizadas no CadÚnico

Com apoio da Privacy International e em parceria com a Universidade de St.Gallen, o InternetLab inicia projeto sobre automatização nos programas de proteção social no Brasil.

Notícias Desigualdades e Identidades 18.09.2024 por Anna Martha Araújo, Clarice Tavares, Danyelle Reis, ⁨Paula Pécora⁩, Mariana Valente e Isabela Frangi Bassani

Em 2024, mais de 40 milhões de famílias estão registradas no chamado CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal). O Cadastro Único é uma das maiores bases de dados sociais do mundo, e agrega informações pessoais, características de residência, composição familiar, situação de trabalho e de renda, entre outros, sobre indivíduos que se beneficiam de programas de assistência social oferecidos pelo Estado. No nível federal, são 30 programas alimentados pela base de dados do CadÚnico, dentre eles figuram Bolsa Família, Tarifa Social de Energia Elétrica, Auxílio Gás,  Água Para Todos (Cisternas), Minha Casa Minha Vida, Benefício de Prestação Continuada (BPC), Carteira da Pessoa Idosa, Pé-de-Meia, Acredita no Primeiro Passo e Isenção de Taxa em Concursos Públicos.

O InternetLab tem se concentrado, desde 2019,  em pesquisas focadas nos programas de proteção social englobados pelo CadÚnico: o Programa Bolsa Família e o Auxílio Emergencial. Esses projetos abordaram especialmente as implicações desses programas sobre a privacidade dos beneficiários, levando em consideração marcadores sociais da diferença, como gênero, raça e classe social. Para além disso, observaram como práticas de dados estavam relacionados com aspectos de justiça. Por exemplo, observamos como práticas do Bolsa Família favoreciam a vigilância social com viés de gênero sobre as beneficiárias.

Nesses projetos, identificamos a implementação, cada vez mais acentuada, de processos de datificação e automação para a concessão de benefícios relacionados a esses programas sociais. 

Diante de novas perguntas que esses projetos levantaram, o InternetLab, com o apoio da Privacy International e uma parceria com a Universidade de St.Gallen, deu início a uma pesquisa para analisar a tomada de decisões automatizadas dentro dos programas de proteção social alimentados pelo CadÚnico e o impacto desses processos sobre os direitos sociais no Brasil. 

O que faremos 

Como a automação foi incorporada aos programas de proteção social gerenciados pelo CadÚnico? Quais  processos estão envolvidos na coleta e no processamento de dados no CadÚnico e como determinam automaticamente a elegibilidade para benefícios sociais? Quais são impactos do emprego de sistemas automatizados em grupos historicamente marginalizados?  Em que medida o sistema automatizado do CadÚnico efetivamente enfrenta as desigualdades existentes em vez de reforçá-las? 

Para responder a essas questões, o projeto envolve (i) a revisão bibliográfica de pesquisas relacionadas à justiça de dados e programas de proteção social e ao Cadastro Único; (ii) a análise de dados, notícias e relatórios públicos disponibilizados pelo Governo Federal sobre o Cadastro Único; (iii) a análise de legislações, decretos e portarias regulamentadoras do Cadastro Único; (iv) desenvolvimento de perguntas com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) aos órgãos do governo responsáveis  pela gestão do Cadastro Único e (v) a realização de entrevistas com gestores e especialistas envolvidos com o Cadastro Único. 

Nossa expectativa é que a compreensão desses processos traga propostas concretas para as políticas envolvendo o CadÚnico e os programas sociais relacionados a ele, mas também uma contribuição para os debates nacionais e internacionais sobre justiça de dados, inteligência artificial e processos de decisão automatizada no setor público, e tecnologia e proteção social mais amplamente, a partir do contexto brasileiro, caracterizado por profundas desigualdades de classe, território, raça e gênero.

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