Em contribuição ao TSE, InternetLab e Data Privacy defendem convergência entre proteção de dados e transparência eleitoral

Organizações lançam relatório com contribuições enviadas ao Tribunal Superior Eleitoral sobre a plataforma DivulgaCandContas e o Processo Judicial Eletrônico.

Notícias Informação e Política 10.08.2022 por Heloisa Massaro, Clarice Tavares e Vitor Santos Vilanova

Como parte do processo de adequação do processo eleitoral à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o  Tribunal Superior Eleitoral (TSE) convocou em maio de 2022 uma audiência pública com o objetivo de coletar contribuições sobre a compatibilização de ferramentas de transparência eleitoral com o regime de proteção de dados pessoais. Os participantes da audiência foram provocados a enviar contribuições a respeito da compatibilização das plataformas DivulgaCandContas e do Processo Judicial Eletrônico (PJe) com o regime da LGPD.

O DivulgaCandContas é uma plataforma de divulgação de informações e dados de candidaturas e prestação de contas de candidatos e partidos, cujo propósito é atender a demandas legais por transparência e permitir o controle social do processo eleitoral. O PJe, por sua vez, é composto por um sistema de busca, que permite a pesquisa de processos públicos autuados no TSE, TREs e Cartórios Eleitorais, e por um sistema de tramitação de atos, que permite que magistrados, servidores e advogados pratiquem atos processuais diretamente por meio do PJe. 

Na audiência pública, o TSE consultou os participantes sobre 4 pontos referentes à necessidade de implementação de ajustes para adequar os dois sistemas de transparência eleitoral à legislação de proteção de dados:

1. se havia necessidade de operar ajustes do DivulgaCandContas e no PJE, em relação  à extensão da publicização do trâmite dos processos de registro de candidatura e de demonstrativo de regularidade de atos partidários (DRAP); 

2. se havia necessidade de reconsiderar o acesso ao teor das certidões criminais disponibilizadas na plataforma DivulgaCandContas, inclusive no período para além ao “período crítico eleitoral”, isto é, do início da campanha até a data da eleição; 

3. se havia necessidade de inibir a publicização na plataforma DivulgaCandContas de alguns dados pessoais dos candidatos/as; e

4.  se havia necessidade de operar ajustes ou de inibir a publicização na plataforma DivulgaCandContas de informações do campo de lista de bens declarados. 

O InternetLab e a Associação Data Privacy de Pesquisa foram convidados pelo tribunal a contribuir com a consulta e participaram da audiência levando uma contribuição conjunta que abordou o tema a partir de uma perspectiva de convergência entre a transparência eleitoral, a proteção de dados, e o acesso à informação. A audiência pública ocorreu nos dias 2 e 3 de junho de 2022, em formato híbrido, e está disponível no canal do TSE no YouTube. Além das organizações, a audiência pública reuniu órgãos públicos, entidades do terceiro setor, partidos políticos, pesquisadores e especialistas em proteção de dados na esfera eleitoral.

Francisco Brito Cruza, diretor do InternetLab, na audiência pública do TSE, em transmissão ao vivo pelo YouTube.

Síntese das contribuições

As contribuições apresentadas pelo InternetLab em parceria com o Data Privacy foram organizadas e reunidas no relatório “DivulgaCandContas e proteção de dados nas eleições: contribuições ao Tribunal Superior Eleitoral”, já disponível para leitura

Em suas contribuições, as organizações apontaram pela convergência entre a LGPD e a legislação eleitoral na garantia do acesso à informação, da transparência eleitoral, e do controle democrático nas eleições. A larga base de dados das plataformas, com informações sobre os partidos e os candidatos da eleição atual e de anteriores, permite que o eleitor e a sociedade civil exerçam o controle social das candidaturas e dos mandatos eletivos. Nesse sentido, o documento aponta para um caminho de fortalecimento da transparência eleitoral orientado por alguns parâmetros de proteção de dados. 

A contribuição foi estruturada em 4 pilares principais: (i) transparência eleitoral e o controle social do processo eleitoral, garantindo a divulgação de dados e informações de candidaturas e partidos no DivulgaCandContas e no PJe; (ii) tripé finalidade-necessidade-adequação, com padronização na coleta de dados quando necessário; (iii) ciclo de vida dos dados, com construção de parâmetros atentos à distintas finalidades envolvidas na divulgação dos dados; e (iv) e segurança da informação, com implementação de camadas de acesso diferenciados a depender da forma, volume e tempo da disponibilização. Abaixo, resumimos as respostas enviadas ao TSE para cada uma das perguntas mencionadas acima: 

  1. Em relação à questão sobre a extensão da publicização do trâmite dos processos de registro de candidatura e nos DRAPs, não foi encontrada a necessidade de restrição, na medida em que  a LGPD não é um impeditivo para a transparência ou óbice para a publicização de registro de candidaturas. No entanto, foram sugeridos ajustes, com o objetivo de adequação às melhores práticas de segurança da informação. Recomendou-se a criação de camadas de acesso para o download de grandes bases de dados do DivulgaCandContas por meio da API e a realização de um cadastro, com informações básicas sobre o autor do download, e a assinatura de um termo de responsabilidade, mas sem que estas camadas e procedimentos configurem um óbice desproporcional e inviabilizem o acesso a estes dados. Ainda, as organizações recomendaram a padronização na coleta de dados e a construção de parâmetros e diretrizes pelo Tribunal Superior Eleitoral sobre os dados e informações necessários que devem constar nos documentos que os candidatos e os partidos devem enviar à Justiça Eleitoral. Por fim, o documento destacou a importância de avaliação do ciclo de vida dos dados disponibilizados no PJe no DivulgaCandContas.
  2. Sobre a divulgação de certidões criminais, as organizações destacaram a importância da publicização das certidões criminais no âmbito eleitoral, mas enfatizou que o tratamento deve estar atento ao ciclo de vida dos dados. 
  3. Quanto à divulgação de dados dos candidatos no DivulgaCandContas, o InternetLab e o Data Privacy não vislumbraram a necessidade de qualquer inibição. Eventual restrição poderia prejudicar a transparência eleitoral e o acesso à informação. Assim, a recomendação focou em aperfeiçoamentos possíveis a essa publicização, como: (i) a construção de parâmetros sobre ciclo de vida dos dados a partir das finalidades de tratamento; (ii) e a garantia dos direitos dos titulares, como a eliminação ou ocultação, em caso de tratamentos desnecessários, abusivos ou que coloquem em risco a segurança do candidato, a partir da análise individualizada de casos concretos que demonstrem risco real ao candidato.
  4. Por fim, em relação às listas de bens declarados pelos candidatos, a contribuição enfatizou a importância da divulgação, que tem como finalidade a garantia do controle social de atividades econômicas dos candidatos. Essa divulgação se ampara no próprio Código Eleitoral e, portanto, a transparência em relação a essas informações deve ser mantida. Com vistas à adequação ao ciclo de vida dos dados dos bens de candidatos, foi recomendado a implementação de camadas de acesso a informações mais antigas, mas sem que essas camadas resultem em óbices desproporcionais ao acesso. Ainda, o documento recomendou a compilação dos dados de forma estatística, anonimizada, para fins de pesquisas científicas sobre o tema.

O relatório completo com as contribuições enviadas ao TSE está disponível para leitura em português.

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