A internet e os três poderes: temas e tendências dos últimos meses

Conjuntura Institucional 01.05.2018 por Beatriz Kira e Heloisa Massaro

O crescimento exponencial e global do uso da internet trouxe consigo a multiplicação de decisões judiciais e propostas legislativas que enfrentam questões complexas ligadas à ideia de regulação da rede. Como parte do nosso acompanhamento das transformações do ambiente regulatório, há seis meses lançamos o SEMANÁRIO, um boletim semanal sobre os últimos acontecimentos na área de políticas da internet no Brasil e no mundo.

Com ele, passamos a disponibilizar, toda semana, um apanhado das principais atualizações sobre o Legislativo (projetos de lei propostos ou avançando no Congresso), Executivo (medidas tomadas pelo governo), Judiciário (decisões importantes sobre direito e Internet) e notícias importantes na esfera internacional. O Semanário inclui também publicações e relatórios relevantes do campo de políticas de Internet, além de uma agenda com oportunidades de pesquisa e de participação em eventos.

A partir do monitoramento dos últimos seis meses e com base nas hashtags utilizadas para identificar os temas dos textos, mapeamos os assuntos mais recorrentes do Semanário e os períodos em que tais assuntos receberam mais atenção. Além disso, levantamos algumas hipóteses que justificam o destaque de um ou outro assunto nas agendas nacional e internacional [1].

Frequência das principais hashtags identificadas nos últimos 6 meses. Fonte: InternetLab

Desigualdades e Identidades

Temas ligados a marcadores sociais da diferença como gênero, orientação sexual, raça, classe social e deficiência – relacionados à nossa área Desigualdades e Identidades – estiveram presentes em todo o período analisado. O assunto mais abordado foi a violência de gênero, principalmente no contexto das discussões legislativas em torno de projetos para uma lei de enfrentamento da disseminação não consensual de imagens íntimas (NCII), aprovada recentemente pelo Congresso Nacional. No Judiciário, decisões sobre o chamado revenge porn também foram frequentes. No Executivo, no entanto, não relatamos discussões envolvendo desigualdades e identidades, o que pode indicar que tais temas não estão tanto em debate no âmbito de execução de políticas públicas, mas que se encontram em disputa sobretudo na esfera da legislação – seja no campo da própria produção legislativa, ou na sua interpretação e aplicação pelo Judiciário.

Liberdade de expressão

Discussões relacionadas à Liberdade de Expressão apareceram com frequência em todas as seções do Semanário, ao longo dos últimos meses, com destaque para o grande número de decisões judiciais relacionadas ao tema. A frequência das hashtags #remoçãodeconteúdo, #responsabilidade e #direitosdepersonalidade indicam que a maior parte dos casos dizem respeito a pedidos de remoção de conteúdo supostamente ofensivo a direitos como honra, imagem e reputação, cumulados com pedidos de responsabilização, seja da plataforma ou da pessoa responsável pelo conteúdo, além do pagamento de indenização. Os casos mencionados também foram incluídos na casoteca do Dissenso.org, plataforma destinada à promoção da liberdade de expressão no ambiente digital que busca promover o diálogo entre academia, operadores do direito e sociedade por meio da difusão de informação.

Principais hashtags identificadas na seção Judiciário do Semanário. Fonte: InternetLab

Privacidade e vigilância

Privacidade e Vigilância foram temas bastante presentes na seção da conjuntura internacional, principalmente no relato de eventos relacionados ao novo regulamento de proteção de dados pessoais da União Europeia (General Data Protection Regulation – GDPR), e aos episódios de vazamentos e uso sem consentimento de informações pessoais por empresas – como o recente caso envolvendo a consultoria Cambridge Analytica.

Na conjuntura nacional, a privacidade foi discutida na seção legislativa principalmente associada às hashtags #dadospessoais ou #acessoadados, relacionadas ao acompanhamento dos projetos de leis que visam a instituir uma lei geral de proteção de dados no Brasil. No Judiciário, o tema teve destaque em fevereiro de 2018, por conta da intensificação dos debates sobre acesso a dados armazenados no exterior durante esse mês, quando a ADC 51 foi conhecida pelo STF. A hashtag #comunicações esteve principalmente presente em outubro e dezembro de 2017, vinculada aos debates acerca do acesso à dados de comunicação e ao reconhecimento da repercussão geral do caso que discute o acesso a dados armazenados em celulares sem ordem judicial.

Informação e política

As hashtags relacionadas à área de Informação e Política se concentraram nos temas de eleições e notícias falsas, e estiveram presentes em todas as seções da conjuntura nacional, principalmente a partir de dezembro de 2017, quando os debates em torno da aprovação das regras eleitorais que balizarão as disputas deste ano começaram a esquentar. Nessa época, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) realizou um seminário, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e com o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), com o objetivo de discutir as novas regras eleitorais e a influência da internet nas Eleições de 2018, em especial o risco de circulação das notícias falsas (fake news) e do uso de robôs (bots). Também em dezembro de 2017, o então presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, instituiu o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, por meio da Portaria-TSE no 949/2017. No Legislativo, identificamos mais de 15 projetos de lei que visam a endereçar o problema das notícias falsas, propondo desde a criminalização de sua produção e disseminação, a alterações no Marco Civil da Internet e no Código Eleitoral. Diante da multiplicidade de projetos e da relevância do tema, o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CCS) tem recolhido subsídios para embasar recomendações e um posicionamento oficial sobre as propostas em tramitação, movimentação que também temos acompanhado.

Principais hashtags identificadas na seção Legislativo do Semanário. Fonte: InternetLab

Tendências e debates nas redes e nas estratégias regulatórias

Para além dos temas atinentes às nossas quatro áreas de pesquisas atuais, identificamos também que questões relacionadas às economias do compartilhamento tiveram presença significativa no semanário, especialmente durante o período no qual se debateu na esfera legislativa a regulamentação dos aplicativos de transporte, com a recente aprovação da Lei 13.640/2018. O uso frequente das hashtags #uber e #transporte associadas a essa linha indicam que as principais questões que apareceram sobre este tema se relacionam exatamente à regulação e operação de aplicativos de transporte, no Brasil e em outros lugares do mundo. Moedas virtuais, como o Bitcoin, foram discutidas com mais frequência na conjuntura internacional, mas o tema tem ganhado relevância no Legislativo nacional, principalmente por conta de uma Comissão Especial instalada na Câmara dos Deputados, e no Executivo, relacionado aos esforços regulatórios do Banco Central (BC) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Ademais da identificação de temas, nosso levantamento possibilitou apontarmos algumas tendências e estratégias regulatórias, adotadas principalmente por atores nacionais. No Legislativo, historicamente, parlamentares recorrem ao direito penal para endereçar desafios trazidos pela internet, especialmente quando os temas têm destaque na mídia nacional. Nosso mapeamento de hashtags confirma tal tendência. A hashtag #penal esteve bastante presente ao longo desses seis meses, majoritariamente na sessão legislativa, e associada a projetos de lei que abordam tema de grande interesse social, como foi o caso do fenômeno “baleia azul”, no final de 2017, e mais recentemente a disseminação de notícias falsas.

Por outro lado, o levantamento aponta que, no Judiciário, temas relativos a políticas de internet são mais debatidos na esfera civil [2]. Em muitos casos, isso ocorre por conta da aplicação do Marco Civil da Internet, mas decisões de responsabilização e indenização sem referência a essa lei ainda são comuns. Em geral, notamos que os tribunais estaduais tendem a priorizar a tutela a direitos de personalidade, como a defesa da honra, em detrimento da liberdade de expressão, em alguns casos inclusive responsabilizando plataformas de internet pelo conteúdo gerado por usuários.

Principais hashtags identificadas na seção Executivo do Semanário. Fonte: InternetLab

Como é feito o levantamento?

O Semanário é elaborado pela equipe da área de Conjuntura do InternetLab, que desenvolveu uma metodologia de acompanhamento constante de uma variedade de fontes. As seções Legislativo e Executivo são elaboradas principalmente com base em informações disponíveis nas páginas oficiais da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de ministérios, e de outros órgãos e agências governamentais. Já a seção Judiciário é fruto de busca de decisões recentes nas salas de imprensa dos tribunais, além de notícias publicadas em veículos de mídia especializados em temas jurídicos. Com isso, não pretendemos cobrir todas as decisões nem abranger todos os repositórios de jurisprudência dos tribunais, mas sim fornecer uma amostra de como cortes em diferentes partes do país têm enfrentado temas interessantes relacionados à internet.

A seção de conjuntura internacional reúne informações sobre pautas relevantes que estão sendo discutidas publicamente e assuntos relacionados às linhas de pesquisa do InternetLab. Buscamos, sempre que possível, fornecer os links para fontes oficiais e documentos originais das informações publicadas. Chamam nossa atenção decisões de cortes e tribunais estrangeiros (principalmente superiores), pronunciamentos oficiais de governos, projetos de leis em andamento, bem como relatórios publicados por organizações internacionais e entidades da área de tecnologia.

Próximos passos

Acreditamos que diante do papel central que novas tecnologias, e sobretudo a internet, desempenham atualmente, é cada vez mais relevante compreender o cenário regulatório em constante evolução na qual elas se inserem. Esperamos que o Semanário continue sendo fonte de informação sobre os debates atuais no campo, e que inspire reflexões sobre como as autoridades, no Brasil e no mundo, têm enfrentado questões complexas ligadas a essas tecnologias. Assine para receber o Semanário por e-mail ou acesse o site do InternetLab, onde estão disponíveis todas as edições publicadas ao longo dos últimos 6 meses.

[1]  É preciso levar em consideração o período de recesso legislativo e judiciário, no Brasil, nos meses de dezembro de 2017 e janeiro de 2018, o que influenciou o volume de decisões analisadas, bem como o andamento de projetos de lei.

[2] A predominância de casos cíveis, em detrimento dos penais, se refere apenas às decisões publicadas na seção “Judiciário” do Semanário. Nossa pesquisa nos repositórios de jurisprudência dos tribunais não é exaustiva, o que nos impede de tecer diagnósticos conclusivos nesse sentido. Como exposto, o conjunto de decisões comentadas é exemplificativo e não tem pretensão de cobrir todas as decisões do país, mas sim reunir amostras de entendimentos jurisprudenciais relevantes relacionados a políticas de internet. Ademais, é possível que a predominância dos casos cíveis decorra não apenas da metodologia adotada, mas também do fato de muitos casos penais correrem em segredo de justiça – especialmente aqueles que envolvem disseminação não consentida de imagens íntimas e quebras de sigilo – o que faz com que eles não integrem nossa amostra.

Por Beatriz Kira, coordenadora da área de Conjuntura, e Heloisa Massaro, estagiária de pesquisa. Colaboraram os pesquisadores Clarice Tambelli e Lucas Lago.

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