Imagem ilustrativa do podcast apresenta ao centro um desenho do brasão do governo federal feito com cabos USB. Acima, está escrito 'Cabo Eleitoral'. No topo da imagem, há o logo da Folha de S.Paulo e no rodapé o do InternetLab.

Cabo Eleitoral

Temporada 1  |  Episódio 6

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A eleição presidencial deste ano é a primeira com uma lei de proteção de dados pessoais, e isso vai readequar a comunicação entre políticos e eleitores.​ As campanhas majoritárias estão atentas para o assunto, até porque devem ser olhadas mais de perto pela Justiça Eleitoral. Mas candidaturas menores ainda têm à disposição uma gama de serviços ilegais para chegar ao público, como venda de banco de dados e serviços de disparo em massa pelo WhatsApp –prática banida em 2019.

O sexto e último episódio do Cabo Eleitoral mostra como o mercado ilegal de dados pessoais e serviços automatizados é ativo no Brasil. O episódio ouve Bruno Andrade, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político e do TSE; Diego Dorgam, engenheiro de dados e dono de uma empresa de big data que presta serviço para políticos; Pablo Nobel, marqueteiro que já trabalhou com Geraldo Alckmin, Aécio Neves e Lula; Heloisa Massaro, advogada, pesquisadora e diretora do InternetLab; e Samara Castro, especialista em direito eleitoral que atuou em mais de uma centena de campanhas.

Ouça o podcast Cabo Eleitoral em sua plataforma de streaming preferida.

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Gravação telefônica: “Se você quer informações sobre como contratar os nossos planos, digite 1”

Funcionário: “Atendimento comercial, bom dia. Com quem eu falo?

Narradora: “Bom dia, com a Paula.”

Essa é uma empresa que vende disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp. Não é preciso procurar muito no Google para encontrar uma dezena de serviços digitais como esse.

Funcionário: “Os disparos são ilimitados. Como é que acontece? A nossa plataforma não precisa de instalação, ela funciona 100% online, pela web. Você vai entrar na plataforma, vai importar os contatos para essa plataforma, que pode ser através de uma planilha. Para evitar bloqueio ou banimento, nós fazemos algumas recomendações. Quais são elas? Nós recomendamos que cada cliente faça por volta de 500 envios diários”.

Narradora: “Queria entender se consigo fazer compra de serviço de disparo em massa para campanha política”.

Funcionário: “Sim, sim. Nunca tivemos problemas com isso durante cinco anos de serviço”.

Narradora: “Eu desconfio que isso possa ter problema para campanha política”.

Funcionário: “Na verdade, todo ano político o que a gente mais tem são clientes que querem fazer disparos para campanhas. Desde janeiro o que a gente mais tem vendido é justamente disparo para empresa ou pessoas que querem fazer campanhas, porque é um ano eleitoral”.

Partidos políticos ou candidatos não podem fazer disparos em massa por aplicativo, isso é proibido pela Justiça Eleitoral.

Um plano mensal nessa empresa sai por R$ 167; o anual é vendido por R$ 897. O cliente precisa fornecer uma base de dados, que é uma planilha de Excel com números de telefone. A empresa entra com os disparos.

O atendente diz que os envios são ilimitados, mas que para evitar banimento do WhatsApp é melhor não fazer mais de 500 por dia.

Nos últimos anos, o WhatsApp ​​vem processando quem usa a plataforma para esse tipo de automação. Em 2018, a Folha mostrou como eram vendidos esquemas de disparo para impulsionar candidaturas.

Essa empresa que eu liguei, a Zap Fácil, foi processada no passado pelo WhatsApp, que teve uma liminar favorável, mas o caso ainda não foi julgado.

O Brasil não tem lei que proíba automatização para consumo, por exemplo. Mas o WhatsApp diz em seus termos de uso que não permite que o aplicativo seja usado para envio massivo de mensagens. Isso só pode ser feito por empresas parceiras.

Na eleição, a Justiça não veta só disparos em massa. Também proíbe a compra de bases de dados com números de celulares, endereços ou informações.

Mas com a quantidade de compilados vazados por empresas públicas e privadas nos últimos anos, qualquer candidatura mal-intencionada pode adquirir um pacote com centenas de milhões de dados de eleitores.

Isso pode ser feito online, em fóruns da internet. Ou mesmo na rua.

Na Santa Ifigênia, uma rua que vende eletrônicos no Centro de São Paulo, comprar um pen drive com quase 200 milhões de cadastros pessoais é quase tão fácil quanto comprar um joguinho pirata de videogame.

Narradora: “Eu queria aqueles pen drive com dados pessoais.”

Vendedor: “Queria o que, exatamente?”

Narradora: “Telefones, para fazer disparo de WhatsApp”.

Para entender como funcionava esse comércio, eu não me apresentei como jornalista. Disse que representava a campanha de uma candidata ao legislativo por São Paulo. Ah, e as vozes que você está ouvindo foram distorcidas.

Vendedor: “Sendo de São Paulo, tudo bem. Aí eu tenho um que vai englobar São Paulo inteiro, capital, e tenho um que vai englobar capital e interior. Aí já vem nome do pai, nome da mãe, nome da pessoa, endereço, telefone –WhatsApp e fixo”.

Vendedor: “Isso é coisa que a gente nem vende, eu só vendo mesmo quando é o rapaz que me chama. Porque tem muita polícia, a gente não pode ficar vendendo informação assim, entendeu?”

A base de São Paulo custava R$ 260, mas também tinha uma maior, com dados de todos os estados, saindo por R$ 550.

Vendedor: “Se você já tem o programa de envio, não vai precisar mais gastar. Tem gente que chega e não tem o programa, aí precisa instalar o programa e ter os dados na mão”.

Para encontrar um programa que dispara as mensagens automaticamente, parecido com o da empresa que eu conversei por telefone, não precisei caminhar muito.

Narradora: “Primeiro eu tenho que instalar o programa?”

Segundo vendedor: “Instale o programa, aí eu vou enviar a senha para você, aí você abre com a senha, entendeu?”

Esse senhor vendia CDs com softwares que, segundo ele, faziam disparos com texto, imagem e vídeo. Era só instalar o programa no computador e sincronizar com a base de dados, que eu já deveria ter.

Ele estava anunciando um CD de uma marca chamada Micro Social. Tinha logotipos de WhatsApp, Instagram e Facebook na capa e custava R$ 260.

Ele contou que esses programas não serviam só para campanha política, mas para marketing digital de forma geral.

Caminhando três quadras no centro de São Paulo, dá para comprar dados de milhões de eleitores e um software que promete automatizar o envio de mensagens por WhatsApp, SMS ou Telegram.

Eu sou a Paula Soprana e este é o Cabo Eleitoral, uma parceria entre a Folha e o centro de pesquisas InternetLab.

Neste episódio, o último da temporada, a gente vai falar sobre o uso legal e ilegal que as campanhas estão fazendo dos dados pessoais de brasileiros.

Foi em 2019 que o Tribunal Superior Eleitoral proibiu o disparo em massa de mensagens de texto com conteúdo eleitoral. O descumprimento é visto como abuso de poder econômico e propaganda irregular.

O político que fizer isso pode ser punido com a perda da candidatura e uma multa de até R$ 30 mil.

Locutor da Rede Globo: “O TSE incluiu nas regras um dispositivo que já está valendo e que proíbe disparo de mensagens em massa pelas redes sociais, e aprovou uma mudança que pode acelerar o processo de julgamento dos registros. O político terá que informar o celular e o email para comunicações imediatas da Justiça Eleitoral”.

Essa prática consiste em enviar a mesma mensagem para diversos números de uma só vez. Vários desses telefones são obtidos de forma ilícita Quem recebe, na maioria das vezes não tem ideia de como seu número foi parar naquela lista.

As regras eleitorais recentes e a Lei Geral de Proteção de Dados, em vigor há dois anos, fazem do marketing digital das campanhas um terreno movediço.

É preciso tomar cuidado para que a comunicação com o eleitor não cruze os limites da privacidade dele.

A coleta de dados das pessoas –como número de celular, endereço e até posição política e religião– precisa estar de acordo com a lei. Assim como a comunicação com elas.

A cautela para fazer uma campanha microssegmentada, que vai disseminar diferentes conteúdos para diferentes públicos, ficou mais necessária depois do caso Cambridge Analytica.

A consultoria contratada pela campanha de Donald Trump em 2016 dividiu americanos em grupos por aspectos psicológicos, numa técnica chamada de psicometria.

Só que fez isso a partir da coleta irregular de dados por meio de um aplicativo no Facebook. Depois, direcionou propaganda política que casava especificamente com o anseio de cada eleitor.

Dá para fazer uma campanha elaborada, com técnicas de marketing digital, sem ferir a legislação.

Diego Dorgam, engenheiro de dados que trabalha com campanhas, diz que é possível captar informações de eleitores de diferentes formas para criar um canal de comunicação.

A regra básica é que aquele cidadão esteja ciente de que o dado dele roda naquela campanha.

“Essa concordância tácita se dá em um formulário ou na entrada de um grupo de WhatsApp, ou, enfim, de alguma alguma forma que deixa explícito para o usuário que, ao clicar, ele estará concordando com os termos de uso da política de privacidade e estará concordando em receber comunicado, emails. De regra, quando a gente vai fazer algum tipo de trabalho inicial, ele começa com um projeto que já tem alguma base de dados cadastrada –seja uma base de dados de quem entrou em contato com ele, ou que participou de alguma plenária ou que veio de algum evento onde as pessoas se inscreveram.”

Tem outra forma de fisgar o usuário na internet e fazer com que ele entre numa campanha de maneira transparente: em algum site ligado à candidatura, pessoal, do partido ou da coligação.

“A gente coloca o vídeo, uma chamada e de repente algum gatilho para chamar o usuário para uma call to action que é se cadastrar; se formaliza, se finaliza no cadastramento dele com o consentimento tácito, ou seja, o preenchimento do formulário com nome, email, telefone, clicando no item ‘aceito receber mensagens de email, Telegram, WhatsApp, etc.’, coisas do gênero. Quando o usuário faz essa postagem, quando envia os dados, a gente tem então o lide coletado, tem um lide coletado com sucesso, uma conversão aconteceu. Para alcançar esse usuário na rede, a maneira legal de fazê-lo é através de impulsionamento.”

Impulsionamento é a propaganda paga na internet. Numa campanha política, isso só pode ser feito em plataformas como Facebook, Instagram e Google, e nos termos dessas big techs.

E é com essas ferramentas que as equipes de marketing vão mapear o público que querem atingir, a partir de filtros como localização, áreas de interesse, faixa etária…

Dependendo da base de dados, dá para saber até a renda estimada do usuário.

Diego explicou que a criação de centenas ou milhares de públicos com características próximas é a microssegmentação. E, a partir dela, dá para usar várias estratégias dentro do Facebook…

“Por exemplo, a gente oferece uma consultoria de análise da performance das eleições anteriores por meio da visualização gráfica dos dados do TSE, dos dados de votação por urna, por local de votação. A gente consegue entregar um produto interessante para o nosso cliente, que é analisar quais foram os locais de votação, onde ele teve maior performance e definir uma estratégia para trabalhar a partir do CEP ou a partir do range de alcance ao redor do CEP; no Facebook, a gente consegue fazer essa configuração para alcançar um público no entorno daquele local de votação.”

Campanhas que quiserem gastar mais dinheiro e aplicar métodos mais avançados de marketing, como aplicação de testes de personalidade para serem assertivos na propaganda, vão precisar garantir o consentimento do potencial eleitor.

No caso Cambridge Analytica, as pessoas não tinham ideia que os resultados de testes de personalidade estavam indo para campanha do Trump.

“Para você ter, por exemplo, hoje um perfilamento baseado em Big Five [Big Five é um teste que divide as pessoas em cinco grupos psicológicos] precisa que o usuário responda, no mínimo, um questionário de 20 perguntas. Você pode fazer isso em um perfil de chatbot, um formulário, mas obviamente, para você chegar nesse usuário depois da implementação da LGPD, você vai ter que pedir o OK, sempre com a concordância tácita.”

A comunicação política mudou radicalmente nas últimas duas décadas. Mas a gente pode mapear três formas principais de estabelecer uma ponte com os eleitores.

A televisão aberta –uma via ainda considerada essencial para dialogar com as classes mais pobres.

As redes sociais, claro –só que nessa seara tem uma imensa gradação entre o político que apenas está lá e o político que firma um diálogo permanente com sua base.

E uma categoria mais direta, que é a comunicação em grupos de mensagens, no Telegram e no WhatsApp.

Essa última opção diz muito sobre o tempo de comunicação rápida que a gente vive: a mensagem tem que ir direto ao ponto e alcançar as pessoas certas.

“As pessoas estão muito mais preocupadas em saber, na prática, o que cada político tem para oferecer, o que que o cara vai mudar na vida dela.’

Esse é o publicitário argentino Pablo Nobel, que trabalha há 40 anos com propaganda e acompanhou a transição da política do analógico para o digital. Ele já fez campanhas de Geraldo Alckmin, Aécio Neves e Lula.

“Eu tenho dito que, se alguma coisa mudou radicalmente a gramática da comunicação com a chegada do digital é exatamente isso: o objeto deixa de ser o ‘eu falante’ e passa a ser muito mais ‘o que eu estou dizendo de significativo para a pessoa que está me ouvindo’.”

Quando o Nobel se refere ao “eu falante” quer dizer que, há 20 anos, a propaganda no geral apostava em fazer dos candidatos figuras heroicas. Os discursos eram ufanistas, com trilhas sonoras de exaltação ao Brasil…

Com a descentralização da comunicação e a emergência das redes sociais, quem ganhou protagonismo foi o cidadão e as necessidades dele, me disse o marqueteiro.

Os grupos de Telegram e WhatsApp, formados por pessoas que têm o mesmo interesse, ilustram bem o que ele quer dizer.

“Está havendo toda a discussão envolvendo o próprio WhatsApp, que está lançando as comunidades, que são grupos muito maiores do que a limitação de 150 a 200 pessoas que podem ter por grupos de WhatsApp. E isso está sendo lançado no mundo e no Brasil. Eles vão esperar para não influenciar ainda mais as eleições. Então você vê que começa a ter um diálogo entre as ferramentas de comunicação com os próprios comunicadores políticos e começa a haver uma necessidade de se entender melhor uns aos outros. Não tenho dúvida que esse trabalho, que esse trabalho é de microtarget, seja uma das principais tendências dessas eleições. Por que? Por que as pessoas nos grupos se sentem mais protegidas e sentem que fazem parte. Então estão muito mais abertas a ouvir a opinião dos outros, porque entendem que essas pessoas pensam como elas, por isso estão dentro daquele grupo.”

Mas mesmo esse tipo de comunicação tem suas regras a seguir. Uma campanha oficial não pode sair adicionando pessoas no WhatsApp sem uma base legal que sustente isso.

Lembrando que os usuários também podem configurar a privacidade de aplicativos para que não sejam inseridos em qualquer conversa.

Com a lei de proteção de dados, a propaganda de internet vai garantir mais segurança jurídica aos partidos.

Advogados de campanhas majoritárias dizem que as equipes estão montando as estratégias com atenção para a lei, algo que não aconteceu muito nas eleições municipais de 2020.

Como ficou um vai e volta no Legislativo sobre a vigência da lei naquela época, as candidaturas não tiveram tempo para se adaptar. Por isso, a fiscalização também foi baixa.

Locutor da Rede Globo: “Há menos de três meses das eleições municipais para prefeito e vereador, ainda não está claro como os candidatos poderão se adaptar à nova lei. Como será feita, por exemplo, a consulta do candidato ao eleitor e como e para quem o eleitor vai poder reclamar em caso do uso de seus dados sem autorização”.

Grande parte da população ainda não entendeu para que serve a lei de proteção de dados e como ela garante direitos. Como fica isso numa eleição presidencial?

“Em 2020, a Lei Geral de Proteção de Dados entrou em vigor e, com isso, ela estabeleceu um regime de proteção de dados no país.”

Essa é Heloísa Massaro, diretora do InternetLab. Ela foi uma das coordenadoras de um projeto sobre proteção de dados e eleições. Desse trabalho, saíram algumas recomendações que foram acatadas pelo TSE.

“O que é um regime de proteção de dados? Em termos muito gerais, se estabelece ali uma estrutura, um caminho para direcionar como que dados podem ser tratados, como eles podem ser compartilhados e como eles podem ser usados. Você tem os parâmetros gerais para que esse fluxo de dados aconteça de uma forma a não gerar riscos às pessoas, o que chamamos de titulares dos dados.”

A partir dessa lei, a coleta e o uso de dados por uma empresa ou uma campanha política só pode acontecer se estiver ancorado em alguma base legal: e ela pode ser consentimento, execução de política pública ou legítimo interesse –que por ser uma ideia genérica acaba favorável para as campanhas.

“A gente pode dar um passo atrás para pensar que campanhas sempre precisaram usar dados pessoais e sempre usaram dados e informações relativas ao eleitor para uma campanha. Quando a gente pensa antes da internet… uma campanha precisa pensar com qual fração do eleitorado ela quer dialogar; um grupo que mora em determinada região, que tem determinadas características. ‘Eventualmente, não sei se as mulheres são mais interessadas em creches ou são pessoas interessadas em emprego, por exemplo?’ As campanhas precisavam de informações dessas pessoas e mesmo quando a gente pensa em campanha de rua, eventualmente para entregar um panfleto, bater nas portas das casas, você precisava de certa forma de informações dessas pessoas para convidar elas para eventos. E você coletava essas informações para dar inteligência para as campanhas. Então, isso sempre esteve presente.”

Só que com a internet, isso ganha outra escala…

“Existem muito mais informações de todo mundo no ambiente digital e a capacidade de processar esses dados é muito maior. Então, hoje, nas campanhas na internet, para enviar, por exemplo, uma mensagem, ou para fazer chegar uma comunicação a algum eleitor, a primeira coisa que é importante é uma campanha olhar se existe alguma hipótese na lei que autoriza o tratamento daquele dado. Não necessariamente consentimento. Na Lei Geral de Proteção de Dados, há uma série de hipóteses.”

A Heloísa destaca outros pontos que os partidos, candidatos e coligações precisam cumprir.

Cada candidatura tem que ter uma pessoa encarregada de responder às autoridades e aos eleitores sobre como trata os dados pessoais internamente –e esse nome precisa estar indicado no site da campanha;

Eleitores podem exigir de partidos explicações sobre como os dados deles são tratados e armazenados e solicitar o descadastramento dos dados a qualquer momento;

Candidaturas precisam ser transparentes sobre como processam dados dos eleitores; com informativos em sites ou em perfis redes sociais, por exemplo;

Nas campanhas modernas, o maior receio, como a gente viu em outros episódios, é de descontrole sobre a desinformação. Nessa escala, a proteção de dados pessoais parece um problema menor.

Mas existe uma relação entre as duas coisas.

A Samara Castro, especialista em direito eleitoral e que já trabalhou em mais de uma centena de campanhas majoritárias e proporcionais, me disse que a possibilidade de as pessoas saberem o que é feito com os dados delas pode blindar a manipulação política.

“O fenômeno da desinformação, que é um fenômeno profundamente complexo, só tem a efetividade que hoje a gente verifica, de conseguir fazer as pessoas acreditarem em coisas que talvez sejam um pouco bizarras ou mesmo que sejam mais próximas da realidade, quando você consegue acionar os mecanismos psicológicos, emocionais, sentimentais, de alguma forma os mecanismos que fazem com que as pessoas passem a acreditar em determinadas coisas, porque elas já têm tendência a ver o mundo de uma determinada forma. E como você consegue saber se aquela pessoa vê o mundo de determinada forma? Quando você examina esses dados, quando você traz informações sobre essa pessoa e consegue construir o que a gente chama de profiling. Quando eu construo um perfil mais exato sobre essa pessoa, é muito mais fácil eu encontrar qual conteúdo eu vou dizer para ela, que vai comover ela mais, que vai deixá-la com mais asco, com mais nojo ou com mais raiva.”

É certo que poucas campanhas têm estrutura para fazer grandes cruzamentos matemáticos nas redes sociais para conquistar eleitores.

Mas a gente sabe que candidaturas presidenciais e militâncias organizadas atuam nessa frente de segmentação a partir de influenciadores, por exemplo.

Cada influenciador é cabo eleitoral para uma audiência bem específica; e acaba sabendo bastante do que o público dele gosta e quer ouvir.

Mas voltando à proteção de dados: muita gente minimizou a importância dela em 2020. A Samara acha que, na eleição deste ano, o tema já vai ser encarado de outra forma.

“2022 é diferente porque talvez um dos nossos principais elementos de preocupação, que é a desinformação, está profundamente relacionada com como a gente trata os nossos dados. Então, a proteção de dados ganhou dimensão para 2022 muito maior. Além disso, a lei ela já maturou um pouco na iniciativa privada, então é natural que isso vá ficando mais consciente para os eleitores, que passam a exigir dos partidos, dos candidatos, saber um pouco mais sobre seus dados.”

É uma visão otimista.

A expectativa é que o TSE e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados atuem de forma mais educativa do que com grandes multas e punições, justamente por ser uma eleição presidencial inaugural com essas novas regras.

“Olha, mais do que as próprias instituições e os candidatos terem essa consciência, é importante também o eleitor ter essa consciência, porque aí ele vai exigir que candidatos e partidos que busquem se adequar.”

Esse é Bruno Andrade, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, que acabou de escrever um livro sobre dados pessoais, LGPD e eleições. Ele também é secretário de Modernização no TSE.

“É claro que a gente sabe que um partido político e menos ainda um candidato, que às vezes monta a sua candidatura, às vezes dois, três meses antes da eleição, não vai se equiparar em termos de governança, em termos de qualidade da implementação de LGPD a uma empresa multinacional, por exemplo. É óbvio que não vai haver essa equiparação.”

Em breve, o TSE e a ANPD vão começar a fazer campanhas educativas, para isso entrar no olhar do eleitor. Eles lançaram um guia de boas práticas para o cidadão e pros partidos.

“Mas havendo algum tipo de incidente, algum tratamento indevido, é claro que a legislação vai punir essas pessoas. Então, por exemplo, um deputado federal que usar a base de dados das pessoas do seu gabinete para fazer propaganda eleitoral nas eleições de 2022. Em tese, aquele um conjunto de dados do gabinete dele enquanto deputado foi montado com uma finalidade completamente distinta de campanha. Então, a utilização desse dado, que é um dado público porque é um dado da administração pública, ele pode ser enquadrado como um abuso de poder político, por exemplo, que é um enquadramento sério da legislação eleitoral que pode cassar mandato, pode cassar registro de candidaturas, além de multas. Então, a gente tem que verificar, no caso concreto, quais os institutos, seja da proteção de dados, seja da legislação eleitoral, que a gente pode aplicar já numa fase de punição mesmo.”

A gente pode pensar em casos que vão além da atuação de partidos: o que acontece se um administrador de um grupo de Telegram com mais de 100 mil integrantes, por exemplo, decidir passar dados daquelas pessoas para campanha de um adversário? Ou, de uma hora para outra, mudar a finalidade daquele grupo de militância?

As leis que a gente falou agora não são para pessoas físicas, mas exceções podem existir.

“Imaginemos que o grupo é pró-Bolsonaro ou pró-Lula no Instagram. Aí você pega 100.000 e manda para a campanha do Daniel Silveira ou do Molon. A finalidade mudou porque aqui as pessoas estão no grupo para falar do Bolsonaro, para falar do Lula; receber uma campanha eleitoral do Molon ou do Daniel Silveira são incompatíveis com a finalidade original para que as pessoas deixaram os seus dados serem tratados no grupo, entendeu? Então, há um desvio claro de finalidade.”

E isso já aconteceu em 2018, com comunidades invadidas por opositores.

Nas eleições municipais de 2020, o disparo em massa continuou rolando, mas com algumas travas.

O WhatsApp tentou conter essa prática com formulários de denúncias aos usuários, e bloqueou mais de mil contas que disseminavam mensagens no primeiro e no segundo turno.

Folha mostrou que empresas de marketing não pararam de oferecer o serviço, e o Ministério Público Eleitoral de São Paulo investigou algumas delas.

Pela internet, eu procurei mais uma empresa que vende disparo, a Social Maker. Ela também disse que não existe impedimento para campanhas políticas.

Uma terceira empresa, que já foi alvo do WhatsApp na Justiça, respondeu que para eleição, a prática está proibida.

Aos poucos, a privacidade vem se tornando uma pauta cara.

Em fevereiro, o Congresso aprovou uma PEC que estabelece a proteção de dados como direito fundamental dos brasileiros.

Locutor da Rede Globo: “O direito à proteção de dados passa a ser uma cláusula pétrea da Constituição. Uma garantia que não pode mais ser revogada. Daqui para frente, qualquer lei que vier a tratar da privacidade de informações do cidadão só poderá ampliar esse direito.”

Mas, apesar disso, uma busca simples na internet indica que esse mercado ainda está bem ativo.

O WhatsApp diz que está atuando judicialmente contra o disparo em massa e que em todos os casos julgados até agora, tem uma decisão favorável que manda interromper o serviço dessas empresas.

Eu tentei contato formalmente com os responsáveis das agências de marketing que anunciam disparo em massa, dizendo que era jornalista, mas não consegui resposta nem por email e nem por ligação.

Este foi o último episódio desta temporada do Cabo Eleitoral, uma parceria entre a Folha e o centro de pesquisas InternetLab.

Eu fiz o roteiro e a produção desse podcast. A edição de som é de Luan Alencar e a coordenação é de Magê Flores.

Você ouviu áudios da Rede Globo.

Até a próxima!

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