Desdobramentos dos ecossistemas de (des)informação política ao longo dos períodos pré e pós eleitoral

3º relatório produzido por pesquisadores da UFBA e UFSC, com apoio do InternetLab, descreve os principais tópicos políticos discutidos entre agosto e setembro de 2022

Pesquisa Informação e Política 07.02.2023 por Paulo Pereira

Lançado em 07/02, o terceiro relatório da pesquisa “Democracia Digital – Análise dos ecossistemas de desinformação no Telegram durante o processo eleitoral brasileiro de 2022” apresenta análises sobre as mensagens trocadas em 219 grupos e 522 canais extremistas no telegram entre os dias 30 de setembro e 15 de novembro de 2022. Ao todo, foram coletadas mais de 5 milhões de mensagens.

O documento foi organizado a partir de quatro períodos principais: i) a votação para o primeiro turno eleitoral, englobando dois dias antes e o dia seguinte à votação (30/09/2022 a 03/10/2022); ii) a campanha para o segundo turno das eleições (04/10/2022 a 28/10/2022); iii) a votação do segundo turno, englobando os dois dias anteriores e o dia seguinte (29/10/2022 a 31/10/2022); e iv) o período pós-eleitoral, marcado por manifestações antidemocráticas de contestação do resultado e de pedidos de ruptura institucional (01/11/2022 a 15/11/2022) 

Em todos os períodos analisados, o relatório descreve a dinâmica dos grupos e interpreta informações como a quantidade de mensagens enviadas, o fluxo de compartilhamentos e o teor das narrativas expressas por meio de textos e imagens.  No primeiro turno, a disseminação de notícias falsas acerca das urnas eletrônicas e a legitimidade do processo eleitoral foram destaque entre os resultados encontrados. Já na fase de campanha para o segundo turno, a pesquisa demonstrou que houve aumento significativo no envio de mensagens. O ponto mais alto registrado se deu no dia em que os extremistas expressaram descontentamento com uma decisão judicial que consideravam autoritária. Neste contexto, foram elencados alguns dos principais assuntos que endossaram o discurso extremista no período pré eleição. 

Na etapa de votação do segundo turno, foram compartilhadas 1.279.776 mensagens. O período bateu todos os recordes anteriores de quantidade de postagens nos grupos monitorados. Observou-se que, apesar de os grupos mais assíduos manterem o protagonismo, houve uma reemergência de outros canais que já não apareciam entre os mais ativos. Além disso, novos grupos surgiram para a organização de manifestações antidemocráticas, motivadas por fake news como fraude nas urnas eletrônicas e intervenção militar. Nos quinze dias que sucederam o período eleitoral, foram publicadas 1.960.695 mensagens nos grupos observados. A partir do dia 03 de novembro, o fluxo de mensagens cai drasticamente, retornando para abaixo de 100 mil mensagens diárias. Isso se deve, sobretudo, à decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que o Telegram excluísse os novos grupos que foram criados para a organização das manifestações e que tiveram uma enorme atividade, bem como dos grupos que já apresentavam intensa atividade golpista durante o período eleitoral. 

O relatório se debruça, ainda, sobre iniciativas regulatórias e de políticas públicas do Estado brasileiro quanto ao Telegram e as políticas privadas de moderação de conteúdo adotadas pela empresa durante este período. O documento apresenta o histórico de interações entre o Telegram e o poder público brasileiro para contextualização e avaliação de como ocorreu sua atuação em termos de políticas durante o período eleitoral brasileiro de 2022. De forma cronológica, é possível identificar as tensões ocorridas entre a plataforma e o TSE, bem como outros órgãos de controle. Entre descumprimentos e bloqueios, demonstrou-se o empenho de agentes públicos no combate ao ecossistema de desinformação. 

Diante desse contexto de preocupação com o impacto de estratégias desinformativas e de propaganda no curso do pleito, o TSE aprovou uma resolução que estabeleceu algumas regras e diretrizes para a remoção de conteúdos e contas que propagassem “desinformação atentatória à integridade do processo eleitoral”, estabelecendo prazos para que as plataformas fizessem remoção após uma ordem do tribunal e prevendo hipóteses para suspensão temporária de contas que publicassem sistematicamente conteúdos que contivessem desinformação e o bloqueio temporário de plataformas no caso de descumprimento reiterado de decisões.

Foi possível perceber que, por mais que algumas plataformas tenham desenvolvido políticas para a contenção de conteúdos irregulares, as iniciativas ainda são muito tímidas diante da complexidade do problema. Uma leitura sobre regras atuais do Telegram para conteúdos e comportamentos na plataforma revela a adoção de políticas muito breves e genéricas. Essa ausência de políticas mais específicas e atentas aos distintos tipos de conteúdos e comportamentos de risco ou inautênticos que podem acontecer na plataforma, coloca em dúvida a capacidade do Telegram de moderar conteúdos. O relatório conclui que é de suma importância que plataformas tenham compromissos públicos e políticas e diretrizes de moderação de conteúdo claras que garantam proteção à liberdade de expressão e se pautem pela construção de ambientes digitais promotores de direitos fundamentais e princípios democráticos. Para isso, é importante que essas políticas sejam bem desenvolvidas e atentas às diferentes situações que ocorrem nesses espaços e aos distintos contextos nos quais essas plataformas atuam, além de serem atualizadas estrategicamente a depender dos cenários de riscos aos preceitos democráticos e aos direitos humanos. 

O terceiro relatório completo está disponível em português.

Diante da peculiaridade dos eventos recentes, que culminaram em graves agressões às instituições democráticas brasileiras, o lançamento do terceiro relatório da pesquisa vem acompanhado, ainda, de um documento extra, um relatório especial emergencial, produzido a partir do exame de parte das comunicações veiculadas  pelos organizadores, participantes e apoiadores das manifestações contestadoras do resultado eleitorais em 08 de janeiro de 2023. Irrigado por esse ambiente de constantes ataques à democracia, o movimento golpista se materializou e teve o seu ápice no dia 08 de janeiro de 2023. É neste cenário que a equipe do projeto Democracia Digital decidiu analisar as interações antidemocráticas articuladas no Telegram. Entre 1º e 8 de Janeiro de 2023, foram coletadas e analisadas 592.644 publicações, sendo 310.724 mensagens de texto,  92.231 mensagens com imagens, e 189.689 mensagens com áudios ou vídeos.  O relatório examina os seguintes dados: (i) distribuição diária do total de mensagens coletadas; (ii) mensagens mais compartilhadas entre 1º e 8 de Janeiro de 2023; (iii) imagens mais compartilhadas entre 1 e 7 de Janeiro de 2023 e (iv) imagens mais compartilhadas no dia 8 de Janeiro de 2023 e analisa outras estratégias de comunicação e organização que expressam a tamanha relevância da plataforma na consumação dos atos. 

O relatório emergencial completo está disponível em português.

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O trabalho é resultado do desdobramento do projeto Ecossistema de desinformação e propaganda computacional no aplicativo Telegram conduzido por pesquisadores da UFBA e da UFSC e apoiado pelo InternetLab em 2021 no âmbito do edital de seleção de pesquisas sobre o uso de técnicas de manipulação em redes sociais. Considerando uma estrutura interdisciplinar de mapeamento, monitoramento e análise multi-método (quantitativa e qualitativa) de grupos e canais abertos de cunho político no Telegram, os pesquisadores coletaram conteúdos de áudio, vídeo e imagens compartilhados no aplicativo– buscando compreender as narrativas, valores, gramáticas e lógicas de ação de grupos extremistas no Brasil.

Em agosto, o primeiro relatório dessa pesquisa abordava os efeitos provocados nos grupos e canais do Telegram pela possibilidade de bloqueio da plataforma, por decisão do Supremo Tribunal Federal em março deste ano, quando o ministro Alexandre de Moraes havia determinado a Apple e o Google retirassem o Telegram de suas lojas de aplicativos e que provedoras de serviço de internet interessem obstáculos tecnológicos para inviabilizar a sua utilização, por descumprimento de decisões judiciais e desrespeito a legislação brasileira.

Já no segundo relatório, o enfoque se deu no período entre 1º de agosto e 15 de setembro de 2022. Foram apresentadas apurações referentes ao comportamento dos usuários, às temáticas mais discutidas e, especialmente, aos discursos relacionados às manifestações do dia 07 de setembro de 2022, em que estiveram presentes conteúdos incitando a descredibilização do processo eleitoral e ruptura com as instituições democráticas do Brasil.

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