Veja como foi a 7ª edição do Congresso Direitos Fundamentais e Processo Penal na Era Digital

O evento teve como tema "Democracia e capacidades de investigação" e reuniu advogados(as) e profissionais da área, estudantes, professores(as) e pesquisadores(as)s. Confira como foi cada dia e o lançamento da sexta edição do livro com os anais da edição anterior.

Notícias Privacidade e Vigilância 29.09.2023 por Vitor Santos Vilanova e Bárbara Simão

O InternetLab realizou, entre os dias 29 e 31 de agosto de 2023, o VII Congresso Internacional Direitos Fundamentais e Processo Penal na Era Digital, com apoio da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Este ano, o tema do Congresso foi “Democracia e capacidades de investigação”, abordando a garantia do efetivo processo e a tutela dos direitos constitucionais à privacidade e ao sigilo das comunicações em face das novas tecnologias. Foram duas palestras de abertura, cinco mesas e uma roda de conversa com representantes de diferentes setores. Confira o resumo de cada dia: 

DIA 1 – 29/08/2023

Responsáveis pela abertura do congresso, Heloisa Massaro, diretora do InternetLab, Marta Saad, professora da FDUSP e Bárbara Simão, coordenadora da área de Privacidade e Vigilância do Internetlab, abordaram a transdisciplinaridade e a importância do tema num contexto em que a tecnologia cada vez mais passa a cumprir um papel central na vida das pessoas no Brasil e no mundo. 

Foi lançado, ainda, o sexto volume do livro “Direitos Fundamentais e Processo Penal na era digital”, que reúne os anais da sexta edição do Congresso, ocorrido  em agosto

de 2022. Essa edição e as demais podem ser encontradas no site em E-pub, MOBI e PDF.

Keynote Speakers – Azadeh Akbari e Andrew Ferguson

Após a abertura, a professora Azadeh Akbari, da Universidade de Twente, nos Países Baixos, abordou o tema “Vigilância e democracia no Sul Global”, analisando como as tecnologias de vigilância podem ser utilizadas por governos autoritários como armas de opressão. De acordo com a professora, o“governo iraniano está usando reconhecimento facial para lutar contra movimentos de expressão feminina”. 

Ela também destacou o avanço das tecnologias no século XXI, analisando os riscos envolvidos no desenvolvimento de cidades inteligentes: “Alguns acadêmicos indicam que as cidades inteligentes são em si uma forma de vigilância” e “regimes autoritários sonham com a chegada das cidades inteligentes”.

O segundo keynote speaker da noite, o professor Andrew Ferguson, da Universidade de Washington, abordou o tema do “Uso de big data na investigação criminal”, analisando os potenciais e riscos envolvidos no emprego deste tipo de dado por autoridades policiais. 

O pesquisador explicou como essas informações são vistas como modelos de negócio e trouxe provocações sobre o armazenamento de dados na atualidade. “De acordo com Ferguson: “as empresas privadas que armazenam nossos dados já criaram até mesmo modelos de vendas dos dados para as autoridades” e “nós precisamos começar a pensar que estamos criando as sementes do autoritarismo”.

DIA 2 – 30/08/2023

O segundo dia do Congresso teve início com o painel “Sistemas de spyware e o tratamento de dados por órgãos de defesa nacional”.

Ulisses Pascolati Junior, Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, comentou sobre o método de hackeamento estatal no combate ao crime organizado e destacou a necessidade de que se estabeleçam parâmetros para a utilização desse meio de investigação com controle judicial. Raissa Belintani, Coordenadora do Programa de Fortalecimento do Espaço Democrático na Conectas Direitos Humanos, elencou irregularidades no uso de sistemas de spyware, reforçando a importância de se jogar luz nesses sistemas e debatê-los como sociedade. Por fim, Yuri Luz, Procurador da República no Ministério Público Federal, ponderou que a falta de previsão legal pode ser algo inevitável em se tratando de novas tecnologias, mas que não se deve aceitar a utilização em qualquer contexto. “A Constituição não fala de meios tecnológicos possíveis, mas de esferas de inviolabilidade. Devemos olhar por esse prisma”, afirmou. 

Em seguida, a partir das 11h, falamos sobre “A ‘varredura pelo lado do cliente’ na investigação de seus impactos sobre a criptografia de ponta a ponta”.

Udbhav Tiwari, Head of Global Product Policy da Mozilla, esclareceu os perigos relacionados ao client-side scanning, em especial quanto ao acesso do governo a conteúdo antes mesmo que ele seja enviado ao destinatário. “Caso um material ‘questionável’ seja encontrado, o software pode impedir que a mensagem seja enviada e/ou notificar um terceiro sobre a tentativa, inclusive sem que o usuário saiba”, explicou.  Carlos Liguori, advogado, levantou o histórico do debate sobre criptografia desde a década de 1990 e afirmou a necessidade de adequar o processo legal ao século XXI. Luiza Dutra, pesquisadora do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), questionou a funcionalidade e eficácia do método, considerando a possibilidade de que ele afete determinadas populações de forma discriminatória. Encerrando o painel, Valdemar Latance Neto, Delegado da Polícia Federal, apontou que “as ferramentas disponíveis à polícia diminuíram muito para fazer investigações mais graves, e uma das técnicas foi migrar para a apreensão do aparelho”, reforçando a necessidade de investigações para combate a crimes de exploração sexual infantil.

Câmeras corporais na segurança pública: possibilidades, limites e impactos sobre a conduta policial” foi o tema do terceiro painel.

Leandro Piquet, Professor no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), explicou que o problema da letalidade policial é antigo e as câmeras corporais são mais um passo no controle desse problema, destacando que “o registro de porte de drogas e de violência doméstica aumentaram significativamente com as câmeras”. Juliana Vieira dos Santos, Assessora da Secretaria de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, destacou os resultados da utilização das câmeras, como a redução de letalidade entre jovens negros. Finalizou apontando que “é muito difícil pensar em outra política pública que tenha tido impactos tão relevantes quanto a utilização de câmeras corporais. Por outro lado, se mal usadas, as câmeras podem significar uma perda de investimento público”. Fabio Ramazzini Bechara, Promotor de Justiça pelo Estado de São Paulo, destacou a necessidade de atenção sobre o ciclo de vida de utilização dos dados pessoais. “As questões estão muito centradas em usar e não usar e muito menos nesse contexto de dados que estão sendo gerados e a governança que se pretende fazer”, apontou. 

Na última mesa do dia,  falamos sobre “O uso de inteligência artificial em investigações criminais: do monitoramento por câmeras ao policiamento preditivo“. 

Nos reunimos com Jacqueline Abreu, advogada, que abordou a necessidade de melhor elaboração do conceito de suspeita no policiamento preditivo. “Quando falamos em policiamento preditivo, temos que pensar o que ele identifica como anormal nesse contexto da suspeita. O que está gerando o alerta de que seria suspeito para aquele sistema? Muitos desses alertas são baseados em experiências policiais”, ressaltou. Daniel Edler, membro do Núcleo de Estudos de Violência da USP, por sua vez,  destacou o perigo dos vieses relacionados ao policiamento preditivo e questionou o argumento da falha para contestar esses sistemas, defendendo a necessidade de entendimento sobre seus efeitos. Para fechar o dia, Fernanda Rodrigues, Coordenadora de Pesquisa do IRIS, defendeu que “quando falamos sobre vigilância, temos que falar sobre quem vai ser afetado por essa tecnologia, principalmente pelas tecnologias ruins”, fazendo referência ao terror racial e possibilidades de utilização discriminatória.

DIA 3 – 31/08/2023

O terceiro e último dia do Congresso começou com o painel intitulado “Vigilância privada em espaços públicos: pontos cegos no uso de totens e sistemas de monitoramento particulares”. 
Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), mencionou que, a partir de 2019, houve investimento crescente no uso de tecnologias de reconhecimento facial para o uso de segurança pública. Mas apontou que “a construção de canais de diálogos privilegiados entre as empresas privadas e o setor público, através da polícia, gera hipervigilância e dificulta a construção de relações mais justas”. Francisco Cangerana, professor na Academia de Polícia Militar do Barro Branco, reforçou o direito à privacidade nas cidades, bem como a  necessidade de que a obtenção de vídeos e fotos passe pelo crivo da legalidade. Bárbara Simão, coordenadora da área de Privacidade e Vigilância do InternetLab, encerrou o painel com um panorama das perspectivas jurídicas em relação ao tema. “Se estamos falando de segurança privada, as exceções dadas à segurança pública pela LGPD, no art. 4º, não se aplicam a essas empresas”, afirmou. 

O encerramento do Congresso em 2023 ocorreu com mesa redonda que discutiu “O tratamento dado às provas digitais na proposta de reforma do Código de Processo Penal: o que esperar do legislativo hoje?”. 

O debate contou com a participação de Cleunice Pitombo, Professora e Conselheira do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), que destacou a necessidade de se olhar a reforma do CPP com base nas garantias fundamentais, argumentando que “não se pode tratar mais um CPP analógico e um digital. Processo penal é um só. É preciso unificar”. Marina Coelho, Advogada e Conselheira do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), argumentou que “o problema que nós temos no CPP não é digital. O problema que a gente tem é muito mais amplo. A gente tem um projeto que não está atualizado com a situação real da produção de provas, de como a gente quer o processo penal”. Anamara Osório, Procuradora Geral da República no Ministério Público Federal (MPF), buscou trazer uma visão internacional sobre o assunto, fazendo referência ao processo de adesão à Convenção de Budapeste e suas especificidades. Encerrando a mesa, Gustavo Badaró, Professor Titular de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da USP, alertou que “existem investigados que são culpados e existem investigados que são honestos. A proteção dos dados pessoais não se restringe apenas a criminosos”, e defendeu a necessidade de disciplina específica para a prova digital no processo penal em todas as fases, e não apenas na investigação. 

As informações do Congresso, bem como a íntegra de todos os livros podem ser encontrados no site oficial do evento.

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