Um balanço da propaganda eleitoral paga na internet em 2018
A possibilidade de impulsionar uma propaganda eleitoral nas redes sociais durante o período eleitoral em 2018 foi uma das grandes novidades no conjunto de normas admitidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no Brasil. A prática foi a única modalidade de propaganda eleitoral paga na internet permitida no processo.
Como apontamos em ocasião anterior, a definição de “impulsionamento de conteúdo” na legislação e nas resoluções do TSE é pouco precisa, o que gera consequências diversas, dentre elas, confusões por parte das campanhas sobre como ou o quê deve se declarar nas prestações de contas ao TSE. Ainda assim, pode-se entender por impulsionamento a compra de publicações patrocinadas no Facebook ou o pagamento ao Google por melhores ranqueamentos de páginas nos resultados de busca da plataforma. (O Twitter optou por não oferecer produtos para propaganda paga no Brasil).
Neste ano, o TSE se mobiliza para avaliar os usos da medida e aprimorar as resoluções que ditarão as regras do processo eleitoral em 2020 na corrida pelas prefeituras. E quais teriam sido esses “usos”?
O InternetLab conduziu antes, durante e depois do período eleitoral em 2018 o projeto “Você na Mira” (uma parceria com o WhoTargets.Me). Por meio de um plug-in, pesquisadores da área de Informação e Política monitoraram critérios de direcionamento de publicações visando dar transparência às propagandas políticas impulsionadas por candidatos e clareza às suas estratégias de campanha nas redes. A pesquisa coletou dados e analisou casos de campanhas que direcionavam suas publicações com base em geolocalização, idade, gênero, interesses como temas e páginas de grande alcance nacional, etc. Os dados qualitativos resultados desse trabalho estão disponíveis nesta apresentação, em pdf.
A pesquisa resultou na produção dos relatórios “O impulsionamento de conteúdo de pré-candidaturas na pré-campanha de 2018”, “Um raio-X do marketing digital dos presidenciáveis” e “A campanha política nas redes: um retrato do impulsionamento de conteúdo das candidaturas eleitas à Câmara dos Deputados”.
Na sequência, foram analisados também dados da base do TSE sobre as candidaturas, o número de votos recebidos e as prestações de contas finais apresentadas pelos candidatos/as. Assim, foi possível se chegar à informação de quantos postulantes declararam terem aplicado recursos de campanha em impulsionamento de conteúdo, além de como e quanto cada um empregou nesse processo. O resultado, com dados ainda preliminares, foi o relatório “O custo da propaganda eleitoral paga na internet em 2018”.
Os dados consolidados deste trabalho sobre as eleições de 2018 estão apresentados abaixo em gráficos – os dados coletados e estruturados para realização desta pesquisa estão também no github, neste link. Confira:
Em 2018, 25.581 candidatos foram considerados aptos a disputar cargos nas eleições no Brasil. Desses, 21,5% declarou gastos com impulsionamento de conteúdo na campanha. Em valores, essa proporção cai consideravelmente. Do total de R$ 3,10 bilhões gastos em campanhas no período eleitoral, apenas R$ 77,2 milhões (2,5%) foram declarados como sendo impulsionamento.
Em relação ao total gasto nas campanhas em cada uma das corridas eleitorais, os candidatos à presidência foram os que mais gastaram proporcionalmente com impulsionamento, seguidos de senadores, governadores, deputados estaduais e, por fim, federais.
Mulheres representaram 21,72% do total de candidaturas aptas em 2018. Em valores aplicados, foram 15,7% (R$ 12,1 milhões) do total. Pelo recorte cor/raça, constatou-se que homens brancos representam 56,8% do número de candidatos/as que impulsionaram, homens pardos 17,2%; e mulheres brancas, 15,8%.
No ranking de tipos de gastos gerais das campanhas, impulsionamento de conteúdo foi o 10º maior. O item perdeu, por exemplo, para gastos com publicidade por meio de material impresso, locação de veículos e combustível; mas ficou à frente de categorias como pesquisas ou testes eleitorais, publicidade por jornais e revistas, ou ainda produção de jingles, vinhetas, slogans e sites.
Notamos ainda que dentro da categoria “Outros” constam os mais diversos itens (todos com percentual abaixo de 0,75%), tais como alimentação, eventos, publicidade por carros de som, comícios, passagens aéreas, água, impostos, energia elétrica, telefone e multas.
O quadro com a distribuição de gastos com impulsionamento de conteúdo entre os partidos dá possíveis indicações sobre as diferentes estratégias adotadas pelas legendas. O ranking é liderado pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), que declarou gastos da ordem de R$ 10 milhões impulsionando publicações políticas. Os tucanos são seguidos por Movimento Democrático Brasileiro (MDB – R$ 9,15 milhões), Partidos dos Trabalhadores (PT – R$ 6,43 milhões), Partido Socialista Brasileiro (PSB – R$ 5,35 milhões) e Novo (R$ 5,22 milhões).
Interessante observar que o Partido Social Liberal (PSL), partido do atual presidente eleito, gastou R$ 2,42 milhões (menos de ¼ do montante declarado pelo PSDB) para gerar alcance em suas publicações na internet, colocando a legenda na 11ª posição no ranking. Ainda assim, o PSL teve 2 senadores e 52 deputados eleitos – formando neste caso a segunda maior bancada da Câmara –, além do próprio Jair Bolsonaro, eleito presidente sem ter declarado qualquer gasto com impulsionamento.
Abaixo, o gráfico avança na análise dos partidos e se divide em duas colunas: à esquerda, os candidatos que declararam algum recurso de campanha com impulsionamento; à direita, os que não gastaram. Cada coluna ainda se subdivide entre aqueles que, dentro de cada legenda, foram eleitos (azul) ou não (laranja).
De acordo com os dados, partidos distintos como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Social Liberal (PSL) contaram com “taxas de sucesso” praticamente idênticas. PT e PSL tiveram ambos 30% dos candidatos que impulsionaram conteúdo eleitos. Já entre os que não impulsionaram conteúdo, os eleitos representam fatias menores, de 4% e 5%, respectivamente.
Há diversos outros fatores, inclusive dentro das estratégias em redes sociais [1] [2], que devem ser considerados nessa análise. Em “A campanha digital e o impulsionamento de conteúdo pelas candidaturas à Câmara dos Deputados”, o terceiro relatório do projeto “Você na Mira”, lê-se:
“De forma análoga à importância do ‘capital político’ para o resultado de uma candidatura eleitoral, o alcance de conteúdos nas redes sociais não depende apenas do quanto foi investido em termos financeiros com impulsionamento, mas também no ‘capital social’ já acumulado pelas/os candidata/os e partidos. Nesse sentido, olhamos para o número de seguidores no Facebook e como esses números se relacionam com os gastos de campanha com impulsionamento de conteúdo.”
O gráfico abaixo explora essa relação na corrida para a Câmara dos Deputados:
“De modo geral, partidos mais tradicionais e incumbentes na política, tais como PT, PP, MDB, PSDB, DEM, tiveram maiores gastos de campanha e direcionaram mais recursos para impulsionamento. Esse padrão pode ser explicado pelo fato de tais legendas terem acesso a parcelas maiores do fundo partidário o que, após a proibição do financiamento empresarial de campanhas, ganhou ainda mais relevância nessas eleições. Em contraste, partidos emergentes que adotaram um discurso de renovação, como é o caso do NOVO, do PSOL, e do PSL, gastaram menos tanto no total das campanhas, como também com impulsionamento de conteúdo (abaixo da linha), mas também tinham acesso a porções menores do fundo eleitoral.”
(A campanha digital e o impulsionamento de conteúdo pelas candidaturas à Câmara dos Deputados)
A conclusão do relatório segue válida: os partidos que receberam mais votos para seus deputados federais foram, também, os que ou declararam mais gastos com impulsionamento, ou possuem um número maior de seguidores no Facebook. “Ou seja, aqueles que organicamente ou por meio de propaganda paga tinham maior presença nas redes sociais”, dizem os autores.
No agregado, o quadro a que chegamos é o seguinte: entre os candidatos que impulsionaram conteúdo, 19,7% foram eleitos, contra 2,83% que alcançaram a eleição mesmo sem impulsionar publicações nas redes sociais.
Comparando a taxa de sucesso entre candidatos que impulsionaram e foram ou não eleitos, nota-se que entre os que impulsionaram e foram eleitos a mediana (ou a média) dos gastos foi, em todas as corridas, maior do que a daqueles que impulsionaram e não foram eleitos. Em outras palavras, dentre os candidatos que impulsionaram conteúdo, quem se elegeu investiu mais do que aqueles que não foram eleitos.
A exceção foi a corrida presidencial, da qual saiu eleito um candidato que não declarou gastos com impulsionamento, enquanto seus rivais (dos 13 candidatos, nove impulsionaram) tiveram um gasto mediano de R$ 469 mil com a prática.
No recorte por unidades da federação, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e o Paraná lideram o ranking de porcentagem de candidatos eleitos que impulsionaram conteúdo com 81,4%, 80% e 78,2%, respectivamente. Na base, com os menos porcentuais, estão Acre (31,4%), Amapá (34,3%) e Sergipe (42,9%).
No gráfico abaixo, a relação das porcentagens de gastos com impulsionamento (em relação ao total gasto na campanha) e de candidatos eleitos que declararam tereme feito impulsionamento, por UF. O tamanho do ponto indica o valor usado em impulsionamento, em milhões.
No extremo inferior, estão estados da região Norte e Nordeste, tais como Acre (cujos candidatos gastaram 0,5% da verba de campanha em impulsionamento), Alagoas (0,7%), Roraima (0,7%), Tocantins (0,9%) e Bahia (1,1%; este, o quarto estado em número de candidatos eleitos).
No topo, além de estados com maior número de candidatos e recursos aplicados em impulsionamento — como São Paulo e Rio de Janeiro –, interessante notar a disposição de Santa Catarina, Paraná e Distrito Federal, UFs que proporcionalmente aplicaram mais verba em impulsionamento (entre 3,4% e 3,7%) e lograram uma proporção maior também de eleitos (de 68,5% a 81,3%).
De modo geral, as UFs que gastaram acima da mediana nacional com impulsionamento de conteúdo tiveram entre 60% e 81% dos candidatos que investiram em impulsionamento eleitos. Já as UFs que gastaram abaixo da mediana nacional, tiveram entre 31% e 72% dos candidatos que impulsionaram eleitos.
O gráfico acima apresenta as porcentagens de gastos declarados por fornecedor de serviço, por UF. Do total declarado com impulsionamento (R$ 77,2 milhões), 80,2% teve como destino o Facebook (nessa conta, entram intermediárias de pagamento como PayU e Adyen), e 8,1%, o Google.
Sobre a predominância do Facebook, o último relatório do “Você na Mira” aponta para uma possível explicação:
“Considerando que a Lei das Eleições ao se referir a impulsionamento de conteúdo criou um espaço de discussão acerca daquilo que seria incluído ou não nessa definição, sem um consenso geral sobre o que é e o que não é impulsionamento, uma das razões pela preferência primordial pelo Facebook pode ter se dado pela própria segurança conceitual. Não há grandes dúvidas acerca da admissão pela legislação de publicações patrocinadas na plataforma como modalidade permitida de propaganda paga na internet, inclusive sendo o próprio termo “impulsionamento” relacionado diretamente com a ferramenta disponibilizada pelo Facebook. Isso parece ter contribuído para a preferência pela plataforma.”
O restante se dividiu entre serviços de pagamento online (PayPal, PagSeguro, etc) e empresas de marketing (sem especificação de qual plataforma digital recebeu o recurso na ponta, o que não permite a verificação do enquadramento legal da técnica de marketing digital utilizada nesses casos). Além disso, há ainda serviços de consultoria, gestão de redes sociais, designers, serviços de disparo de mensagens de texto, etc, todos eles incluídos na categoria “Outros”.
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Os dados agora consolidados do projeto “Você na Mira” reforçam entendimentos antecipados nos trabalhos anteriores. O mais imediato deles é de que os gastos declarados com impulsionamento nas eleições de 2018 representaram uma quantia diminuta quando comparados a outros gastos de campanha ou a investimentos gerais em marketing digital.
Como escreveram Beatriz Kira, Heloisa Massaro e Francisco Brito Cruz no relatório sobre deputados federais, “os dados apontam que a ferramenta de impulsionamento de conteúdo do Facebook não parece ter tido um protagonismo específico nas candidaturas eleitas à Câmara dos Deputados em 2018, não sendo possível estabelecer relações diretas entre seu uso e o sucesso de tais candidaturas”.
Quanto à participação dos partidos, os pesquisadores envolvidos no projeto constatam que i) o uso da ferramenta de impulsionamento não parece ter sido um elemento expressivo na ascensão do PSL e na eleição do presidente Jair Bolsonaro (o qual não declarou gastos com propaganda paga nas redes), e que ii) partidos emergentes, como o Partido Novo ou o próprio PSL não foram os que mais gastaram com impulsionamento, mas sim os mais incumbentes, como PT e PP. “O que pode estar relacionado com o fato de esses partidos terem tido maior acesso aos fundos partidários e, portanto, maiores orçamentos de campanha”, afirmam os autores.
Sobre o item “i”, conclui-se ainda que, diante dos dados apresentados, a “ascensão do PSL, assim como o sucesso da campanha de Jair Bolsonaro, parece ter envolvido uma conjunção de fatores, com uma propaganda em rede, distribuída e capilaridade, que englobou tanto esforços contratados como engajamento orgânico e voluntário, a partir de um discurso que encontrou apoio na conjuntura político-eleitoral do país”.
Já do relatório “O custo da propaganda eleitoral paga na internet em 2018”, apreende-se que o fato de a ferramenta de impulsionamento não ter sido amplamente utilizada nesta eleição não implica em uma menor atenção a ser dada aos usos das plataformas digitais pelo candidatos.
“Em primeiro lugar, a dinâmica estabelecida pelas redes sociais nas eleições 2018 também possibilitou a interação direta entre eleitores e candidatas/os e contou um forte componente de engajamento espontâneo e orgânico do eleitorado, revelando que o papel das mídias digitais nos processos eleitorais transcende a propaganda paga e a comunicação controlada diretamente pelas campanhas. Em segundo, a propaganda também pode ser paga, mas não chegar ao caixa das empresas de internet. É o caso de gastos que podem não ter sido declarados à Justiça Eleitoral ou maquiados em rubricas genéricas, como a “prestação de serviços de terceiros”, como a contratação de robôs, fazendas de likes ou “publiposts” de influenciadores digitais”.
Dessa forma, conclui-se que a relevância política nas redes sociais não se forma a partir do gasto com anúncios, mas de uma interação do espontâneo com o marketing contratado e trabalho profissionalizado, compondo estruturas de propaganda em rede [1]. “Articulados de maneiras diversas, da simples sinergia à coordenação, esses diversos componentes são ‘nós’ que funcionam de maneira descentralizada e capilarizada, o que possibilita às propagandas eleitorais terem alcance e divulgação significativos mesmo com investimento monetário baixo em anúncios (ou ‘impulsionamentos’)”.
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Equipe responsável pelo conteúdo: Alessandra Gomes, Francisco Brito Cruz e Murilo Roncolato.
Equipe do projeto: Alessandra Gomes, Beatriz Kira, Ester Borges, Francisco Brito Cruz, Heloisa Massaro, Sam Jeffers e Louis Knight-Webb.
Equipe institucional: Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Valente.