Trabalhadoras domésticas em SP acessam internet pelo celular e preferem não procurar trabalho pela rede

Notícias Desigualdades e Identidades 03.07.2018 por Natália Neris e Mariana Valente

Lançamos na terça-feira da semana passada, dia 26 de junho, a pesquisa “Domésticas Conectadas: acessos e usos de internet por trabalhadoras domésticas em São Paulo”. O relatório completo, que é visual, pode ser acessado aqui.

Acesso pelo celular, e planos de internet móvel

A pesquisa revelou dados importantes sobre a forma de acesso à Internet pelas trabalhadoras domésticas da grande São Paulo. Em primeiro lugar, há uma grande prevalência do acesso por meio de celulares pré-pagos (98% das usuárias de Internet acessam pelo celular), e majoritariamente com planos pré-pagos (64% delas). 40% dessas mulheres acessam a Internet há entre 5 e 10 anos, o que coincide com a popularização dos smartphones.

1a oficina com trabalhadoras domésticas, realizada no InternetLab em set/2017. Foto: Mariana Valente.

Elas conhecem muito bem os planos existentes no mercado, e usam os dados com controle, priorizando o wi-fi quando disponível.

Uso nas casas dos patrões, e diferenças na qualidade da internet

A pesquisa indicou também que metade das trabalhadoras domésticas não têm a senha do wi-fi nas casas onde trabalham, seja por proibição ou por autocensura: muitas afirmaram que usar a internet durante o trabalho atrapalha, e que elas preferem acabar o trabalho logo e sair mais cedo; outras, que preferem não usar porque, afirmam, assim evitam desconfianças.

Além disso, a internet na casa dos patrões, normalmente situadas nas regiões centrais da cidade, é apontada pelas trabalhadoras como melhor que a de suas casas, normalmente situadas nas regiões periféricas.

Elevadas preocupações com privacidade e segurança

Um outro ponto interessante da pesquisa diz respeito às noções de privacidade e preocupações com segurança. Ao contrário do que propaga o senso comum (sobre brasileiros em geral), essas trabalhadoras conhecem bem as configurações de privacidade das plataformas que usam, e preocupam-se com não expor sua vida a desconhecidos. A preocupação com privacidade não parece dizer respeito a dados, mas à vida, em um contexto de insegurança física e patrimonial.

Além disso, a internet não vem sendo usada como uma forma de encontrar trabalho, porque elas têm receios de segurança em relação aos empregadores. Nos grupos de conversa que realizamos, foram relatados casos de mulheres que não foram pagas após o serviço, ou que foram assediadas, quando trabalharam em casas de pessoas que não foram indicadas por redes de confiança.

 

Internet não é a melhor forma de se informar

O senso comum também ficou prejudicado no que diz respeito à busca por notícias: 50% discorda que se informa melhor por notícias que encontra na internet do que na TV, jornais ou revistas que pela internet.

As atividades de lazer, e o impacto do cuidado com os filhos

É surpreendente, também, que o uso da internet para lazer por essas mulheres é baixo (24%), mas que é ainda mais baixo quando elas têm filhos (12%). Nossa pesquisa de perfil indica que 89% têm filhos, e muitas delas são mães solo; tomar conta dos filhos em uma estrutura que sobrecarrega a mulher leva claramente a uma diminuição do tempo livre para si.

 

Atividade na 1a oficina com trabalhadoras, realizada no InternetLab em set/2017.

Menos busca por educação, mas mais busca por saúde

Ainda sobre os usos, identificamos que as trabalhadoras domésticas de São Paulo buscam menos informações sobre educação que a média nacional, e pouca informação sobre sua profissão também – embora afirmem que participariam de grupos para discutir a profissão, se eles existissem ou se soubessem da existência deles. Por outro lado, buscam mais informações sobre saúde (66%) que a média nacional (42%). Nos grupos de discussão, nos disseram que uma provável razão é não confiarem nos serviços médicos que lhes são providos, já que as informações vêm muitas vezes com pouca explicação.

Por que pesquisar trabalhadoras domésticas da grande São Paulo?

As trabalhadoras domésticas são um grupo populacional economicamente ativo, e, atestam outras pesquisas (e também a nossa), fortemente marcado por gênero, raça e classe social. Dados do DIEESE de 2017 mostram que mais de 94% dos trabalhadores domésticos na grande São Paulo são mulheres; na nossa pesquisa (que só olhou para mulheres), 66% são negras. O olhar para elas, portanto, revela aspectos relevantes acerca de desigualdades e suas interações com acesso e uso de internet. Os dados são úteis para se pensarem políticas que levem essas desigualdades em consideração, e para a realização de estudos de aprofundamento, ou com recortes semelhantes em outros contextos.

Metodologia

A pesquisa foi realizada pelo InternetLab em parceria com a Rede Conhecimento Social e a Consult Pesquisa de Mercado.

Na primeira etapa do trabalho, fizemos uma oficina com 27 trabalhadoras domésticas, que levantaram questões e hipóteses importantes sobre o tema. Utilizamos a metodologia PerguntAção, desenvolvida pela Rede Conhecimento Social, que consiste na construção participativa de todas as etapas do processo, colocando as vozes das empregadas domésticas no centro da construção do conhecimento, desenho e interpretação dos dados da pesquisa. A partir disso, foi elaborado um questionário (também inspirado por perguntas presentes no TIC Domicílios, desenvolvido pelo CETIC), que foi respondido por 400 trabalhadoras da Grande São Paulo. Uma nova oficina foi realizada, com o mesmo grupo, para discussão e interpretação dos resultados da etapa quantitativa.

Debate de lançamento da pesquisa no InternetLab, jun/2018. Foto: Juliana Ruiz

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Ficha técnica da pesquisa

Organizadores: Associação InternetLab de Pesquisa em Direito e Tecnologia  (www.internetlab.org.br) e  Rede Conhecimento Social (conhecimentosocial.org)

Etapa quantitativa e aplicação de questionários:  Consult pesquisa de mercado

Pesquisadoras envolvidas:

Pelo InternetLab: Mariana Valente e Natália Neris  (colaboraram: Clarice Tambelli, Juliana Ruiz e Lucas Lago)

Pela Rede Conhecimento Social: Marisa Villi e Harika Maia

Pela Consult: Inês Siloto

Projeto Gráfico: Maíra Fernandes e Tiago Kinzári

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