A Internet e o fortalecimento de novas vozes na política
Uma das mais importantes utilizações da tecnologia em períodos eleitorais vem sendo a articulação entre pessoas, candidatas ou não, para informar sobre possibilidades de voto para além dos suspeitos de sempre. Nas eleições municipais de 2014, surgiram já importantes listas de candidaturas, como a VOTE LGBT, com o objetivo contribuir para o crescimento da representatividade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no Congresso Nacional, e a VOTETRANS, elaborada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Foi o caso também da lista de candidaturas indígenas publicada pela Rádio Yandê, mídia especializada na temática, em 2016. (escrevemos sobre aqui).
Neste ano, os dados apontaram para um aumento de 400% de candidaturas LGBTI’s, e 59% de candidaturas indígenas em relação a 2014 – as últimas que criaram inclusive uma Frente Parlamentar. Foi criada também a Plataforma Nacional LGBTI+, que reuniu candidatas e candidatos da própria comunidade e aliados apoiadores do manifesto “LGBTI+ Eleições 2018” e comprometidos com a defesa dos direitos LGBTI em seus mandatos.
Neste último período eleitoral, foi muito clara a atuação engajada de mulheres no processo – como evidencia a página Mulheres Unidas Contra Bolsonaro criada no Facebook, e que foi objeto de importantes disputas e ataques, conforme relatamos. E houve também o esforço na visibilização de candidaturas femininas e feministas, por meio das iniciativas VoteNelas, Meu Voto Será Feminista, Campanha de Mulher, Encontre sua Candidata e a Campanha “Política Feminista para transformar o Poder”.
Com foco específico em mulheres negras, a Campanha “Mulheres Negras Decidem”, que fez uso principalmente da plataforma Instagram, buscou durante todo o ano produzir dados sobre participação política e incentivar candidaturas do segmento.
Iniciativas de organização e pessoais de ativistas também juntaram candidaturas negras, como foi o caso da lista elaborada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), da lista de candidaturas quilombolas, do portal Vote em Preto, que reúne informações sobre candidatos/as negros/as em seis estados brasileiros, e do grupo no Facebook 1 milhão de brancos votando em candidatos pretos, que divulgou candidaturas de homens e mulheres negros/as, convocando pessoas brancas a comprometerem-se publicamente em votar.
Em 2018, além das listas, foram desenvolvidas novamente iniciativas para conectar eleitores a candidatas e candidatos que levam em conta pautas relacionadas a identidades e também aos Direitos Humanos. A de maior visibilidade é a #MeRepresenta, um projeto que é um desdobramento da iniciativa VOTE LGBT e que hoje é constituído também pela Rede Feminista de Juristas e pelo Blogueiras Negras. Em 2016, o projeto estimulou candidatas e candidatos às Câmaras de Vereadores e Prefeituras a responder a um questionário identificando suas opiniões acerca de quatorze pautas relacionadas a Direitos Humanos. Respondendo às mesmas perguntas em uma plataforma, eleitoras e eleitores eram apresentados a listas de candidaturas com posições semelhantes. Em 2018, o portal se estruturou em nove pautas, desta vez definidas após consulta com organizações da sociedade civil : (1) gênero, (2) raça, (3) LGBT, (4) povos tradicionais e meio ambiente, (5) saúde, educação e trabalho, (6) segurança e Direitos Humanos, (7) Corrupção, (8) Drogas e (9) Migrantes.
O modelo de produção de “match” implementado pelo #MeRepresenta vem sendo utilizado por ao menos outros dez sites ou aplicativos que não têm foco específico em questões relacionadas aos direitos de minorias, como Tem Meu Voto, Sintonia Eleitoral, Jogo Eleitoral, Match Eleitoral da Folha, Calculadora de Afinidade Eleitoral, Partidômetro das Eleições para Deputado, Bússola Eleitoral, Appoie e Voz Ativa.
Embora iniciativas semelhantes ou as mesmas já estivessem presentes em 2016, houve claro crescimento e fortalecimento no processo eleitoral de 2018. Isso pode ter tido relação com um momento em que as chamadas “pautas identitárias” estiveram no centro do processo, seja em caráter propositivo, seja como modo de desqualificar candidatos (acusações de misoginia, racismo, homo/lesbo/trans/bifobia), seja com a desqualificação da pauta e crescente violência relacionada a ela (que buscamos acompanhar, e sobre a qual escreveremos). Seus efeitos nos próximos processos devem ser mensurados à luz de outros tantos fatores, inclusive mudanças na legislação eleitoral (acesso proporcional a recursos por mulheres a partir de 2018, por exemplo, além da já existente lei de cotas de 2009).
Nunca é simples afirmar causalidades, mas é bastante claro como a composição da Câmara, em termos de gênero, alterou-se expressivamente: foram 50% mais mulheres eleitas em relação ao pleito de 2014, ainda que elas ainda sejam 15% da Câmara (segundo dados da Gênero e Número). Elegeu-se também a primeira mulher indígena a Deputada Federal, Joênia Wapichama (Rede), por Roraima. Mandatos coletivos – um fenômeno crescente nessas eleições – garantiram a entrada de duas mulheres trans em Assembleias Legislativas: Robeyoncé Lima (JUNTAS/PSOL) em Pernambuco e Erika Hilton (Bancada Ativista/PSOL) em São Paulo, estado que elegeu também Erica Malunguinho (PSOL). Foi a primeira vez na história que mulheres trans foram eleitas para esses cargos.
Equipe responsável pelo conteúdo: Natália Neris e Mariana Valente