Segurança, afeto e sociabilidade entre mulheres LBT e pessoas não bináries: um estudo de caso da plataforma Ella
InternetLab, em parceria com Lux Ferreira, analisa dinâmicas, engajamento, e políticas de privacidade e moderação de conteúdo de aplicativo de relacionamento voltado à comunidade LBT.
Nos dias atuais, uma das formas predominantes de interação entre as pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ é por meio da Internet. Em razão de facilitar tanto formas de engajamento e ativismo quanto formas de acolhimento e vínculos de afeto que transcendem a distância geográfica, os espaços online permitem o estabelecimento de debates, trocas de ideias e experiências, e formas de expressão da diversidade sexual e de gênero.
Nesse contexto, a interação específica que ocorre por meio das redes sociais e dos aplicativos voltados à busca por amizades e encontros afetivo-sexuais chamam ainda mais atenção. Se redes como Facebook e Instagram permitiram reconfigurar dinâmicas de sociabilidade, transmissão de informação e engajamento, aplicativos de relacionamento levam a outros redimensionamentos e nos trazem novas questões.
Aspectos como geolocalização, possibilidade de estabelecer contato com pessoas relativamente próximas e marcar encontros com rapidez por meio desses aplicativos podem ser vistas como vantagens. Todavia, também podem levantar algumas preocupações, como o nível de segurança oferecido nesses espaços, o tratamento de dados de grupos historicamente marginalizados, a forma que desigualdades e hierarquias pré-existentes são reforçadas nestas relações online e a adaptação da arquitetura das plataformas com as particularidades da população LGBTQIAPN+.
Com base nessas preocupações, o InternetLab, em parceria com Lux Ferreira, transativista com doutorado em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo, iniciou em 2022 uma pesquisa sobre sociabilidade, a intimidade e a segurança em ambientes virtuais entre mulheres LBT e pessoas não binárias, por meio de um estudo de caso na plataformas Ella Global Community. Através da análise do website Ella Global Community, as páginas de Instagram Ella, o aplicativo Ella e das políticas de privacidade e moderação de conteúdo da plataforma, foi possível a identificação de dinâmicas e desafios, relacionados à comunidade LBT em espaços virtuais, que ainda são pouco explorados.
Resultados
Fundada em 2005 na Espanha, a plataforma Ella Global Community chegou ao Brasil em 2020. Descrito com o objetivo de criar um espaço on e offline para mulheres queer e pessoas não binárias, a fim de fortalecer os laços comunitários locais e globais, engajar o debate político e possibilitar a criação de vínculos de amizade e de relações amorosas, o projeto Ella se propunha a atender a uma série de demandas de um grupo de pessoas ainda pouco respondidas. Em meio à pandemia do coronavírus e ao isolamento social imposto de modo generalizado como forma de conter sua transmissão, interações virtuais alcançaram centralidade inédita – tornando, assim, plataformas como o Ella ainda mais atrativas e necessárias para a formação e manutenção de conexões entre pessoas LGBTQIAP+.
Apesar de, até o momento final de investigação da pesquisa – em julho de 2023 -, o projeto Ella se dividir em páginas no Instagram, um website e uma versão beta de um aplicativo – todos com versões em português voltadas ao público brasileiro, a análise demonstrou pouco ou quase nenhum engajamento pela população local com o projeto. Dentre os fatores que podem explicar a falta de apelo do aplicativo, dois grandes desafios foram identificados: (i) a ausência de adaptação da plataforma para as dinâmicas e linguagens locais e (ii) a aplicação de políticas de segurança e moderação de conteúdo que não foram pensadas considerando as especificidades da comunidade LGBTQIA+.
A imersão no aplicativo Ella Global Community nos permitiu concluir, assim, que o desenvolvimento de plataformas como essa demandam a necessidade de mais pesquisas sobre mulheres LBT e pessoas não binárias e a indispensabilidade de uma escuta mais atenta desse público e de suas reivindicações. Nesse contexto, com o apoio de outros especialistas da sociedade civil que trabalham com temas relacionados à redes sociais, proteção de dados pessoais, moderação de conteúdo e direitos das pessoas LGBTQIAPN+, elaboramos as seguintes recomendações para as empresas responsáveis pelo desenvolvimento de aplicativos de relacionamento direcionados ao público LBT:
- Adaptação da linguagem aos contextos locais, de modo que as pessoas consigam navegar na rede social, como também compreendam as regras de comunidade, de moderação de conteúdo e de políticas de privacidade.
- Maior precisão nas regras de moderação de conteúdo, através da definição clara e precisa do que é considerado discurso de ódio e de quais condutas não serão toleradas, assim como as medidas que serão tomadas caso elas se concretizem e transparência quanto ao uso de inteligência artificial.
- Anonimização da geolocalização.
Para acessar as recomendações de forma mais detalhada, acesse o relatório completo que está disponível para leitura em português.