Redes na Floresta: relatório aborda conectividade e uso de satélites da Starlink na região amazônica

Notícias 10.06.2025 por Catharina Vilela, Stephanie Lima e Vitor Santos Vilanova

O InternetLab lançou, nesta terça-feira, 10/06, o relatório “Redes na Floresta: mapeamento das políticas de conectividade na região amazônica brasileira”. O documento faz parte de uma iniciativa de pesquisa conjunta com o Instituto Nupef e conta com apoio da Ford Foundation. 

A partir da constatação das desigualdades estruturais no acesso à internet no Brasil e dos obstáculos específicos enfrentados pela região Amazônica, o relatório tem como objetivo construir um material de referência que, sem a pretensão de esgotar o tema, contribua com a atuação de pesquisadores, instituições governamentais, acadêmicas e da sociedade civil engajadas na formulação e implementação de estratégias para a universalização da conectividade. 

A partir de uma abordagem multimétodos, a pesquisa investigou políticas públicas, iniciativas privadas, regulação sobre satélites de baixa órbita – com destaque para a expansão da Starlink – e os impactos concretos dessas medidas na vida cotidiana de populações locais. Para isso, foram realizadas análises legislativas, pedidos de acesso à informação, coletas de cobertura midiática e entrevistas com representantes de comunidades, acadêmicos e gestores públicos.

A construção de uma pesquisa sempre envolve múltiplos diálogos e exercícios de interlocução. Para este projeto, o diálogo foi ainda mais importante, considerando as distâncias físicas e culturais da realidade das e dos pesquisadoras(es) responsáveis por essa investigação e a realidade do território amazônico. Assim, para fortalecer diálogos com pessoas dos territórios, as etapas da investigação foram acompanhadas por um Conselho de Pesquisa, composto por: 

Maria do Socorro Teixeira Lima, vice-presidenta do Conselho Nacional das Populações Tradicionais Extrativistas (CNS), de Tocantins;

Celso Isidoro Araújo Pacheco, coordenador nacional da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), do Maranhão; e 

Leonardo Viana Braga, doutorando em Antropologia Social pelo Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (PPGAS-USP).

Além disso, também contamos com o apoio de duas consultorias de pesquisa. A primeira, com Augusto Ventura dos Santos (doutor em Antropologia pela USP), envolveu a construção metodológica, coleta de dados, elaboração de roteiros e seleção de entrevistados. 

A segunda teve como foco uma nova etapa da pesquisa, voltada à compreensão dos desafios da conectividade a partir da perspectiva de lideranças quilombolas. Para isso, contamos com a consultoria de Cristivan Alves, comunicador comunitário e quilombola do Igarapé Arirá de Oeiras do Pará, que realizou um mapeamento de lideranças quilombolas na região norte e, em parceria com a equipe do InternetLab, conduziu entrevistas com estas lideranças. 

Conectividade desigual e exclusão digital

O relatório demonstra que o acesso à internet na região Amazônica é profundamente desigual. De acordo com TIC Domicílios 2024, apenas 11% da população da região Norte possui conectividade compreendida como significativa, enquanto 44% dos cidadãos se encontra no grupo com as piores condições de acesso. Além disso, o custo da internet na região é o mais alto do país e sua qualidade, a mais baixa.

Essas desigualdades não se resumem à infraestrutura de rede, mas envolvem fatores econômicos, geográficos, sociais e culturais. Em muitos casos, a ausência de energia elétrica precede a própria impossibilidade de conexão. Ao mesmo tempo, políticas públicas de inclusão digital ainda são insuficientes, inclusive no que se refere ao letramento digital de populações historicamente excluídas.

Impactos da digitalização dos serviços públicos

A pesquisa também alerta para os riscos da digitalização de serviços públicos sem a devida infraestrutura e inclusão digital, pois quando o acesso a benefícios previdenciários e sociais, por exemplo, passa a depender da internet, assim como processos seletivos para universidades e acesso a serviços de saúde, comunidades isoladas podem ser impedidas de exercer direitos básicos pela ausência ou limitação de conexão. 

Além disso, a internet é atualmente fundamental para acesso a atividades de lazer, comunicação, comercialização de produtos e proteção territorial como a realização de  denúncias por violações de direitos em comunidades indígenas e quilombolas.

Starlink: conectividade à margem do planejamento estatal

Outro eixo central do relatório é a análise da atuação da Starlink, empresa de Elon Musk, na região amazônica. A expansão da empresa no Brasil ocorreu de forma desarticulada e sem estudos técnicos públicos. Ainda que a Starlink tenha se tornado uma alternativa viável em regiões onde outras tecnologias não chegam, sua implementação tem se dado por iniciativas individuais e de organizações locais, à margem de políticas públicas estruturadas.

O estudo aponta que, até o início de 2025, a Starlink contava com autorização para operar mais de 7,5 mil satélites no Brasil e tem se consolidado como líder do mercado de internet via satélite. Em áreas rurais da Amazônia, esse tipo de conexão já representa 4,5% dos acessos, evidenciando sua importância crescente. Contudo, os pesquisadores e agentes da sociedade civil alertam para os riscos de dependência tecnológica e de perda de soberania digital diante da ausência de regulação robusta e transparente.

Para trazer visibilidade às dinâmicas envolvidas na chegada e na consolidação da Starlink como agente relevante nas discussões sobre conectividade na região Norte, o relatório apresenta uma linha do tempo que acompanha seu surgimento e expansão, no Brasil e no exterior, com base em notícias veiculadas na mídia nacional.

Avanços e lacunas nas políticas públicas e legislação 

A partir de um mapeamento abrangente da legislação e das políticas públicas relacionadas à conectividade e à implementação de satélites de baixa órbita, além do acompanhamento de projetos de lei em âmbito federal e estadual sobre o tema, o relatório aponta que, embora extensos, os esforços estatais carecem de coordenação e continuidade, o que compromete sua eficácia. 

Além disso, a pesquisa identificou obstáculos regulatórios impostos pela Anatel à expansão das redes comunitárias, especialmente pelo uso de critérios exclusivamente técnicos que desconsideram as realidades socioculturais dos territórios. Essas redes, muitas vezes únicas alternativas de conexão, enfrentam barreiras para sua regularização.

Recomendações

A partir dos achados, o relatório oferece uma série de recomendações para a construção de políticas públicas mais inclusivas e eficazes. Entre elas, destacam-se:

  • Necessidade de superação da infraestrutura energética como barreira anterior à conectividade;
  • Reconhecimento da exclusão digital como fenômeno multidimensional;
  • Consideração, na construção de normas, políticas e iniciativas da conectividade como direito habilitador de outros direitos fundamentais;
  • Adequação das políticas públicas às especificidades culturais, territoriais e econômicas da região Norte e Amazônia do país;
  • Enfrentamento da ausência de planejamento estatal e da opacidade de dados e informações referentes à expansão da Starlink; e
  • Fortalecimento da participação das comunidades locais no desenho e implementação das políticas de conectividade.

O conteúdo completo do relatório pode ser acessado no link.

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