Proteção à privacidade nas medidas tecnológicas e alternativas adotadas no combate à Covid-19 no Brasil
Novo relatório do InternetLab aponta riscos à privacidade na implementação de políticas públicas baseada no uso de dados pessoais para o combate à pandemia.
Embora no Brasil o debate sobre o direito à privacidade e proteção de dados tenha se expandido no último período, as soluções tecnológicas apresentadas no âmbito do combate à pandemia ocupam posição pouco expressiva na discussão sobre privacidade. Isso se deve em larga medida à controvérsia e à falta de coordenação e de controle no arcabouço de providências impostas no contexto da calamidade pública.
Essa questão é explorada e destacada no relatório “Privacy and Data Protection in the Pandemic: Report on the Use of Apps and Alternative Measures in Brazil”. O estudo resgata a gestão da pandemia entre as diversas esferas da administração pública e a constante judicialização das determinações instituídas, a efetividade das medidas tecnológicas e alternativas, além do impacto das medidas sobre grupos vulneráveis.
A pesquisa foi desenvolvida no bojo do Covid App Project, iniciativa da sociedade civil interessada em pesquisar as respostas nacionais à Covid-19 em diversos países, sobretudo relativas aos aplicativos de contact tracing (ou rastreamento de contato). O grupo de pesquisa contou com a coordenação da agência de direitos digitais AWO e é composto por seis organizações da sociedade civil: ALT Advisory (África do Sul), Internet Democracy Project (Índia), InternetLab (Brasil), Karisma (Colômbia), SMEX (Líbano) e United for Iran (Irã).
Destrinchando as análises
Os principais objetos de análise a respeito da privacidade são o aplicativo Coronavírus SUS, aplicativo brasileiro de contact tracing, e as parcerias público-privadas dos estados e municípios para monitorar o índice de isolamento. O documento expõe o modelo de funcionamento do Coronavírus SUS, baseado na notificação de usuário que esteve em contato com infectado, além de destacar os riscos à autodeterminação informativa a que estão sujeitos os usuários do aplicativo, em função das falhas de transparência da política de privacidade, as lacunas na caracterização do consentimento (livre, expresso, inequívoco e informado) na autorização para o uso de dados e imprecisões sobre propósito e compartilhamento de dados pessoais, considerando o quadro normativo da LGPD e do Marco Civil da Internet.
Por outro lado, nota-se a conformidade do aplicativo nacional aos parâmetros éticos e de privacidade adotados internacionalmente no emprego do contact tracing. No que tange à coleta de dados, foi escolhida a opção via Bluetooth, mediante a captura de dados de proximidade em oposição ao armazenamento de dados de localização por GPS, e, em relação à instalação do aplicativo, foi empregado o voluntarismo, contrapondo-se àqueles instalados obrigatoriamente, cuja coleta de dados se dá de forma compulsória.
Outra problemática se relaciona às parcerias público-privadas, como a estabelecida entre o governo do Estado de São Paulo e operadoras de serviços de telefonia, a fim de monitorar a efetividade das políticas de lockdown e isolamento social. Nesse caso, ressaltou-se a judicialização da política para discutir sua conformidade com direitos fundamentais relativos à privacidade, com o agravante da celebração do acordo antes da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados, o que evidenciou as lacunas de critérios e princípios para uso e tratamento de informações pessoais.
O relatório também alerta que as dificuldades de acesso às soluções tecnológicas ou alternativas adotadas exacerbam as desigualdades preexistentes por expor desproporcionalmente grupos historicamente vulnerabilizados, como no caso de migrantes afetados pelo fechamento de fronteiras ou os entraves no acesso ao aplicativo de auxílio emergencial, que fornece proteção social.
Sobre o Covid App Project
Durante 7 meses, mediante a condução de entrevistas com especialistas e autoridades da administração pública, bem como a análise extensiva de documentos públicos sobre o emprego de instrumentos tecnológicos, aplicativos de contact tracing foram examinados sob a perspectiva da saúde pública, direitos humanos e privacidade. Na pesquisa, adota-se a premissa de que esses aplicativos devem ser avaliados em conjunto com outras medidas – tecnológicas ou não – instituídas no combate à pandemia e que interagem com a aplicação dessa ferramenta central.
Hoje, são publicados os relatórios detalhados dos países – cada um acompanhado por um conjunto de recomendações – juntamente com uma revisão técnica especializada de sete aplicativos de rastreamento de contatos de nossos países em foco.
A equipe do InternetLab espera que a contribuição apoie a avaliação crítica de aplicativos de rastreamento de contatos e outras medidas de pandemia. E que, além disso, promova uma discussão sobre salvaguardas – incluindo recurso e supervisão – que protegerão melhor os grupos marginalizados e vulneráveis durante as crises de saúde pública, reforcem os direitos humanos, a democracia e o Estado de Direito e fortaleçam a futura resposta à pandemia.
O relatório está disponível em inglês e pode ser conferido aqui.