Em novo relatório, MonitorA 2022 analisa violência política de gênero nas eleições de 2022

Documento reúne dados sobre violência política contra candidatas(os) nas redes.

Notícias Desigualdades e Identidades 23.05.2023 por João Araújo

O relatório do MonitorA, observatório de violência política e eleitoral contra candidatas(os) nas redes, foi lançado em abril durante um evento que contou com a participação de representantes da academia, sociedade civil, imprensa e setores público e privado. O projeto é uma parceria entre o InternetLab, a Revista AzMina e o Núcleo Jornalismo. O relatório, que também está disponível no site oficial do projeto, apresenta as principais informações sobre o MonitorA, além de análise de narrativas presentes nas eleições de 2022 e reportagens baseadas nos dados obtidos por meio da pesquisa.

Nascido em 2020, durante as eleições municipais brasileiras, o MonitorA surgiu com o intuito de demonstrar concretamente como a violência política ocorria nas redes sociais. Naquele momento, o país enfrentava a pandemia de Covid-19 e a internet aumentava ainda mais a sua importância na corrida eleitoral. Na edição de 2020, identificamos que a violência política na internet se direciona de forma bastante específica a determinados grupos sociais marcados principalmente por gênero, raça, sexualidade e geração, impactando negativamente especialmente o exercício da vida política de mulheres, pessoas negras, idosos(as) e LGBTQIAP+.

Em 2022, o cenário não era exatamente o mesmo. O reconhecimento deste fenômeno social havia aumentado e tínhamos, inclusive, a tipificação da violência política como crime. O reconhecimento social e legal, entretanto, não eram garantias o suficiente de que a violência política não marcaria também as eleições. Diante disso, o objetivo do monitoramento mudou: na sua segunda edição, o MonitorA não precisava demonstrar que o problema da violência política de gênero existia, mas era necessário observá-lo e complexificar o que tínhamos a dizer sobre ele. 

Buscamos, então, responder às seguintes questões: 

  1. Como defender a possibilidade de que políticas e políticos continuem sendo cobrados sem, com isso, achar legítimo que candidatas(os) sofram assédios, violências de cunho psicológico e misógino, ou de outros tipos?
  2. Toda linguagem hostil direcionada às candidatas e candidatos é violência política? Ou às vezes podemos estar diante de uma ofensa que é moral, podendo ser considerada um ataque, mas não se tratando de violência política necessariamente?
  3. Todos os comentários hostis e potencialmente danosos devem ser removidos das plataformas?
  4. Como diferenciar um ataque de um insulto, ainda que o insulto possa ser repetido massivamente podendo, além de soar desrespeitoso, trazer consigo também a possibilidade de dano?
  5. Como garantir que eleitores e eleitoras possam demonstrar descontentamento em relação às candidaturas e, ao mesmo tempo, garantir a segurança e integridade das(os) candidatas(os) e do processo democrático?
  6. Os termos de uso das plataformas têm sido o suficiente para conter esse tipo de situação contra candidatas e candidatos? As figuras políticas devem ser tratadas como quaisquer figuras públicas?

A partir dessa questão, organizamos: i) a análise dos dados coletados entre os meses de setembro e novembro de 2022; ii) análises sobre a aplicabilidade e efetividade da Lei de Violência Política de Gênero durante as eleições realizadas pelo Núcleo de Inteligência Eleitoral, sob coordenação da advogada Samara Castro e, por fim, iii) diálogos sobre dados sobre o TikTok, parte de netnografia elaborada em consultoria de Lux Ferreira junto ao InternetLab.

O trabalho de análise dos dados coletados foi feito em conjunto entre as três organizações. A ferramenta de análise de dados, por sua vez, foi desenvolvida pelo Núcleo Jornalismo, e os glossários de termos pesquisados, pelo InternetLab e pela Revista AzMina. O MonitorA coletou comentários relacionados a 174 candidatas mulheres e 24 candidatos homens aos cargos do Executivo e Legislativo estadual e federal nas plataformas do Twitter, YouTube, Facebook e Instagram. Adicionalmente, monitoramos também as contas de Janja da Silva e Michelle Bolsonaro, para compreender como a violência política também alcançava os familiares dos candidatos. Ao total, foram coletadas 1.697.774 tuítes; 892.500 comentários no Instagram; 167.095 comentários no YouTube; e 65.761 comentários no Facebook. Esses dados foram filtrados com base no léxico de termos ofensivos e, posteriormente, analisados manualmente. 

Com base nas análises de dados, alguns dos resultados que encontramos foram: 

  • Ao analisar o conteúdo ofensivo dirigido às esposas dos candidatos Lula da Silva e Jair Bolsonaro à Presidência da República, notamos que a religiosidade e noções de moralidade deram a tônica das narrativas ofensivas contra Janja e contra Michelle no Twitter e no Instagram. Nos comentários com conteúdo hostil direcionados à Michelle, a religião aparece principalmente atrelada ao dever-ser religioso, eram comuns acusações de que a ex-primeira-dama “não era uma cristã de verdade”. Em relação à Janja, os ataques e insultos publicados concentravam-se, principalmente, na intolerância religiosa contra religiões de matriz africana.  Esses casos demonstram que a violência política não se restringe àqueles que concorrem aos cargos, podendo atingir pessoas diretamente ligadas aos candidatos(as).
  • A expressão “você é uma vergonha” teve grande incidência nas coletas, aparencendo em diferentes discursos, como “você é uma vergonha para os negros”; “você é uma vergonha para as mulheres” etc. Vale lembrar que esse tipo de narrativa não se deu sem contexto. Durante o debate presidencial do dia 28 de agosto de 2022, o então candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) atacou a jornalista Vera Magalhães, afirmando que ela era “uma vergonha para o jornalismo brasileiro”. A utilização de mecanismos da vergonha configura uma prática comum nos ataques misóginos e racistas, podendo ser, ainda, associada ao descrédito, pois comentários deste teor são muitas vezes associados a alegações como  “você não vale nada”, reiterando a intenção de desmerecer e inferiorizar o alvo do comentário.
  • As eleições de 2022 tiveram a maior participação de candidaturas trans já registrada. O MonitorA acompanhou as redes sociais de 11 das 78 candidaturas registradas nesse pleito eleitoral, analisando tanto os conteúdos ofensivos, como as principais narrativas que se construíam sobre essas candidatas. Observamos que grande parte do debate político que candidatas trans e travestis tentaram travar nas redes sociais durante a campanha eleitoral acabou sequestrado por conflitos ideológico-partidários, violência política, debates sobre segurança pública e disputas sobre representatividade de grupos historicamente minorizados

Foram elaboradas, também, 13 recomendações aos setores envolvidos que nos permitem vislumbrar um caminho de combate, prevenção e acompanhamento da violência política:

  • Plataformas e Provedores de Aplicação de Internet: i) Compromisso com o desenvolvimento de políticas e diretrizes de uso protetivas em face da violência política; ii) Aprimoramento das práticas de acesso a dados e de transparência para pesquisadoras/es; iii) Compromisso com a aplicação protetiva e a transparência das políticas e diretrizes de uso; iv) Aprimoramento de políticas destinadas a pessoas públicas e a pessoas com cargos políticos; v) Aprimoramento dos canais de denúncias internos das plataformas;
  • Legislativo: vi) Aprimoramento da legislação sobre violência política de gênero, com inclusão de medidas protetivas para Lei de Violência Política de Gênero e de responsabilização de partidos;
  • Judiciário e Ministério Público: vii) Aprimoramento dos canais de busca e mecanismos de transparência; viii) Coleta e compilação de dados sobre violência política de gênero; ix) Ministério Público: aprimoramento dos canais de denúncia; x) Construção de estratégias, no âmbito da Justiça Eleitoral, para o enfrentamento à violência política e à desinformação baseada em gênero;
  • Executivo: xi) Inclusão do enfrentamento à violência política como parte da agenda governamental;
  • Partidos Políticos: xii) Melhorar ferramentas de apoio às candidatas em casos de violência política, criar mecanismos de denúncia e responsabilização interna; e 
  • Sociedade Civil: xiii)Criar e fortalecer redes sobre eleições e violências (política e eleitoral, de gênero, de raça etc.).

Acesse o relatório do MonitorA na íntegra em português e inglês. E conheça o website do projeto, onde você encontrará reunidos os dados da primeira e da segunda edição do MonitorA. 

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