MonitorA 2022: a diferenciação necessária entre insultos e ataques no debate sobre moderação de conteúdo
Em 2020, demos início ao MonitorA – Observatório de violência política, uma parceria entre o InternetLab e a Revista AzMina. Naquele momento, buscávamos compreender como a violência política se direcionava às mulheres que se candidatavam na política institucional. Em outras palavras, queríamos entender de forma concreta como os discursos violentos ganhavam espaço no Twitter, Youtube e Instagram.
O resultado da pesquisa corroborou o que outras(os) especialistas traziam: candidatas mulheres que atuam na política não são criticadas necessariamente pelos seus feitos, mas pelo que supostamente deveriam ser ou fazer – expectativa que se relaciona, por sua vez, às diferenciações de gênero. Diante disso, encontramos naquele ano ataques que reduziam a capacidade intelectual das mulheres, as ofendiam moralmente e comentavam seus corpos de forma ofensiva. Os resultados da pesquisa feita em 2020 podem ser encontrados aqui.
Em 2022, damos prosseguimento ao MonitorA. Dessa vez, além da parceria entre InternetLab e Revista AzMina, contamos também com a participação do Núcleo de Jornalismo. Nos concentraremos no Twitter, Instagram, Facebook e Youtube.
O cenário político não é exatamente o mesmo, mas o fenômeno social da violência política segue como um problema sobre o qual precisamos aprofundar as nossas compreensões. O reconhecimento social e legal de que a violência política impacta a vida das mulheres, no entanto, é outro. Contamos, neste momento, com mais engajamento de diferentes setores para a mitigação dos riscos que o fenômeno impõe para as mulheres e para grupos historicamente minorizados.
Uma das novidades que temos nesse pleito é a Lei de Violência Política. Aprovada em agosto de 2021, define que “a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça” é vedada no que diz respeito às instâncias de representação política e do acesso as funções públicas. Além disso, a lei especifica que propagandas partidárias que depreciem a “condição de mulher” ou estimulem a discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou etnia não serão permitidas. Os partidos também passam a ser obrigados a ter em seus estatutos normas de “prevenção, repressão e combate à violência política contra a mulher”.
A lei de violência política tipifica o ato de assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo, e prevê a pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
É importante dizer ainda que os atos compreendidos como violência política que ocorrerem em espaços da internet são entendidos como tão graves quanto aqueles que acontecem pessoalmente. Nesse sentido, de acordo com a lei, a divulgação de fatos sabidos inverídicos, se associados a menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, pode agravar a pena, aumentando-a em ⅓ ( um terço) até a metade. O mesmo poderá ocorrer se o fato inverídico for veiculado por meio da imprensa, rádio, televisão, internet, rede social ou se for transmitido ao vivo. Além disso, poderá ser aumentada em ⅓ (um terço) se o crime for cometido contra gestante, maior de 60 anos e mulher com deficiência.
Outra lei importante a ser considerada nesse cenário é a a Lei dos crimes contra o Estado democrático de direito que traz também “religião” e “procedência nacional” como marcadores sociais que devem ser considerados quando pensamos na violência política, extrapolando, assim, os marcadores de sexo, raça, cor e etnia. Na lei referida, não se fala apenas em mulheres, mas em “qualquer pessoa” que seja alvo de violência política.
As definições de ambas as leis não foram determinantes para pensarmos a metodologia da pesquisa, mas em alguma medida lançaram luz para aquilo que iríamos considerar enquanto insulto ou ataques. Considerando que as redes sociais não são apenas espaços em que discriminações e ataques ocorrem, mas que são também espaços instrumentalizados por eleitoras e eleitores para cobrar parlamentares e políticas(os) em geral, explicamos como traçamos essa diferenciação.
O que estamos considerando como insultos?
Os insultos têm como característica linguagem hostil e desrespeitosa, mas não se trata de um ataque propriamente, ainda que seja mais duro do que uma simples crítica. Tratam-se de termos comuns de serem utilizados contra candidatas e candidatos; neles, encontramos palavras que intensificam as críticas e o descontentamento que as e os usuários sentem em relação às e aos candidatos. Acreditamos, entretanto, que, a princípio, os insultos não devem ser retirados das plataformas. Ou seja, por mais que criem climas hostis, o que deve ser problematizado, podem, ao mesmo tempo, permitir também que eleitoras e eleitores cobrem seus candidatos e canditadas. Alguns exemplos de insultos são: “mentirosa(o)”, “ladra”, “ladrão”, “corrupta”, “corrupto”, “hipócrita”, “cínica(o)”, “falsa(o)”, “mamar nas tetas do governo”” “que vergonha”, “toma vergonha” etc.
O que estamos considerando como ataques?
Os ataques têm como característica usar de atributos relacionados à inferiorização das candidatas e candidatos. Muitas vezes, faz-se uso de termos que estão historicamente relacionados aos ataques direcionados a pessoas pertencentes a grupos historicamente marginalizados, como é o caso de mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. Nesse caso, os discursos produzidos buscam de forma explícita desmotivar que, principalmente, as candidatas atuem na política institucional. Aqui, é comum lançar mão de artifícios como desumanização, ofensa e assédio sexual, apontamento de defeitos morais, ataques a ideologia política ou religiosa, descrédito intelectual, incitação a violência física, ameaças, além de gordofobia, transfobia, lesbofobia, misoginia, homofobia, bifobia e racismo.
Como estamos classificando os ataques?
Insultos também podem surtir o efeito de ataques?
Levando em consideração a massificação que os insultos podem ter, é necessário considerar a dinamicidade e a velocidade que as redes sociais podem ganhar. Por essa razão, um insulto repetido massivamente colabora para um ambiente hostil e também pode resultar no afastamento de candidatas(os) das redes sociais.
Ataques podem vir misturados a insultos?
Ainda que tenhamos feito essa diferenciação por questões metodológicas, é importante mencionar que ambas as categorias podem vir relacionadas. Se em um tuíte ou comentário no YouTube, Instagram ou Facebook identificarmos insultos e ataques simultaneamente, iremos classificar as duas ocorrências.
Ataques diferentes podem se articular em um mesmo discurso?
Sim, podem! Um exemplo da sobreposição de ataques pode ser visto quando alguém é chamada(o) de “evanjegue”, aqui, temos uma mistura de ataque à ideologia religiosa, ao mesmo tempo em que temos um caso de desumanização. Em “puta comunista”, encontramos um exemplo de misoginia que se sobrepõe a um ataque político ideológico, isto porque comunista de forma isolada não seria considerado um ataque, mas quando articulados, compreendemos que há aí um julgamento enquanto “puta”, porque há uma associação entre posicionamento ideológico e misoginia. O mesmo seria válido para “conservadora asquerosa”, asquerosa nesse caso, entraria na categoria “Sentir nojo”, mas apenas esta categoria não seria suficiente para compreender o que está sendo dito, afinal, conservadora está articulada com “nojo”. É preciso, portanto, considerar as articulações que podem surgir entre um e outro tipo de ataque.
O que os insultos nos permitem responder?
Ainda que entendamos que insultos não devem ser retirados das plataformas pelas políticas de moderação, achamos, por outro lado, que um olhar atento para esse tipo de discurso pode nos permitir observar narrativas que se constroem sobre o cenário político. Abaixo algumas perguntas que tentaremos responder no decorrer da pesquisa:
- Mulheres tendem a ser mais insultadas do que homens?
- Pessoas negras são mais chamadas de ladras do que pessoas brancas?
- Pessoas indígenas são mais chamadas de preguiçosas do que pessoas brancas?
- O ambiente das redes é mais hostil para mulheres e grupos politicamente minorizados mesmo quando não estamos falando de ataques?
- Como as candidatas se sentem em relação aos insultos? E aos ataques? Há uma diferenciação entre essas categorias para aquelas e aqueles que são alvejadas(os)?
- Usuárias(os) entendem insultos e ataques como níveis diferentes de gravidade?
Entendemos que a diferenciação entre insultos e ataques é parte do amadurecimento das pesquisas que têm sido feitas nos últimos anos. Atentamos, no entanto, que estas categorias classificatórias estão em construção e podem ser alteradas se a pesquisa nos levar a compreensões distintas das que trouxemos aqui. Fique de olho e acompanhe as próximas notícias relacionadas a edição MonitorA 2022.