Lançamento: ‘Outras Vozes: Gênero, Raça, Classe e Sexualidade nas Eleições de 2018’
A internet e as plataformas sociais desenvolvidas sobre ela têm ganhado cada vez mais relevância como espaços de debate público, divulgação e debate de ideias, bem como de articulação política e pluralização de vozes. Algo notável sobretudo em anos de eleições, envolvendo relações próprias entre campanha, cidadãos, eleitores e candidatos.
Na última década, questões relativas a gênero, raça, sexualidade, origem regional e classe social estiveram no centro das disputas discursivas na internet, seja por conta de casos de discriminação, seja em razão de discussões sobre a implementação de políticas direcionadas a mulheres, negros e pessoas LGBT+, ou ainda devido ao intenso ativismo de movimentos sociais com finalidade de inserir demandas relacionadas a identidades na agenda política.
Com o objetivo de contribuir com a memória digital desses debates e dinâmicas nasceu em 2016 o projeto #OutrasVozes. Depois de mapear casos relativos ao pleito daquele ano, o InternetLab lança agora o segundo número da publicação: Outras Vozes: Gênero, Raça, Classe e Sexualidade nas Eleições de 2018.
Na sua estreia, a pesquisa identificou dois grandes grupos de fenômenos: (i) casos de discriminação, preconceito, racismo contra candidatos/as e eleitores/as e (ii) uso de plataformas e aplicativos para a visibilização de candidaturas ou de pautas. Em 2018, tais fenômenos se repetem, em maior intensidade, tanto por se tratar de um pleito nacional quanto pelas especificidades do contexto social e político do país.
Em 2018, notamos claro crescimento e fortalecimento de iniciativas no processo eleitoral, durante o qual pautas em torno de identidades estiveram no centro, seja em caráter propositivo, seja como modo de desqualificar candidatos (acusações de misoginia, racismo, homo/lesbo/trans/bifobia e racismo), seja em razão da desqualificação da pauta e crescente violência direcionada a ela e a membros de grupos subalternizados.
Importante notar que, em outubro de 2018, durante o período eleitoral, a ONG Safernet contabilizou mais que o dobro de denúncias de violência online, com evidente aumento em categorias como xenofobia, sobretudo contra nordestinos (2.369%); homofobia (350%) e racismo (218%).
Por outro lado, na comparação com 2016, as eleições de 2018 contaram com um aumento de 400% das candidaturas LGBT+ e de 59% das candidaturas indígenas, o número de mulheres eleitas na Câmara dos Deputados dobrou, elegeu-se a primeira primeira mulher indígena – a deputada federal Joênia Wapichama (Rede-RR). Nos estados, três mulheres trans foram eleitas para cargos no legislativo: Robeyoncé Lima (JUNTAS/PSOL-PE) e Erika Hilton (Bancada Ativista/PSOL-SP) por meio de mandatos coletivos, e Erica Malunguinho (PSOL-SP).
O presente relatório se divide em três partes:
- 1) Como casos de racismo, sexismo, LGBTfobia e outras discriminações foram mobilizados durante as eleições na internet, e os discursos em torno desses fenômenos ou como eles foram disputados na esfera pública, apresentando as iniciativas que buscaram mapeá-los, buscas próprias e o banco de dados do TretAqui.org.
- 2) Quais foram as principais iniciativas de visibilização de candidaturas com base em marcadores sociais (gênero, sexualidade, raça/etnia) e temas relacionados aos direitos humanos.
- 3) Um olhar sobre o caso “Mulheres Unidas contra o Bolsonaro”, grupo no Facebook que – além de ser um caso a ser analisado em si pelo engajamento que gerou em torno de pautas de mulheres e da hashtag #EleNão, nas redes e nas ruas – sofreu uma invasão, o que gerou desdobramentos na vida de suas organizadoras e importantes reflexões do ponto de vista jurídico.
Articulação e violência
Na campanha eleitoral de 2016, tínhamos a inspiração de buscar e visibilizar acontecimentos relacionados a gênero, raça, classe social e sexualidades e sua interseção com a internet. No ano de 2018, essa articulação se fez absolutamente evidente, de modo intenso: independente de nossas buscas, o tema se impôs.
A atipicidade do período revela-se na quantidade de iniciativas de mapeamento de violências, no crescimento considerável do desenvolvimento de mecanismos de visibilização de pautas e candidaturas relacionadas ao que comumente se denomina de “pautas identitárias” e na mobilização intensa de mulheres, nas redes e nas ruas.
Relatar o período impôs-se como um grande desafio, todavia menor diante do principal problema: a violência. Observamos uma tendência ao não-encaminhamento dos casos no sistema de Justiça e não-responsabilização (no que se refere aos candidatos/as, em parte eleitos/as). Além disso, quantidade considerável de links com conteúdo desse tipo seguem no ar (o que constatamos para realização de análise qualitativa de denúncias encaminhadas ao TretAqui.org).
Vale ressaltar que, para fins deste relatório, tivemos conhecimento de casos que ocorreram nas plataformas Facebook, Instagram e Twitter, principalmente. O mapeamento e compreensão das dinâmicas de circulação de violência no WhatsApp, que sabemos serem recorrentes, ainda se colocam como desafio para pesquisadores e tomadores de decisão.
A temática da mobilização – nas redes e ruas – deve exigir análises que levem em consideração múltiplos fatores sobre suas consequências. Esperamos que os registros realizados por nós contribuam e subsidiem tais reflexões.
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Equipe do projeto: Natália Neris (coord.), com colaboração de Francisco Brito Cruz, Mariana Valente e Thiago Oliva
Equipe institucional: Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Valente.