Foto da audiência pública no Supremo Tribunal Federal para discutir bloqueios do WhatsApp, composta pelos ministros do Supremo Tribunal Federal sentados à mesa diretora à frente do público, também sentado.

InternetLab participa de audiência pública no STF que discute criptografia e bloqueios do WhatsApp

Notícias Privacidade e Vigilância 02.06.2017 por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Jacqueline Abreu

Acontece hoje, dia 02 de junho, e na próxima segunda, dia 05, audiência pública no Supremo Tribunal Federal sobre a ADPF 403, que discute a compatibilidade de ordens de bloqueio do WhatsApp com a liberdade de comunicação, e a ADIN 5527, que discute a constitucionalidade dos incisos III e IV do art. 12 do Marco Civil do Internet, que autorizam a imposição das sanções de “suspensão temporária” e “proibição do exercício das atividades” de provedores de conexão e aplicações de internet.

Dentre 182 pedidos de participação na audiência, o InternetLab foi admitido como uma das entidades a serem ouvidas, após uma seleção que levou em conta a pluralidade da representação técnica e a expertise na matéria. A representação será feita pelo diretor Dennys Antonialli, que falará a partir das 15h30 (link para transmissão aqui).

Em sua contribuição oral na audiência e na manifestação por escrito enviada à Corte, o InternetLab pretende (i) oferecer dados que permitam identificar as circunstâncias nas quais tem-se determinado a suspensão de aplicações de Internet no Brasil, medida comumente chamada de “bloqueio”; e (ii) esclarecer as razões por trás dos descumprimentos de ordens judiciais por parte da WhatsApp Inc., que motivaram as suspensões.

Os dados apresentados são resultado de trabalho de pesquisa acadêmica realizada pela equipe do InternetLab a respeito dos temas tratados na audiência pública. De um lado, são produto de mapeamento e análise de todas as decisões judiciais publicamente acessíveis que continham medidas de bloqueio a aplicações de Internet no Brasil – material de pesquisa que foi reunido de maneira organizada na página bloqueios.info. De outro, fazem parte de estudo interdisciplinar sobre formas de acesso a dados e comunicação de usuários de Internet por parte de autoridades de investigação – trabalho que é publicado anualmente na forma do relatório “Vigilância sobre as Comunicações no Brasil”.

Foto da audiência pública no Supremo Tribunal Federal para discutir bloqueios do WhatsApp, composta pelos ministros do Supremo Tribunal Federal sentados à mesa diretora à frente do público, também sentado.
InternetLab participa de audiência pública no Supremo Tribunal Federal para discutir bloqueios do WhatsApp (Foto: Jacqueline Abreu).

O que aprendemos estudando bloqueios de aplicações de Internet e seus diferentes tipos?

Em levantamento elaborado para a construção da plataforma bloqueios.info, foi possível identificar dois tipos principais de ordens judiciais de bloqueio de aplicações de internet no Brasil:

(i) as relacionados a descumprimento de ordens judiciais, cujo caráter é de sanção e de constrangimento para cumprimento, e

(ii) as relacionados à alegação de incompatibilidade do produto ou serviço em si com ordenamento jurídico brasileiro, cujo caráter é de proibição.

Para exemplificar: as ordens de bloqueio agrupadas no primeiro tipo atingiram aplicações como Facebook, WhatsApp e Youtube. As de segundo tipo já afetaram Tubby, Secret, Uber, Tudo Sobre Todos, Filmes Online Grátis, entre outras.

A existência desse segundo grupo de casos demonstra que há circunstâncias nas quais o bloqueio de aplicações pode ser legitimamente determinado. Isso porque quando houver comprovada incompatibilidade entre determinado produto ou serviço e o ordenamento jurídico brasileiro, o bloqueio ao seu acesso ou funcionamento pode ser a medida adequada para coibir violações de direitos. Seria o caso de uma aplicação que se destinasse exclusivamente à disseminação de conteúdos ligados à pornografia infantil, por exemplo.

Por outro lado, a determinação de bloqueio de aplicações de internet nos casos em que há descumprimento de ordens judiciais é alarmante, na medida em que a sua aplicação traz sérias repercussões para direitos humanos, para a economia, e para a infraestrutura da internet. Nesses casos, o InternetLab entende que as ordens de bloqueio são inconstitucionais, por importarem em uma restrição injustificada à liberdade de comunicação: não há ilegalidade do serviço, medidas alternativas eficazes e menos gravosas para exigir o cumprimento de decisão e, em decorrência, falta legitimidade à medida de bloqueio.

As particularidades do caso WhatsApp: conflitos de jurisdição e criptografia

O bloqueio do aplicativo WhatsApp é precisamente um caso que tem origem na resistência da empresa em cumprir ordens da Justiça brasileira. À base do descumprimento, encontram-se dois argumentos principais:

(i) um de natureza jurídica: a empresa indicaria que haveriam limites da jurisdição brasileira sobre uma empresa sediada no exterior, e

(ii) um de natureza técnica: de que seria impossível obter acesso ao conteúdo das mensagens trocadas no aplicativo por conta de obstáculos colocados pela criptografia de ponta-a-ponta.

Acerca do primeiro ponto, o InternetLab chama atenção aos fatos de que existem tratados internacionais de mútua cooperação jurídica internacional (chamados de MLATs), mas que, além de lentos e burocráticos, tais tratados foram pensados para objetos físicos e elaborados para tratarem casos excepcionais. Dados digitais e o crescente uso deles como meios de prova desafiam tal regime. São, apesar disso, os meios processuais existentes para a obtenção de provas quando há conflitos de leis, como entre o art. 11 do Marco Civil da Internet e a legislação estadunidense. Na contribuição é apresentado um relevante choque entre ambas ordens jurídicas: a legislação dos EUA proíbe que empresas sediadas naquele país compartilhem conteúdo de comunicações com autoridades estrangeiras.

No que se refere à criptografia de ponta-a-ponta, o InternetLab indica que tal tecnologia é essencial para a proteção da confidencialidade de mensagens contra terceiros maliciosos e que não há, na legislação brasileira, qualquer vedação à utilização de tecnologias deste tipo ou qualquer obrigação de se criar mecanismos de acesso ao conteúdo das comunicações transmitidas.  A contribuição destacou a possibilidade uso de outros dados gerados pelo aplicativo por parte de autoridades de investigação e dos riscos envolvidos em medidas de “interceptação” do conteúdo de mensagens anteriormente criptografadas:

Qualquer determinação judicial que dê ensejo à adoção deste tipo de prática deve ter em conta que pode ser potencialmente lesiva a direito, seja do provedor de aplicações de Internet, que não é impedido explicitamente pela legislação brasileira para oferecer este tipo de serviço, seja dos cidadãos brasileiros que, diferentemente dos cidadãos de outros países, passaria a estar com integridade e segurança de suas comunicações pessoais comprometidas” (Contribuição por escrito do InternetLab perante a audiência pública sobre a ADPF 403 e ADI 5527)

A manifestação por escrito do InternetLab pode ser encontrada na íntegra clicando aqui.

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