Internet e eleições no Brasil: diagnósticos e recomendações

A partir de um ciclo de pesquisas coletivas e individuais sobre comunicação e campanhas políticas na internet, elaboramos um documento de diagnósticos, recomendações e agenda estratégica como forma de intervenção propositiva no debate público sobre desinformação e campanhas políticas na internet, defendendo uma abordagem que seja ao mesmo tempo funcional e comprometida com a garantia de direitos fundamentais e valores democráticos.

Notícias Informação e Política 26.09.2019 por Institucional

No contexto das eleições de 2018, o InternetLab conduziu uma série de pesquisas acerca das dinâmicas e processos de comunicação e campanha política no ambiente digital – são exemplos os projetos Você na Mira, #OutrasVozes e as pesquisas sobre spam político e o custo da propaganda eleitoral paga na internet – e também da relação entre o direito eleitoral e a internet, como o projeto Direito Eleitoral na Era Digital. Como resultado desse ciclo de pesquisas individuais e coletivas elaboramos um documento de intervenção propositiva no debate público sobre desinformação e campanhas políticas na internet.

Os diagnósticos, as recomendações e a agenda estratégica nele apresentados não representam um ponto final para a discussão, mas um esforço para que ela saia de um estado que mistura negação, confusão e letargia. Por mais que o tema das “fake news” tenha ocupado (e ainda ocupa) o dia a dia das discussões sobre política – e política eleitoral – no Brasil, a conversa sobre o tema tem mobilizado ideias ambiciosas, porém possivelmente problemáticas. Derivadas de visões ora muito tecnocêntricas – que acreditam que mudar a tecnologia pode radicalmente mudar processos sociais de uma maneira planejada –, e ora explicitamente voltadas para aumentar o controle do discurso por parte de agentes estatais ou privados; muitas das soluções que têm habitado os projetos de lei e discussões jurisprudenciais trazem riscos a direitos e à própria efetividade do direito eleitoral frente a seus propósitos.

Arte com o texto: internet e eleições no Brasil - diagnósticos e recomendações.

Com a premissa de trabalhar a partir da coleta, análise e sistematização de evidências, nosso objetivo é contribuir para este debate de forma propositiva, defendendo uma abordagem que seja ao mesmo tempo funcional e comprometida com a garantia de direitos fundamentais e valores democráticos.

Faça o download do Relatório Completo e do seu sumário executivo.

Principais Pontos

  • O crescimento de uso da internet como meio de comunicação provocou mudanças significativas na configuração das campanhas políticas. Depois de mais de 30 anos da promulgação da Constituição Federal, a forma como a população brasileira se comunica sobre a política mudou. O protagonismo da radiodifusão e da imprensa escrita entrou em declínio e, ao mesmo tempo, a internet ganhou em relevância. Atualmente, o Brasil conta com mais de 120 milhões de usuários de internet, com um acesso marcado pela preponderância no uso de telefones celulares.
  • Com sua arquitetura aberta, a internet favoreceu a entrada de novos atores no jogo, reduziu barreiras à produção de conteúdo e reformulou o papel da audiência. Se, anteriormente, a comunicação era mediada pelos meios de comunicação de massa, com as posições de produtor e consumidor claramente demarcadas, com a internet e a entrada das novas mídias sociais, qualquer indivíduo conectado pode se tornar potencialmente um emissor de “autocomunicação de massa”, e, com apenas um perfil online, pode passar a atuar na produção e circulação de informação política. Por um lado, houve um declínio nos poderes de escolha, mediação e edição centralizados nas organizações de mídia de massa. Por outro, surgiram novas formas de intermediação, inscritas nas arquiteturas das plataformas e em seus modelos de negócio.
  • A nova intermediação protagonizada pela internet minora o controle da produção e circulação de informações típica dos meios de comunicação de massa tradicionais, o que traz consequências para o jornalismo profissional. A ascensão dessas novas dinâmicas de comunicação coincidiu, no Brasil e no mundo, com processos importantes de polarização política e social. Na convergência desses fatores observou-se a emergência de fenômenos complexos caracterizados comumente sob o título de fake news. Esse quadro não é mero produto de escolhas empresariais das plataformas de internet: a disseminação de propaganda que se passa por jornalismo é um fenômeno derivado de mudanças profundas na forma como as sociedades produzem, circulam e consomem informação política. É um processo que envolve a própria forma como os indivíduos se relacionam com informação, no qual a autonomia de produzir e compartilhar conteúdo ganha escala.
  • Esse novo cenário implicou em uma crise do atual modelo regulatório eleitoral. Consolidado entre os anos de 1990-2000, esse modelo opera principalmente a partir da remoção de conteúdo tido como ilícito e da responsabilização de seus autores. Porém, se, na era das campanhas de televisão, a “propaganda eleitoral” era autoevidente, com a multiplicação de atores e canais, ela pode estar em todo lugar ou em nenhum lugar, sob o controle da campanha ou alheio a este. Sem resolver o problema, a mobilização desse modelo regulatório moldado para a televisão e para as ruas como se esse fosse uma regulação “geral” de campanhas, e a tentativa de submeter novos instrumentos de regulação de campanha digital à lógica da mídia de massa, acabam por agravar essa crise, gerando um “ciclo vicioso do controle de conteúdo”, em que o Judiciário passa a ser mais um palco de performance das campanhas para o eleitorado e em que demandas por filtros e controles estritos de conteúdo colocam riscos à liberdade de expressão.
  • O novo cenário dos meios de comunicação de massa deu condições para componentes de campanhas em rede implementarem novas técnicas de marketing político, com regulamentação ainda incipiente. A reinvenção da propaganda política não desprezou ainda outro aspecto essencial da transformação no setor de mídia e publicidade: a coleta e o tratamento de dados pessoais. Essas capacidades viabilizaram o microdirecionamento de anúncios para nichos de audiência, a construção de redes de apoio com base em listas de contatos divididas por interesses, e disparos em massa de conteúdos em aplicações de mensagens privadas. Com efeito, 2018 foi o primeiro ano em que se realizou propaganda eleitoral paga na internet com a permissão para o “impulsionamento de conteúdos”. Com a venda de anúncios eleitorais ainda em caráter experimental, a regulamentação do tema gerou dúvidas e questionamentos, especialmente sobre sua capacidade de mitigar práticas de uso indevido de dados pessoais, pouco transparentes ou que operam por fora da prestação de contas das candidaturas.
  • Verdadeiras fraudes ao acesso à informação sobre o debate público, o uso malicioso de robôs, contas falsas e outros expedientes também merecem atenção. Acoplados à arquitetura da internet e de suas plataformas, e correndo lado a lado aos usos legítimos (como o uso transparente de robôs ou de perfis com  pseudônimos, por exemplo), originaram-se também uma série de possibilidades de simulação de autenticidade ou espontaneidade. Elas tornaram factível amplificar a visibilidade ou a popularidade de determinados temas ou atores, gerando uma falsa impressão de que eles estão sendo mais discutidos ou são mais populares espontaneamente do que de fato o são. Identificamos que a tutela jurídica de tais práticas é possível, mas a fiscalização ainda é incipiente.
  • Propostas sobre como lidar com campanhas em rede devem incluir novas abordagens que atualizem os valores que devem ser levados em conta nas regras do jogo democrático: pluralismo, liberdade de expressão, igualdade de chances, acesso à informação e autonomia e privacidade dos cidadãos. Isso faz com que seja necessário não operar com uma lógica centrada apenas em controle de conteúdo, mas colocar em foco condutas inautênticas e abusivas. No que diz respeito às fraudes, essa nova abordagem passaria a defender o acesso a uma percepção autêntica sobre o debate político, e não computacionalmente simulada, apontando para a expansão da transparência das campanhas e das ações das plataformas de internet. No que tange à privacidade e proteção de dados, significa trazer ao direito eleitoral capacidades relacionadas com a tutela da privacidade e da proteção de dados. Ainda, é recomendado aprofundar a aplicação da legislação vigente que regula discursos discriminatórios e que impactam a dignidade de indivíduos e grupos sociais, na medida em que esses discursos também atuam de modo a excluir, expulsar e deslegitimar vozes no debate público, mitigando a construção de uma sociedade pluralista. Confira o detalhamento das recomendações ao final do relatório e do sumário executivo.
compartilhe