Em contribuição ao TSE, InternetLab e Data Privacy defendem convergência entre proteção de dados e transparência eleitoral
Organizações lançam relatório com contribuições enviadas ao Tribunal Superior Eleitoral sobre a plataforma DivulgaCandContas e o Processo Judicial Eletrônico.
Como parte do processo de adequação do processo eleitoral à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) convocou em maio de 2022 uma audiência pública com o objetivo de coletar contribuições sobre a compatibilização de ferramentas de transparência eleitoral com o regime de proteção de dados pessoais. Os participantes da audiência foram provocados a enviar contribuições a respeito da compatibilização das plataformas DivulgaCandContas e do Processo Judicial Eletrônico (PJe) com o regime da LGPD.
O DivulgaCandContas é uma plataforma de divulgação de informações e dados de candidaturas e prestação de contas de candidatos e partidos, cujo propósito é atender a demandas legais por transparência e permitir o controle social do processo eleitoral. O PJe, por sua vez, é composto por um sistema de busca, que permite a pesquisa de processos públicos autuados no TSE, TREs e Cartórios Eleitorais, e por um sistema de tramitação de atos, que permite que magistrados, servidores e advogados pratiquem atos processuais diretamente por meio do PJe.
Na audiência pública, o TSE consultou os participantes sobre 4 pontos referentes à necessidade de implementação de ajustes para adequar os dois sistemas de transparência eleitoral à legislação de proteção de dados:
1. se havia necessidade de operar ajustes do DivulgaCandContas e no PJE, em relação à extensão da publicização do trâmite dos processos de registro de candidatura e de demonstrativo de regularidade de atos partidários (DRAP);
2. se havia necessidade de reconsiderar o acesso ao teor das certidões criminais disponibilizadas na plataforma DivulgaCandContas, inclusive no período para além ao “período crítico eleitoral”, isto é, do início da campanha até a data da eleição;
3. se havia necessidade de inibir a publicização na plataforma DivulgaCandContas de alguns dados pessoais dos candidatos/as; e
4. se havia necessidade de operar ajustes ou de inibir a publicização na plataforma DivulgaCandContas de informações do campo de lista de bens declarados.
O InternetLab e a Associação Data Privacy de Pesquisa foram convidados pelo tribunal a contribuir com a consulta e participaram da audiência levando uma contribuição conjunta que abordou o tema a partir de uma perspectiva de convergência entre a transparência eleitoral, a proteção de dados, e o acesso à informação. A audiência pública ocorreu nos dias 2 e 3 de junho de 2022, em formato híbrido, e está disponível no canal do TSE no YouTube. Além das organizações, a audiência pública reuniu órgãos públicos, entidades do terceiro setor, partidos políticos, pesquisadores e especialistas em proteção de dados na esfera eleitoral.
Síntese das contribuições
As contribuições apresentadas pelo InternetLab em parceria com o Data Privacy foram organizadas e reunidas no relatório “DivulgaCandContas e proteção de dados nas eleições: contribuições ao Tribunal Superior Eleitoral”, já disponível para leitura.
Em suas contribuições, as organizações apontaram pela convergência entre a LGPD e a legislação eleitoral na garantia do acesso à informação, da transparência eleitoral, e do controle democrático nas eleições. A larga base de dados das plataformas, com informações sobre os partidos e os candidatos da eleição atual e de anteriores, permite que o eleitor e a sociedade civil exerçam o controle social das candidaturas e dos mandatos eletivos. Nesse sentido, o documento aponta para um caminho de fortalecimento da transparência eleitoral orientado por alguns parâmetros de proteção de dados.
A contribuição foi estruturada em 4 pilares principais: (i) transparência eleitoral e o controle social do processo eleitoral, garantindo a divulgação de dados e informações de candidaturas e partidos no DivulgaCandContas e no PJe; (ii) tripé finalidade-necessidade-adequação, com padronização na coleta de dados quando necessário; (iii) ciclo de vida dos dados, com construção de parâmetros atentos à distintas finalidades envolvidas na divulgação dos dados; e (iv) e segurança da informação, com implementação de camadas de acesso diferenciados a depender da forma, volume e tempo da disponibilização. Abaixo, resumimos as respostas enviadas ao TSE para cada uma das perguntas mencionadas acima:
- Em relação à questão sobre a extensão da publicização do trâmite dos processos de registro de candidatura e nos DRAPs, não foi encontrada a necessidade de restrição, na medida em que a LGPD não é um impeditivo para a transparência ou óbice para a publicização de registro de candidaturas. No entanto, foram sugeridos ajustes, com o objetivo de adequação às melhores práticas de segurança da informação. Recomendou-se a criação de camadas de acesso para o download de grandes bases de dados do DivulgaCandContas por meio da API e a realização de um cadastro, com informações básicas sobre o autor do download, e a assinatura de um termo de responsabilidade, mas sem que estas camadas e procedimentos configurem um óbice desproporcional e inviabilizem o acesso a estes dados. Ainda, as organizações recomendaram a padronização na coleta de dados e a construção de parâmetros e diretrizes pelo Tribunal Superior Eleitoral sobre os dados e informações necessários que devem constar nos documentos que os candidatos e os partidos devem enviar à Justiça Eleitoral. Por fim, o documento destacou a importância de avaliação do ciclo de vida dos dados disponibilizados no PJe no DivulgaCandContas.
- Sobre a divulgação de certidões criminais, as organizações destacaram a importância da publicização das certidões criminais no âmbito eleitoral, mas enfatizou que o tratamento deve estar atento ao ciclo de vida dos dados.
- Quanto à divulgação de dados dos candidatos no DivulgaCandContas, o InternetLab e o Data Privacy não vislumbraram a necessidade de qualquer inibição. Eventual restrição poderia prejudicar a transparência eleitoral e o acesso à informação. Assim, a recomendação focou em aperfeiçoamentos possíveis a essa publicização, como: (i) a construção de parâmetros sobre ciclo de vida dos dados a partir das finalidades de tratamento; (ii) e a garantia dos direitos dos titulares, como a eliminação ou ocultação, em caso de tratamentos desnecessários, abusivos ou que coloquem em risco a segurança do candidato, a partir da análise individualizada de casos concretos que demonstrem risco real ao candidato.
- Por fim, em relação às listas de bens declarados pelos candidatos, a contribuição enfatizou a importância da divulgação, que tem como finalidade a garantia do controle social de atividades econômicas dos candidatos. Essa divulgação se ampara no próprio Código Eleitoral e, portanto, a transparência em relação a essas informações deve ser mantida. Com vistas à adequação ao ciclo de vida dos dados dos bens de candidatos, foi recomendado a implementação de camadas de acesso a informações mais antigas, mas sem que essas camadas resultem em óbices desproporcionais ao acesso. Ainda, o documento recomendou a compilação dos dados de forma estatística, anonimizada, para fins de pesquisas científicas sobre o tema.
O relatório completo com as contribuições enviadas ao TSE está disponível para leitura em português.