Foto da fachada do Supremo Tribunal Federal

Contribuição ao STF sobre constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet

Notícias Liberdade de Expressão 14.12.2018 por Dennys Antonialli e Thiago Oliva

Abaixo, um trecho do artigo “Alteração do modelo de responsabilização dos intermediários de internet” publicado no site Jota e assinado por Dennys Antonialli (diretor presidente do InternetLab) e Thiago Oliva (coordenador da área de pesquisa em liberdade de expressão).

Muitas plataformas de internet, como Facebook, Twitter e Youtube, operam a partir da publicação de conteúdos gerados por terceiros. A responsabilidade por eventuais danos causados por esses conteúdos tornou-se, portanto, ao longo dos anos, uma questão sensível: de um lado, argumentos ligados a direitos como liberdade de expressão e acesso à informação justificam modelos regulatórios que isentam as plataformas de responsabilidade por conteúdos postados antes que haja decisão judicial que os considere como ilegítimos ou ilegais, garantindo que suas políticas e termos de uso comportem a divulgação ampla e plural de conteúdos; de outro, argumentos ligados a direitos como privacidade, honra e imagem justificam arranjos regulatórios que impõem circunstâncias mais variadas de responsabilização, incentivando as plataformas a implementar políticas mais restritivas, na tentativa de evitar o risco pela condenação ao pagamento de indenizações.

Após a aprovação do Marco Civil da Internet, em 2014, a questão se resolveu no Brasil. O artigo 19 adotou o modelo de responsabilização por ordem judicial, determinando que as plataformas de internet (os “intermediários” ou “provedores de aplicações”) são passíveis de responsabilização por conteúdos publicados por seus usuários apenas quando, após serem notificados de decisão judicial específica determinando a sua remoção, não tomarem providências para tornar indisponível o conteúdo apontado como ilícito pelo Poder Judiciário. A lei estabeleceu exceções para casos envolvendo direito autoral (art. 19, § 2) ou a divulgação não consensual de imagens íntimas (art. 21).

A constitucionalidade do artigo 19 foi, entretanto, questionada no Recurso Extraordinário nº 1.037.396, interposto pelo Facebook Brasil perante o Supremo Tribunal Federal. O relator do caso, ministro Dias Toffoli, reconheceu a sua repercussão geral, abrindo caminho para que se altere o modelo de responsabilização adotado pelo legislador no Brasil.

No último dia 11, o InternetLab, centro independente de pesquisa em direito e tecnologia, protocolou sua petição de amicus curiae nos autos do caso. Na peça, o InternetLab apresenta dados e conclusões de pesquisa que indicam que, caso o modelo de responsabilização por ordem judicial adotado no Marco Civil da Internet venha a ser declarado inconstitucional e, consequentemente, substituído pelo modelo de responsabilização por mera notificação, o exercício dos direitos à liberdade de expressão e ao acesso à informação na internet poderá ser severamente restringido no Brasil.

Foto da fachada do Supremo Tribunal Federal em preto e branco.
Fachada do STF. Crédito: Nelson Jr./SCO/STF

Entenda o caso

O caso envolve um perfil falso criado no Facebook. A autora da ação, alegando ter sido prejudicada pela criação do perfil falso que utilizava seu nome, solicitou a sua remoção, a entrega de dados para a identificação do responsável por sua criação, além de indenização por danos morais. A decisão de primeira instância deferiu os pedidos de exclusão do perfil e de fornecimento de dados para identificação de seu criador, mas recusou o pedido de indenização, com base no art. 19 do MCI. De acordo com a decisão, o dispositivo determina que provedores de aplicação – como Facebook, Twitter, YouTube, etc – só passam a ser responsáveis por conteúdos gerados por terceiros se deixarem de cumprir decisão judicial determinando a remoção desses conteúdos.

Ao analisar o recurso apresentado pela autora, no entanto, a Segunda Turma Recursal Cível do Colégio Recursal de Piracicaba, interior de São Paulo, modificou a sentença para reconhecer a responsabilidade civil da plataforma no caso, alegando que a retirada do perfil falso somente após ordem judicial específica significaria isentar os provedores de aplicações “de toda e qualquer responsabilidade indenizatória”, em violação ao Código de Defesa do Consumidor.

A plataforma interpôs recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal, instando-o a decidir sobre a constitucionalidade do art. 19 do MCI, dispositivo cuja incidência foi afastada na decisão da Segunda Turma Recursal.

O amicus curiae: principais argumentos

À primeira vista, pode parecer que o caso esteja circunscrito a uma questão de direito civil, buscando simplesmente definir o momento a partir do qual as plataformas de internet podem ser consideradas responsáveis por conteúdos gerados por terceiros. No entanto, definir o modelo de responsabilização dessas plataformas vai muito além de uma questão de direito civil, trazendo consequências diretas para o exercício de direitos fundamentais, como os direitos à liberdade de expressão e ao acesso à informação.

Isso porque, tal como demonstramos, o modelo de responsabilização por mera notificação (i) é típico de países de regimes considerados autoritários, como China, Venezuela, Irã, Rússia e Ruanda; (ii) prescinde do crivo judicial para avaliar a legitimidade dos pedidos de remoção, que podem ser arbitrários; e (iii) viabiliza a utilização de notificações extrajudiciais abusivas ou ilegítimas como forma de constrangimento e censura.

A íntegra da contribuição do InternetLab pode ser conferida aqui.

compartilhe