Armadilhas e caminhos na regulação da moderação de conteúdo
Novo número da série Diagnósticos & Recomendações discute recentes propostas sobre regulação da moderação de conteúdo.
O que pode ser dito em plataformas da internet? E quem decide? Essas questões são levantadas por mais vozes, em cada vez mais alto e bom som, e têm apenas crescido em importância. A moderação de conteúdo realizada por empresas de internet é parte central da resposta — que tem deixado insatisfeitas muitas pessoas, em diferentes setores e campos.
Nesse cenário, talvez retirar esse poder das plataformas pudesse soar como um caminho intuitivo para agradar gregos e troianos. Essa ideia está por trás de recentes propostas regulatórias que proíbem ou engessam a moderação de conteúdo. Nosso novo número da série Diagnósticos & Recomendações explica por que essa não é uma saída para o problema, indicando alternativas.
O Marco Civil da Internet e suas lições
Diante de notícias sobre uma nova regulamentação do Marco Civil da Internet que proibiria a moderação de conteúdo por meio de decreto, o documento retoma as discussões da elaboração da lei em 2014 e mostra como essa medida seria completamente oposta ao processo participativo que levou à sua edição. Esse processo nos traz uma lição: o sucesso da regulação está ligado à participação de todos os setores envolvidos — e portanto excluir o Congresso Nacional seria um erro grave.
As armadilhas
Liberdade de expressão e acesso à informação de usuários saem perdendo
Depois de discutir críticas e preocupações sobre moderação de conteúdo, especialmente pelas grandes empresas de tecnologia, nosso policy paper aponta como abolir essa atividade prejudicaria os próprios usuários — um resultado inverso ao expressado como objetivo das recentes propostas regulatórias. Isso principalmente porque:
- A internet como conhecemos depende da moderação de conteúdo para construir os múltiplos espaços digitais: um paralelo aqui ilustra isso; tanto uma sala de concerto quanto uma casa de shows são lugares voltados à apreciação de música, com regras muito semelhantes, mas um comportamento admitido na casa de shows não seria tolerado na sala de concerto.
- Sem a moderação de conteúdo, o acesso à informação é prejudicado, além da própria liberdade de expressão: por exemplo, a Wikipédia precisa ser capaz de remover conteúdo que não se atenda a seus critérios editoriais, mesmo que o conteúdo em questão não tenha nada de lícito.
- O problema do spam não pode ser ignorado: uma parcela imensa do conteúdo removido por plataformas é spam; descontrolado, esse tipo de conteúdo inundaria timelines e tornaria inviáveis muitos serviços.
O texto ainda chama atenção para a contradição de defender que toda moderação de conteúdo pelas plataformas é censura e ao mesmo tempo negar isso para conteúdos lícitos, como nudez.
O documento também destaca uma armadilha nos detalhes das propostas regulatórias: o perigo da captura das plataformas e da esfera pública digital pelo poder Executivo, que seria encarregado de arbitrar o enquadramento de conteúdos entre regra geral de proibição de moderação e exceções permissivas, elaboradas em categorias de contornos imprecisos como violação da imagem e da privacidade. Sem parâmetros claros, os provedores são incentivados a adotarem a visão que lhes expõem a menos riscos regulatórios — ou seja, a moderar conteúdo de forma a evitar problemas com quem pode lhes sancionar com altas multas e até mesmo suspensão das operações.
Um estranho no ninho: direito autoral
Assunto de importantes discussões sobre liberdade de expressão e acesso a conhecimento e cultura na internet, o direito autoral faz uma aparição em recentes propostas regulatórias da moderação de conteúdo. O documento explica que o direito autoral não pode ser usado como um argumento contra a moderação de conteúdo gerado por usuários, porque nem todo conteúdo é protegido por direitos autorais e mesmo o conteúdo protegido não cria automaticamente um dever de publicação e manutenção pelas plataformas.
Outros caminhos
Direitos dos usuários e defesa de um ambiente aberto e democrático na internet: a perspectiva procedimental
Reconhecendo os problemas na moderação de conteúdo, particularmente a realizada pelas grandes empresas de tecnologia, o documento aponta alternativas para a regulação.
O documento defende que dois pontos-chave devem nortear uma regulação voltada a aperfeiçoar a moderação de conteúdo sem cair nas armadilhas apontadas acima: direitos dos usuários e defesa de um ambiente aberto e democrático na internet. Com base em recomendações de acadêmicos e organizações de direitos digitais e outras iniciativas regulatórias recentes, indica uma perspectiva procedimental como uma forma de equacionar essas duas chaves, criando informações apropriadas para usuários e para a sociedade, além de garantias como direito a recurso de decisões de moderação.
Sem soluções mágicas
O documento alerta que não há respostas fáceis para solucionar esse aparente labirinto da moderação de conteúdo. O caminho é longo e exige amadurecimento inclusive institucional, com modelos regulatórios apropriados à realidade brasileira, especialmente considerando a situação ainda incipiente da liberdade de expressão no país. De todo modo, está claro que abolir a moderação de conteúdo não é uma boa saída.
Para ser regulada de maneira protetiva aos direitos fundamentais e compatível com a promoção do pluralismo, a moderação de conteúdo precisa ser considerada em duas dimensões fundamentais:
- Como atividade fundamental para que provedores de aplicação de internet forneçam serviços e espaços seguros, íntegros e diversos — inclusive na liberdade para que provedores façam escolhas diferentes e
- Como atividade que pode importar indevidas restrições a direitos e à livre manifestação do pensamento por parte de usuários, especialmente em casos de erros, abusos e arbítrios.
Faça download do documento completo
Artur Pericles Lima Monteiro, Francisco Brito Cruz, Juliana Fonteles da Silveira e Mariana G. Valente, “Armadilhas e caminhos na regulação da moderação de conteúdo”, Diagnósticos & Recomendações (São Paulo: InternetLab, 2021).
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