Imagem ilustrativa, que mostra ilustrações de cabos com diferentes entradas em preto e um em vermelho, ao centro da imagem

8M e a violência online contra a mulher em todos os dias do ano

Notícias Desigualdades e Identidades 08.03.2017 por Natália Neris e Mariana Valente

Hoje, dia 8 de março, todos os olhos voltam-se para as mulheres. O Dia Internacional da Mulher, concebido no contexto de lutas femininas por direitos, vem sempre também caracterizado por tentativas de esvaziamento, com celebrações e reforços a estereótipos. Enquanto mulheres pesquisadoras de questões de gênero e tecnologia, somamo-nos ao grupo que vê esse dia como um espaço de denúncia às persistentes desigualdades de gênero – a violência doméstica, o assédio, as desigualdades no mundo do trabalho e na política. No caso da nossa pauta de trabalho, a violência praticada pela Internet.

A ONG Safernet reporta que, no ano de 2015, a principal violação de direitos na Internet encaminhada a ela disse respeito à prática de sexting ou revenge porn (exposição não consentida de imagens íntimas): um pouco mais de 300 denúncias. Um estudo recente revelou que uma em cada dez mulheres com menos de 30 anos nos Estados Unidos já sofreu ameaças nesse sentido. Trata-se de uma violência de gênero, por afetar de forma esmagadoramente majoritária as mulheres e meninas (nossa pesquisa sobre o tema mostra que, em mais 90% dos casos judicializados, as vítimas são mulheres). Isso ocorre porque em seu cerne estão ao menos dois pressupostos: o de que o exercício da sexualidade por mulheres ainda é vista como algo vexatório, e o de que homens podem “vingar-se” quando suas expectativas – de diferentes ordens – são frustradas, no âmbito de um relacionamento ou não.

Nossos trabalhos de pesquisa no campo vêm revelando que há desafios importantes para a aplicação da legislação existente no Brasil: a Lei Maria da Penha, o Estatuto da Criança e do Adolescente e os artigos do Código Penal relativos aos crimes contra a honra. Diante desse diagnóstico, diferentes atores buscaram influenciar o Poder Legislativo para aprovar uma lei que previsse a criminalização da conduta. Entre os argumentos, a necessidade de encarar o problema como algo grave que merece ser punido com rigor.

Semanas atrás, depois de idas e vindas na Câmara dos Deputados, foi aprovado o PL 5555/2013, que prevê a criação de um tipo penal específico no âmbito dos crimes contra a honra e inclusão da conduta na Lei Maria da Penha. O projeto, que será ainda apreciado no Senado Federal, deve ser criticado internamente, como argumentamos recentemente em opinião no Estado de S. Paulo, principalmente no que se refere à manutenção da conduta no rol de crimes contra a honra (e não de crimes contra a liberdade sexual), por suas implicações simbólicas e processuais, bem como sobre a preocupante alteração da Lei Maria da Penha, legislação que, em nossa visão, já dá conta do problema e deve ser aplicada.

Mas este é um bom dia para levantar o ponto de que, se as nossas pesquisas indicam que a legislação tem falhas, elas também mostram que não é o direito penal o instrumento que vai resolver o problema. A solução passa por mudanças culturais, sociais e econômicas. Ao fim e ao cabo, passa por não sermos mais filmadas e expostas na Internet sem consentimento; por sequer termos de recorrer a uma delegacia e narrar uma história de humilhação para delegados, e depois para promotores e juízes, por diversas vezes, e, sabemos, diante de um olhar desconfiado e majoritariamente masculino; por não sermos consideradas propriedades ou objetos. Encarcerar homens ou fazer meninos cumprirem medidas socioeducativas por espalharem nudes é o agravamento de outras mazelas.

Imagine um mundo em que os grupos de WhatsApp que circulam pornografia amadora de conhecidas e desconhecidas simplesmente se esvaziassem e perdessem o sentido de existir; em que a vergonha fosse o sentimento dos agressores, e não das agredidas; ou ainda um dia em que que meninos e homens enxergassem as implicações do problema, e repreendessem uns aos outros quando presenciassem esse desrespeito.

Até esse dia, seguimos dando visibilidade ao problema, ponderando as soluções apresentadas na esfera pública, e esperamos não realizar esse trabalho sozinhas.

 

Natália Neris e Mariana Giorgetti Valente

Pesquisadoras da linha de Desigualdades e Identidades

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