Reporta #7: Relações de gênero e as eleições
A subrepresentação feminina em cargos eletivos foi mais uma vez uma das pautas de discussão das últimas eleições. Cientistas políticos, jornalistas e pesquisadores debruçam-se sobre o tema apresentando diferentes questões e perspectivas sobre participação política. O projeto Gênero e Número, por exemplo, a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral, dedicou-se em sua última edição, “Mulheres e Política”, primeiramente a problematizar a forma pela qual as informações com recorte de gênero são disponibilizados (de forma desorganizada para análise), e também a discutir a questão (e seus limites) da representatividade de mulheres cisgêneras, transgêneras e travestis.
O diagnóstico de que há entraves relacionados à dinâmica de funcionamento da política brasileira – marcada por uma estrutura excludente que segue “velhas práticas de alianças, com máquinas partidárias que não cedem espaço para mulheres” -, é incontornável. Para além dele, o que pudemos observar no último pleito foi um sexismo que transcendeu questões estruturais do jogo político e apresentou-se durante o período de campanha.
Na última semana a candidata e atualmente recém-eleita ao cargo de vereadora na cidade de Taubaté em São Paulo, Loreny Caetano Roberto, teve fotos de biquíni na praia compartilhadas em grupos de WhatsApp. Com a imagem, seguia um texto que questionava sua competência para assumir o cargo de vereadora.
A exposição sofrida por Loreny repercutiu na cidade, e uma mobilização no Facebook via uso de hashtag (#eusouloreny, #somostodosbiquini) chama atenção para o sexismo na atitude não somente de vazar o conteúdo, mas de compartilhá-lo. De acordo com a matéria “Biquini e Eleição”, publicada em jornal local, a cidade passa por problemas graves relacionados à corrupção envolvendo um candidato a prefeito que, apesar de inelegível, foi líder de votos. Contudo, tal fato não foi capaz de mobilizar tanta atenção dos eleitores quanto a imagem de Loreny em trajes de banho.
De fato, a imagem de mulheres atuantes na política tem sido alvo de ataques de diferentes modos neste período. O que vem sendo denominado de “machismo eleitoral” se manifesta na forma de assédio e cantadas nas ruas, críticas baseadas no gênero e até mesmo xingamentos, principalmente na Internet. Alguns desses relatos foram publicados em reportagem na Folha de S. Paulo:
“Em panfletagem nas ruas vários homens cumprimentavam a então candidata Maíra Pinheiro (PT) com liberdade excessiva: pegam na cintura, passam a mão no ombro. Olham para o busto dela. Um desce a mão por suas costas. Ela se esquiva. “É muito desagradável. Aí você fica brava com o desrespeito e dizem que ‘é só um elogio‘.
Pinheiro relata também xingamentos:
“Tem gente que xinga mesmo, que não gosta de feminista. Fala palavrão, chama de puta, mal-amada. Sem contar os que dizem que eu sou egoísta por entrar na política tendo uma filha pequena. Que eu sou uma péssima mãe, que eu estou negligenciando ela”
Relatos dessa natureza demonstram que, assim como no caso de Loreny, os corpos e a intimidade de mulheres são passíveis de exposição e violação independente do espaço social. Essas situações revelam a força dos padrões culturais baseados na subalternização de gênero – nas ruas e por meio de redes sociais como WhatsApp e Facebook – e alertam que o debate sobre igualdade de gênero na política pode até passar pelo debate sobre representatividade, mas, sem dúvida, ultrapassa os limites dessa discussão.
Equipe responsável pelo conteúdo: Mariana Giorgetti Valente (mariana@internetlab.org.br), Natália Neris (natalia.neris@internetlab.org.br), Juliana Pacetta Ruiz (juliana.ruiz@internetlab.org.br) e Clarice Tambelli (clarice.tambelli@internetlab.org.br).