InternetLab Reporta nº 18 – Debate Público de Proteção de Dados Pessoais
Este é o décimo oitavo e último InternetLab Reporta – Consultas Públicas. No próximo domingo, dia 05 de julho, é o prazo final para contribuir com o debate sobre o Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais. Ainda há tempo para participar desse importante momento para a Internet brasileira.
Desde os início das consultas no dia 28 de janeiro, buscamos, através de nossos boletins informativos, fomentar e problematizar as discussões na plataforma, destrinchando os principais assuntos e identificando os diferentes interesses por trás de temas complexos.
As contribuições que abordaremos nessa semana foram enviadas pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP – acesse aqui documento em formato PDF) e pela organização Privacy International.
ABEP: distinção entre “pesquisas de mercado e opinião” e “pesquisas de marketing direto” e flexibilização dos direitos dos usuários com relação às pesquisas de mercado
A ABEP representa várias empresas de pesquisa brasileiras, dentre as quais figuram algumas bem conhecidas pelos cidadãos: Grupo de assessoria e pesquisa (GAP), IBOPE, VOX POPULI, entre outras empresas de grande a pequeno porte. Em sua contribuição, a associação ressalta dois pontos que devem ser acrescentados à futura lei de proteção de dados: (i) a distinção entre “pesquisas de mercado e opinião” e “pesquisas de marketing direto” e (ii) a flexibilização dos direitos dos usuários com relação às pesquisas de mercado.
Já tratamos aqui sobre preocupações com relação a esse primeiro ponto: muitos cidadãos demonstraram desaprovação quanto a norma do anteprojeto (artigo 11, IV) que prevê a dispensa da obrigatoriedade de consentimento para uso de dados em “pesquisas estatísticas”. O principal temor era o uso dessa escusa para utilização de dados em pesquisas de marketing direto, utilizadas para aprimorar vendas, promoções e outros fins comerciais.
Em sua contribuição, a ABEP propõe uma solução para esse problema de forma a proteger os cidadãos do uso comercial de seus dados e, ao mesmo tempo, possibilitar o uso de dados para “pequisas de mercado e de opinião”.
A solução passa pela diferenciação entre “pesquisas de marketing direto” e “pesquisas de mercado e opinião”. Segundo a associação, este ultimo tipo de pesquisa, baseia-se na preservação do anonimato do titular dos dados pessoais e na proibição do uso dos dados para outros fins que não os da pesquisa. Para a associação, esse tipo de tratamento de dados não resultaria em qualquer tipo de dano aos direitos do usuário, o que justificaria a dispensa de consentimento. A associação sugere ainda uma definição para pequisas de mercado a ser incorporada no artigo 5º do anteprojeto:
“(…) XIX – Pesquisa de Mercado: atividade empresarial regularmente exercida no Brasil, em estrito cumprimento da legislação brasileira, que inclui pesquisas de mercado, sociais, de mídia e de opinião, consistente na coleta sistemática e a interpretação de informações sobre indivíduos ou organizações utilizando-se métodos e técnicas estatísticos e analíticos das ciências sociais aplicadas para obter conhecimentos ou dar suporte ao processo de tomada de decisões. No âmbito de tais atividades a identidade dos entrevistados não será revelada ao usuário das informações sem consentimento explícito e nenhuma abordagem de vendas será feita aos entrevistados como resultado direto de terem fornecido informações.”
O segundo ponto abordado na contribuição da ABEP parece ser mais propenso a gerar controvérsia. Segundo a associação, há um grande problema relacionado a “falsificação dos dados pessoais por parte dos próprios entrevistados” que é altamente prejudicial à atividade de pesquisa e leva a distorções de resultados e conclusões. Para abordar esse problema, a associação sugere a flexibilização dos direitos dos usuários em casos de pesquisas de mercado, esta flexibilização seria incorporada ao texto do artigo 19 do anteprojeto, que prevê os direitos dos titulares, através de um novo parágrafo:
“(…) §3º Ficam dispensadas das obrigações previstas neste artigo empresas que coletem os dados sem a finalidade de orientar decisões específicas ao titular dos dados, a título de subsídio para análises estatísticas e pesquisas de mercado.”
A ideia deve gerar polêmica nos últimos momentos do debate público, pois crava uma exceção ao direito do titular para proteger o tipo de atividade desenvolvida pelos associados da ABEP.
Contribuição da Privacy International
A Privacy International, por sua vez, é uma organização internacional destinada à defesa do direito à privacidade, sediada em Londres. A organização apresentou contribuição abrangente sobre o APL. No documento enviado à consulta pública, a PI aborda temas chave do anteprojeto de lei, como, por exemplo: (i) a criação de um autoridade independente para lidar com proteção de dados, (ii) uso de dados para fins jornalísticos e (iii) a não aplicação do APL para segurança pública e segurança nacional.
A criação de uma autoridade independente que dê eficácia aos dispositivos da lei é uma grande preocupação da organização. Para a PI uma autoridade como essa é “essencial para a garantia de aplicação do arranjo legal de proteção de dados pessoais”. Sem ela “temos motivos para duvidar da sinceridade e da efetividade deste projeto de lei, e a sociedade não poderá ter confiança em conseguir qualquer ganho em termos de proteção de sua privacidade”. De fato, o APL trazido à debate público não traz disposições de qual seria o órgão competente que aplicaria suas disposições.
A Privacy International também considera que abertura da possibilidade de uso de dados pessoais para fins jornalísticos sem o consentimento dos titulares é uma exceção “estreita demais“. Já polêmica, a exceção (trazida pelo parágrafo 2º do artigo 2º) é considerada, pela organização, passível de mudança para englobar outros tipos de usos de dados pessoais que tenham legitimidade no exercício da liberdade de expressão. A sugestão é que a exceção abranja não só usos jornalísticos, mas expressão artística e literária e outros propósitos ligados à liberdade de expressão e direitos humanos.
A PI critica o artigo 4º do APL, que afasta suas regras das atividades de manutenção da segurança pública e segurança nacional. Para a organização o texto do anteprojeto deve trazer padrões mínimos de respeito ao direito à privacidade nestas atividades empreendidas pelo Estado.
Por Francisco Brito Cruz e Jonas Coelho Marchezan.