InternetLab Reporta – Direito Autoral no Ambiente Digital n. 04
Encaminhamo-nos à última semana da consulta pública sobre uso de obras protegidas por direitos autorais no ambiente digital (se não for prorrogada, termina em 30 de março), e ainda com poucas contribuições substanciais. No dia 23 de março, havia um total de 280 contribuições inseridas diretamente na plataforma, sendo 125 delas comentários em trechos específicos de texto, e as outras 155 feitas na área reservada para sugestão de texto (“sugerir outro dispositivo”).
O perfil das contribuições tem mudado: embora ainda não seja perceptível a predominância de uma discussão debruçada sobre a proposta em si ou propostas alternativas no mesmo tema, tornaram-se mais comuns comentários mais pertinentes – opiniões de grupos interessados, como rádios comunitárias (em geral críticos à proposta), de artistas e autores (em geral apoiando a IN, embora sem entrar em uma discussão detalhada), advogados (criticando redação ou ainda o que entendem como burocratização), ou ainda discussões sobre o funcionamento das instituições que estão em jogo com a proposta. Este último ponto foi também abordado tanto na contribuição do produtor musical Carlos Mills, em seu site pessoal, quanto no texto publicado pela Associação Procure Saber – textos que discutimos também na edição passada.
Problemas empíricos nos modelos de distribuição de royalties
Um ponto levantado em uma série de contribuições é de natureza não propriamente jurídica, mas empírica: percepções sobre problemas das instituições hoje cuidando do digital, ou das que viriam a cuidar, com a proposta. Assim, ainda que sem apoiar o texto da Instrução Normativa integralmente, Carlos Mills esclarece que, atualmente, as plataformas de streaming como Spotify e Deezer têm pago aos autores (compositores) não diretamente, mas via uma associação chamada UBEM. Ele aponta que
(…) editoras e autores não filiados a esta instituição vêm encontrando dificuldades, tanto para receber, quanto para autorizar suas obras nestas plataformas. Este é um problema estrutural específico do Brasil e que precisa ser enfrentado. A lacuna gera insegurança jurídica, perda de arrecadação para os titulares e inibe a entrada de novas plataformas legais no país.
A Associação Procure Saber, por sua vez apoiando a proposta do Ministério da Cultura, acredita que a IN traz um ganho em transparência. Argumenta que, no modelo atual, no qual as plataformas de streaming têm pago diretamente às gravadoras e agregadoras de selos independentes (direitos dos artistas) e UBEM (direitos dos autores), os artistas não têm acesso aos contratos celebrados entre intermediários (gravadoras e editoras) e as plataformas, e não sabem então exatamente os valores exatos em negociação; a IN daria aos autores e artistas a possibilidade de se filiarem a associações de gestão coletiva que teriam a obrigação de trazer esses contratos às claras.
De outro lado, na plataforma em si, também o ECAD, instituição que entraria em cena em relação ao streaming, na proposta do MinC, tem sido alvo de críticas, por problemas que apresentou no passado. Assim, um indivíduo argumentou que o ECAD é arcaico, e “não apenas desrespeita artistas, produtores e usuários, mas também luta para manter em uso um sistema injusto e sem transparência”; outro, que o ECAD “não atende a ninguém que deveria realmente receber”; por fim, um comentário chama o ECAD de “serviço público que não presta contas com a devida transparência”. Ou seja, a proposta deveria ser rejeitada, nessas opiniões, por insistir na atuação de um órgão já problemático.
E como fica o artista?
Ainda sobre o campo musical, tem surgido de forma constante a preocupação a respeito de qual modelo seria melhor para a classe artística, ou seja, autores, intérpretes e músicos. Assim, Carlos Mills argumenta que a adição de mais intermediários nesse processo faria com que o “bolo” tivesse que ser dividido mais vezes, podendo diminuir a remuneração da classe artística a longo prazo. Na sua visão, temos hoje: artista – intermediário – plataformas. Com a aprovação da IN teríamos artistas – intermediários – ECAD – plataformas.
Para a APS, no entanto, o modelo proposto pelo MinC traria mais transparência para as transações e maior paridade nas informações sobre o mercado. Assim, conhecendo os contratos com as plataformas (que estariam disponíveis, devido ao dever de transparência das associações de gestão coletiva), a classe artística poderia negociar seus contratos em maior pé de igualdade com outros agentes e intermediários. A APS insiste, por fim, no ponto de que somente o modelo de gestão coletiva via ECAD remuneraria o músico executante com direito autoral. É que, no modelo vigente no mercado, o músico executante normalmente recebe um cachê e abre mão de seus direitos conexos, que não seriam pagos, portanto, de acordo com a utilização musical.
Adiante, ao fim da consulta, apresentaremos números mais detalhados de contribuição, uma discussão incipiente ainda nos comentários sobre o que pode estar faltando nessa IN, e outras questões que porventura surjam na reta final.
Por Juliana Pacetta Ruiz e Mariana Giorgetti Valente
* Imagem: Juliana Pacetta Ruiz, com base em s/a- acervo Wide World Photos 1928; Nelson Kwok; Jan Tik; Justin Jackson