MonitorA: discurso de ódio contra candidatas nas eleições de 2020
As eleições de 2020 atravessam uma pandemia, e têm o potencial de se dar mais online que nunca. Nesse contexto, as candidaturas vêm se utilizando de forma mais intensa e criativa de plataformas como Twitter, Facebook e Instagram, assim como aplicativos de mensagens instantâneas, tais como Whatsapp e Telegram, para publicizar suas ideias e propostas.
Essa dinâmica aponta para três importantes desafios¹. Primeiramente, podemos questionar como esses espaços estão sendo instrumentalizados pelas candidaturas e como isso poderá (ou não) ser controlado pela Justiça Eleitoral. Em segundo lugar, o fato de a internet ser acessada de forma bastante desigual pela população brasileira – o que faz, por exemplo, parte da sociedade acessar a internet apenas pelo celular – traz a inquietação de que a parcela da população menos conectada fique mais vulnerável a fenômenos como a desinformação e a circulação de fake news. E, por fim, torna-se uma preocupação que candidaturas de mulheres, negros(as) e LGBTI+, por também poderem se colocar mais virtualmente nessas eleições, sejam alvos de discurso de ódio de forma mais intensa do que ocorreu nos anos anteriores.
No que tange, especificamente, à participação de mulheres, pessoas negras e LGBTI+, temos nas eleições de 2020 algumas novidades. Uma delas, apontada pela revista Gênero e Número, é que o cenário segue pouco favorável para candidaturas de mulheres. O número de candidatas para as prefeituras, quando comparado ao número de candidatas em 2016, teve um pequeno aumento de 0,1%, enquanto o número de candidatas para as câmaras municipais aumentou 1,3%. No que diz respeito às candidaturas de pessoas negras, tem-se o número de 270 mil candidatos a prefeitos e vereadores, o que significa um crescimento de 2,08%. Nesse ponto, a maior novidade é que a quantidade de pessoas negras que se candidataram é maior do que a de pessoas brancas: 50% de pessoas negras e 48% de pessoas brancas.
Por sua vez, o número de candidaturas de LGBTI+, segundo o jornal Folha de S. Paulo, também cresceu. Ainda que esse dado não possa ser confirmado, visto que os(as) candidatos(as) não preenchem a informação sobre orientação sexual na Justiça Eleitoral, levantamento feito pela Aliança Nacional LGBTI+ demonstrou que 411 pré-candidatos(as) colocaram-se publicamente como LGBTI+, em 2016 o número era de 215 candidatos.
Diante desse cenário, no âmbito de uma pesquisa mais ampla sobre discurso de ódio contra mulheres, estamos desenvolvendo em parceria com a revista AzMina, o MonitorA, um projeto para acompanhar as comunicações dirigidas às candidatas em diferentes redes sociais (Twitter, YouTube, Instagram e Facebook). Queremos contribuir para a compreensão de como se dão essas dinâmicas em períodos eleitorais – e as interações entre esse fenômeno e o da violência política, que o intersecciona. No MonitorA, estamos coletando os posts, desenvolvendo glossários para análise, ferramentas de visualização interna e formas de visualização das informações. Vamos também fazer análises em conjunto e separadamente, e trabalhar os dados finais para pensar recomendações e encaminhamentos.
Para isso, selecionamos candidatas de nove partidos políticos, que se situam em espectros ideológicos lidos, de acordo com os critérios do Congresso em Foco, como de direita, de centro e de esquerda. Essas candidatas concorrem a cargos de vereadoras, prefeitas e vice-prefeitas. Localizam-se em diferentes estados: Bahia, Minas Gerais, Pará, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul², e podem ser entendidas como múltiplas no que diz respeito aos marcadores sociais que as constituem enquanto sujeitos, ou seja, são mulheres negras, brancas, indígenas, heterossexuais, lésbicas, bissexuais, religiosas, cissexuais e transexuais, entre outras. Vamos coletar comentários das pessoas nos perfis, páginas e canais, e analisá-los com o auxílio de cruzamentos de dados, técnicas de visualização, filtros com palavras-chave e mergulhos qualitativos em casos específicos.
A escolha pela multiplicidade ideológica e de pertencimentos identitários foi feita para tentarmos abarcar um número considerável de candidatas que estejam em lugares sociais diversos e, assim, conseguirmos responder a algumas perguntas centrais: há diferenças no modo como os discursos de ódio são direcionados às mulheres? As diferenças se relacionam aos marcadores sociais da diferença ou aos seus pertencimentos ideológicos? É possível perceber padrões, e como esses padrões mudam de acordo com essas variáveis?
Como forma de controle para a pesquisa, selecionamos algumas candidaturas masculinas, que nos servirão como parâmetro comparativo. Ainda que a quantidade de homens com perfis nas redes sociais monitorados seja menor, consideramos em nossas escolhas também critérios de multiplicidade, no que diz respeito aos partidos, aos cargos pretendidos e às múltiplas formas de estarem socialmente situados – selecionamos homens negros, brancos, heterossexuais, cissexuais e transexuais.
A partir desse monitoramento buscaremos também compreender como e se o discurso de ódio aparece direcionado também às candidaturas masculinas. Se aparecem, isso é diferente para cada um desses homens? Os marcadores sociais da diferença influenciam na recepção que as candidaturas recebem e, em comparação às mulheres, quais diferenças podem ser apontadas?
O monitoramento das candidaturas também oferecerá subsídios para compreender de que modo os discursos de ódio se operacionalizam em diferentes redes sociais. Por fim, trará ferramentas para a análise de como as plataformas são utilizadas pelas candidatas e candidatos: o número de seguidores e/ou inscritos em suas páginas cresce durante o processo eleitoral, reduz ou se mantém? Há diferenças na forma como as redes são utilizadas quando se está em espectros ideológicos distintos? Com quem as candidaturas dialogam durante o pleito?
Essas questões ajudarão a analisar dinâmicas e discursos sociais estabelecidos nas redes e a maneira como as candidaturas podem impactar e ser impactadas por elas. Esperamos, também, que contribuam para outros esforços na compreensão das múltiplas faces do discurso de ódio contra a mulher, e para respostas em termos de políticas públicas e políticas privadas das redes sociais.
Histórico
A partir da compreensão de que, em momentos de campanhas políticas, os marcadores sociais da diferença passam a ser instrumentalizados – seja para reafirmar identidades e se direcionar a eleitores específicos, seja para confrontar e combater a presença de grupos vistos socialmente como subalternos na disputa eleitoral – o InternetLab monitorou e documentou, nas duas últimas eleições, acontecimentos envolvendo esses marcadores sociais e a internet.
Nos relatórios Outras Vozes: Gênero, Raça, Classe e Sexualidade nas Eleições de 2016 e Outras Vozes: Gênero, Raça, Classe e Sexualidade nas Eleições de 2018, nos quais buscamos produzir uma memória sobre o quanto questões de gênero, classe, raça e sexualidade perpassavam acontecimentos políticos na internet e informavam, em alguma medida, a percepção que candidatas(os) e eleitoras(es) pertencentes a diferentes grupos sociais possuíam do pleito eleitoral. Nas eleições de 2020, além do que expomos acima, seguimos com o objetivo de contribuir para a produção de memórias relacionadas ao uso da internet por candidatos e eleitores.
Pelo InternetLab, o MonitorA é uma das frentes do projeto Reconhecer, Resistir e Remediar, uma parceria com a organização indiana IT for Change, financiada pelo IDRC (International Development Research Center), para pesquisar manifestações e problemas no enfrentamento ao discurso de ódio online contra mulheres no Brasil e na Índia. Ver mais sobre o projeto e suas diferentes frentes aqui.
¹ Alguns desses desafios também foram pensados no documento Eleições, Internet e Direitos: Contribuições da Coalizão Direitos na Rede ao processo eleitoral de 2020, produzido pela Coalizão Direitos na Rede.
² A pesquisa, deste ano, situa-se em um projeto maior sobre Discurso de Ódio contra mulheres no Brasil. A escolha pelos estados da Bahia, Minas Gerais, Pará, Santa Catarina e São Paulo, desse modo, está relacionada à pesquisa de jurisprudência feita anteriormente pelo InternetLab em que esses foram os estados selecionados. Os estados Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, por sua vez, foram escolhidos por conta das candidaturas de Benedita da Silva (PT) e Manuela D’Ávila (PCdoB), alvos frequentes de discurso de ódio nas redes sociais.