“Eu continuo a achar que o tradicional ainda vai se fazer valer nesta eleição”, diz economista

Notícias Informação e Política 06.09.2018 por Maria Luciano e Francisco Brito Cruz

Joel Pinheiro da Fonseca é economista e mestre em filosofia. Em entrevista conduzida por Caroline Malheiros e Yuri Goncalves Hidd Vasconcellos, ele discutiu polarização política e as limitações de campanhas digitais. Essa é a quarta entrevista da série realizada por alunos integrantes do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade (NDIS) da Faculdade de Direito da USP que discutiram, ao longo do primeiro semestre de 2018, questões ligadas à regulação de campanhas políticas e eleitorais na internet, desinformação e liberdade de expressão na rede.

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Joel Pinheiro da Fonseca é economista e mestre em filosofia.

Em julho do ano passado, você fez algumas críticas ao Movimento Brasil Livre, especificamente à reação do movimento à checagem da veracidade das notícias e dados veiculados por eles. Agora, 1 ano depois, com a retirada massiva de páginas e perfis, sendo alguns deles ligados ao Movimento Brasil Livre, nós estamos vendo outra polêmica envolvendo o MBL e o Facebook, que se tornou alvo de críticas do grupo novamente. Você pode contar qual foi exatamente sua crítica ao MBL? Ela é compatível ou se fez valer diante das reações deste grupo a essa atitude do Facebook?

Joel Pinheiro da Fonseca – Eu sempre encarei o MBL como uma esperança que pudesse requalificar o debate nacional, trazer opiniões contundentes e de fora da política tradicional. Depois da principal bandeira que foi o impeachment, o MBL ficou à procura de novas pautas. E, num dado momento, trouxe um vídeo cheio de afirmações contra o regime semiaberto no país. Gerou uma demanda por uma agência de checagem de fatos, que era o Truco. Ele [o Truco] fez um pedido pelas fontes dos dados e o MBL negou de uma forma totalmente pirracenta e infantil, com o discurso que checar fatos era censura – foi isso o que motivou minha crítica naquele momento. Eles tinham um megafone e um poder de fala muito fortes e se rebaixaram dessa maneira. O tempo passou e o Facebook passou a ser cobrado. É de todo interesse, inclusive da própria plataforma, manter uma discussão dentro de padrões mínimos de garantias de fatos e afirmações. Enquanto isso, o MBL foi se especializando, infelizmente, nesse tipo de tentativa de deturpar o debate público com informações falsas. Ele foi o grande propulsor de boatos sobre a Marielle Franco, por exemplo. Criando várias páginas, intencionalmente manipulando e direcionando a discussão política de uma forma artificial. Eles não se corrigiram e, pelo contrário, continuaram com uma forma de inserção no debate público nessa mesma direção. Acho que o MBL fez jus às críticas que eu fiz a ele.

Um ponto interessante é que essa recente retirada de páginas e perfis não teve realmente a ver com a veracidade dos fatos das notícias veiculadas, mas pela violação de políticas de comunidade do Facebook que dizem respeito à autenticidade dos perfis utilizados. Por outro lado, a grande crítica que o MBL e outros grupos – tanto de esquerda como de direita – fazem é equiparar essas medidas à censura. Nesse contexto, você enxerga alguma validade nas críticas feitas por esses grupos? É compreensível que haja um questionamento da “legitimidade política” das plataformas e da checagem de conteúdo, mesmo que o Facebook não retire nenhum conteúdo por ser apenas falso?

Joel Pinheiro da Fonseca – Eu não achei equivalente à censura de forma alguma. O objetivo não é tirar certas opiniões de circulação, é tornar a interação menos manipulada por certos grupos e com menos mentiras, seja pra que lado for. Cobrar as fontes do que se está falando não tem nada de censura. Agora, se isso for usado de maneira totalmente parcial, sem isonomia nenhuma, poderia se tornar isso, mas não há nenhuma evidência que seja o caso agora. Eu sempre trouxe a preocupação que as agências de checagem de fatos promovessem internamente uma diversidade ideológica, talvez nisso elas pequem um pouco ainda. O Facebook avisa de antemão quem ele considera estar violando as suas regras? Quais são os critérios? São todas questões relevantes. Mas essas ponderações não anulam o fato de, a princípio, ser bastante legítimo o Facebook ter esse tipo de atitude.

Em uma de suas colunas para a Folha de S. Paulo, você disse que entre união e polarização, o brasileiro deve optar pela união nas eleições presidenciais deste ano. Diante da intensificação da polarização nas redes sociais, você continua a achar que esta tendência persiste? Você acha que a forma com que os debates se dão nas redes tem relação direta com um aumento da polarização ou apenas a tornou mais aparente?

Joel Pinheiro da Fonseca – Eu acho que a polarização que a gente vive hoje em dia é, em larga medida, graças a essas novas tecnologias. Antigamente, a crença ingênua sobre a Internet era que, como a informação iria estar disponível a um clique a todos, se houvesse alguma divergência, as posições tenderiam a ir para um meio termo, porque iria ser muito mais fácil refutar os erros. O que aconteceu foi o contrário. A abundância de dados permite que cada visão de mundo consiga construir, com as informações que lhe interessa, a sua versão de realidade e confirmar sua narrativa. Nas redes sociais, a tendência tem sido a polarização. A gente está brigando pelas nossas identidades. As pessoas negam os fatos não pela base racional deles, mas pela sua fonte. As identidades que a gente forma para nós falam mais alto que qualquer consenso. Dito isso, o Brasil é um país que, historicamente, sempre teve uma cultura menos afeita à polarização ideológica e mais afeita ao consenso. Esse nosso lado cordial faz com que nós sejamos menos afeitos a guerras ideológicas do que os países hispânicos da América Latina, em que os regimes autoritários tenderam a ser muito mais brutais que os do Brasil, ou que os Estados Unidos, em que é comum um eleitor sequer conhecer, no círculo dele, eleitores do outro partido. Enquanto cultura, no fim do dia, a gente não quer brigar por política. É um país em que as ideologias sempre perderam o seu radicalismo para se adequar à negociação de interesses. Tem um lado ruim? Tem: a corrupção é parte disso. Mas por outro lado também nos impede de entrar em grandes guerras civis, por exemplo. Os agentes da briga política tem todo o interesse de tornar as pessoas mais fanatizadas pro lado delas, de fomentar o radicalismo, para que eles consigam chegar ao poder. Mas eu ainda acho que, dado nosso sistema político, dada a nossa cultura, o que a gente tende a favorecer é um meio termo. Eu sou otimista com o Brasil nesse sentido.

Nós gostaríamos de saber sobre sua experiência pessoal e percepções nas redes sociais. Em virtude da sua atuação como jornalista e ativista nas redes, você recebe, constantemente, respostas ao conteúdo que produz, tanto favoráveis como contrárias às suas opiniões. Partindo disso, você já sentiu efeitos da polarização vivida hoje? Existe alguma diferença no comportamento das pessoas inclinadas ideologicamente para a esquerda ou direita?

Joel Pinheiro da Fonseca – Eu sinto muito isso, porque, hoje em dia, se você não repete o discurso mais caricato de um lado, vão te acusar de ser do lado contrário, então eu sou chamado direto de comunista, ou de neoliberal ou qualquer coisa assim. O meu público tende a ter mais pessoas vindas da direita. Muitas me seguem justamente porque eu sou capaz de dar uma opinião minimamente ponderada e tento trazer alguma profundidade para a discussão. Mas muita gente se irrita de qualquer jeito. Se eu critico o Bolsonaro por algum ponto – e eu estou longe de ser um desses críticos histéricos que acham o fim do mundo o Bolsonaro, mas critico em diversos pontos – ou às vezes critico o Lula, sou xingado a torto e a direito da mesma forma. Será que tem alguma diferença entre direita e esquerda? Eu vejo a esquerda muito impositiva, de uma forma autoritária, no campo de valores e de certos fetiches que ela criou para si mesma, como de representatividade, por exemplo, que eles tentam impor a ferro e fogo, mas que só funciona para o lado deles do cercado. A direita, pelo menos aquela com a qual eu tenho contato, eu vejo que está um passo à frente na questão das fake news e das informações falsas, não porque eles sejam mais desonestos. A esquerda também tem alguns grupos que mentem muito, mas eles não têm a mesma esperteza midiática e o poder de se comunicar com as massas que os grupos de direita souberam ter.

Nós estamos vivendo uma situação bastante peculiar na campanha eleitoral: o candidato líder nas pesquisas de interesse de voto e também de seguidores nas redes sociais, Jair Bolsonaro, vai ter apenas 7 segundos diários para campanhas na TV, o que reflete também a carência de aliados políticos. Situação semelhante vive João Amoêdo, candidato à Presidência da República pelo Partido Novo. Ambos os candidatos já declararam que vão, em razão disso, basear suas respectivas campanhas nas redes. Como você traçaria a trajetória da importância da Internet e das novas mídias na história recente do campo rotulado de “direita” no Brasil? Quais plataformas e atores foram importantes para eles?

Joel Pinheiro da Fonseca – Eu acho que as redes sociais têm um impacto crescente, e eu destacaria duas plataformas, o Facebook e o WhatsApp, grupos de WhatsApp principalmente. Não está claro ainda o quanto esse poder de divulgar coisas via redes sociais se traduz em votos, como pudemos observar no passado. Portanto, é temerário quem está apenas nas redes sociais. O Facebook, por exemplo, é uma rede que tem limitado cada vez mais o alcance dos posts. Sem dúvida nenhuma, tem um impacto, especialmente para a mobilização de pessoas. Mas a televisão ainda é o que mais penetra nas casas brasileiras. Abrir mão totalmente disso? Bem, temos que ver o que vai acontecer. Bolsonaro tentou jogar e viabilizar algumas alianças para ter um tempo de TV, porque ele sabe muito bem que isso é importante. Contudo, ele tem algo a mais do que isso: ele tem um voto convicto nele de pessoas que estão muito iradas com o estado da política. Então não vai ser trivial esvaziar a candidatura do Bolsonaro. Vai ter que ter uma comunicação e uma estratégia bem-feitas das candidaturas que têm esperança de tirar ele. Eu continuo a achar que o tradicional ainda vai se fazer valer nesta eleição. Eu acredito que palanque e tempo de TV vão ser definidores, e eu tendo a achar que Geraldo Alckmin vai crescer e o Bolsonaro vai diminuir, mas vamos ver, nada está certo nesse caso*.

Desde as manifestações de junho de 2013, tem se tornado perceptível o surgimento de novos movimentos que se mostram como “de renovação política” e que incorporaram a utilização massiva das redes sociais como sua base para propagação de ideias e campanhas. Nesse contexto, nós ouvimos muito falar em uma “nova direita”. O que você entende por esse termo? Ele se caracteriza simplesmente pela apropriação das novas mídias?

Joel Pinheiro da Fonseca – O que a define “a nova direita” é sim, basicamente, a relação dela com as novas formas de comunicação, e também novos atores, jovens, inclusive. Além disso, é uma direita que recuperou o orgulho de ser direita, o que tinha deixado existir. A esquerda dominava a tal ponto essa esfera que eu chamo de “elite cultural dos formadores de opinião” que fez com que “direita” se tornasse uma palavra proibida. Hoje não é mais uma palavra proibida, já é algo que as pessoas podem vestir como uma identidade que elas têm orgulho. Não é mais uma direita que, necessariamente, sonha com a ditadura, embora também não a veja como a pior coisa que já aconteceu na história da humanidade. Há elementos autoritários dentro dela, assim como há dentro da esquerda. Então, eu levantaria esses dois elementos: a revalorização da identidade de direita e o uso das novas ferramentas de mídias sociais e de comunicação. Um uso que está até na vanguarda, porque a esquerda não soube se atualizar dessa maneira e continua a depender de velhas estruturas.

Por fim, nesse cenário tão complexo, nós percebemos uma diversidade de agentes envolvidos nas causas e consequências dessas questões, dentre os quais podemos identificar as plataformas, os partidos, entes estatais e os próprios cidadãos. Dentre as respostas presentes, há as que apontam para uma autorregulação das redes, outras para sua criminalização e a dos usuários. Como você sintetizaria as diferentes respostas desses agentes? O que você acha que deve ser feito e quais atores deveriam intervir de maneira mais incisiva nessa discussão?

Joel Pinheiro da Fonseca – Eu não acredito em soluções legislativas e muito menos em soluções de criminalização de certas coisas. Nós estamos vivendo em um momento em que todo mundo pode opinar e estamos vendo o caos que isso está gerando. A tentativa de travar isso via legislação e via criminalização está fadada a cometer injustiças e gerar ineficiências gritantes. Pode tornar-se uma arma muito nociva a liberdade de expressão, inclusive. As próprias redes já estão desenvolvendo diversos meios de lidar com isso. Outra solução possível seria, talvez, tentar criar novos tipos de grupos de mídia. O que a gente vê hoje em dia é que a mídia tradicional perdeu a confiança de grande parte da população. Tem a mídia de direita que a direita confia e a mídia de esquerda que a esquerda confia. Isso é terrível, porque não há mais um mínimo consenso aí no meio. Como é que um órgão de mídia sério, de grande alcance, pode recuperar isso? A minha aposta é que, tendo em vista que as pessoas hoje não confiam em instituições, mas sim em pessoas, esse órgão deve mostrar que ele é feito de pessoas sérias e que essas pertencem a diferentes matizes ideológicos. É importante que esses órgãos mostrem às pessoas que tem gente igual a elas trabalhando lá dentro. Acho que essa aproximação pessoal entre o jornalismo e os consumidores desse conteúdo seja um possível caminho para superar, pelo menos um pouco, essa situação que a mídia está. Então, eu aposto – e tento apoiar – em iniciativas das instituições e de pessoas influentes que visem apaziguar a situação. E, de forma humilde, no meu canal, eu tento fazer isso, por exemplo. Eu tento dar uma opinião que dialogue com todo mundo. Tem muita resposta ruim a isso? Tem! Mas grande parte das respostas são positivas. Parte de um esforço das lideranças da sociedade de tentarem caminhar para uma situação melhor e eu acho que a gente vai, aos trancos e barrancos, conseguir isso.

* Essa entrevista foi realizada antes do atentado realizado contra o candidato Jair Bolsonaro. Os editores e o entrevistado advertem que eventos dessa magnitude devem colocar a entrevista em perspectiva.

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EntrevistadorasCaroline Malheiros e Yuri Goncalves Hidd Vasconcellos

Edição: Maria Luciano e Francisco Brito Cruz

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