“Acho que nenhum mecanismo é eficaz para enfrentar uma guerra suja tão grande”, diz candidata a deputada no México sobre a campanha na rede

Notícias Informação e Política 24.08.2018 por Maria Luciano e Francisco Brito Cruz

Susana Ochoa é co-fundadora da Wikipolítica, organização apartidária que trabalha com formas de inovação política no México. Em julho deste ano, foi candidata a deputada local em Guadalajara, onde vive há 8 anos. Em entrevista conduzida por Juliana Novaes e Renan Siqueira, ela discutiu o uso da Internet e das redes sociais no recente processo eleitoral mexicano. A entrevista faz parte de uma série realizada por alunos integrantes do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade (NDIS) da Faculdade de Direito da USP que discutiram, ao longo do primeiro semestre de 2018, questões ligadas à regulação de campanhas políticas e eleitorais na internet, desinformação e liberdade de expressão na rede. 

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Susana Ochoa foi candidata na última eleição no México e conversou com participantes do NDIS USP sobre a experiência de disputar um pleito em tempos de desinformação nas plataformas digitais.

Na condição de candidata, como você descreve o cenário eleitoral na Internet nessa última eleição mexicana?

Susana Ochoa – Creio que não teve um papel decisivo na campanha presidencial, mas serviu para posicionar certos temas e tornar públicos alguns debates. Tenho a impressão de que devemos legislar sobre o assunto, porque alguns políticos utilizam muitos recursos que não são transparentes para fazer campanhas sujas e criar páginas falsas de Internet. No caso das eleições presidenciais, isso afetou o cenário de maneira negativa. Contudo, nos contextos locais a Internet tem um papel preponderante, para bem e para mal. Acredito que, ao menos em nosso país, devemos discutir o papel que tem a Internet, o dinheiro público e as eleições para enfrentarmos o que virá nos próximos anos.

 

Quais aspectos foram transformados a partir do uso crescente da Internet e das redes sociais e como isso impactou a alocação dos recursos das candidaturas?

Susana Ochoa Creio que a Internet e seus derivados são ferramentas que podem ser usadas com objetivos perversos, democráticos ou de empoderamento. Tudo isso tem a ver com a criatividade de quem a usa. No nosso caso, ajudou muito a aparar os custos de participação das pessoas, porque nossa campanha foi feita muito localmente, com gente voluntária nas ruas e tocando nas casas. A Internet nos ajudou a chegar até mais pessoas, poupar recursos, registrar voluntários por meio de formulários online e ter uma relação mais direta com as pessoas que queriam nos ajudar ou receber mais informações. Ou seja, nos ajudou muito, mas ao mesmo tempo não fomos capazes de contestar as “guerras sujas” que aconteciam no Whatsapp e em vídeos promocionais no YouTube.

 

Você enxerga alguma mudança na participação eleitoral a partir da difusão da Internet?

Susana Ochoa É muito difícil saber, porque não tenho as ferramentas quantitativas para fazer um diagnóstico a respeito. O que eu vejo, por exemplo, é o Twitter, que é uma ferramenta utilizada por ativistas, jornalistas líderes de opinião, mas acredito que se gera uma câmara de eco. Há, por exemplo, um debate sobre quem ganhou a eleição, se foram as pessoas que estavam na rua ou as que estavam discutindo no Twitter. Eu acredito que se ganhou a eleição por uma campanha territorial. Não acredito que as campanhas eleitorais mudaram tanto com a Internet. Aqui no México somos um país profundamente desigual com muitas zonas rurais e com uma desigualdade econômica muito forte, então o trabalho territorial segue sendo uma peça fundamental para construir confiança, sobretudo em um cenário atual de crise de representação. Não estou pronta para dizer que a Internet fez certas pessoas serem eleitas, pois existe aí um terreno incerto. Ao mesmo tempo, não creio que a Internet é apenas o Facebook. As correntes de WhatsApp, por exemplo, estratégias muito fortes de agências de comunicação social, são algo brutal por aqui, fazem com que o anonimato cresça muito rápido. Então creio que as formas de utilização da Internet para estratégias de campanha vão se sofisticando, mas o território é fundamental no México.

 

No que diz respeito ao alcance da Internet no contexto eleitoral, ele ainda é secundário em relação aos dos canais tradicionais, como a televisão?

Susana Ochoa A televisão no México tem um papel preponderante, porque é apenas um canal, ao mesmo tempo que a Internet tem diversos canais e é muito mais ampla. Acredito que esta seja uma diferença fundamental. A Internet é uma estratégia poderosa, mas a televisão, mesmo que não tenha o mesmo poder que tinha nas eleições passadas, ainda segue preponderante e é uma ferramenta para legitimar o poder e a visibilidade. Se você vê alguém na televisão, você acredita que a pessoa seja importante, diferente do que acontece quando você alguém na Internet.

 

Como a legislação eleitoral mexicana normatiza a propaganda eleitoral na Internet e como vocês se relacionaram com essa regulação?

Susana Ochoa No México, a discussão sobre a Internet não está no grande debate público. Quando se discute Internet, normalmente é para discutir direitos, para vigiar, para privatizar ou buscar que mais pessoas tenham acesso a ela. Ao redor da Internet e das redes sociais, o instituto eleitoral [Instituto Nacional Electoral]  fez um convênio com o Facebook para fazer uma plataforma para propostas e tentar distinguir as notícias falsas, o que não funcionou muito bem. Creio que ainda não temos condições de discutir, por exemplo, o papel do Facebook para a democracia. Estamos muito longe de ter um debate como o que ocorreu nos Estados Unidos. A legislação eleitoral define que o dinheiro investido por meio das campanhas online deve ser fiscalizado, mas é a regulação é pouco restritiva.

 

O uso de redes sociais por grandes parcelas da população tem aberto espaço significativo para o uso de novas formas de propaganda eleitoral, especialmente em plataformas como Facebook, Twitter, Youtube e WhatsApp. Como a sua campanha fez uso dessas ferramentas?

Susana Ochoa Nós utilizamos muito o Facebook, porque continua sendo uma ferramenta muito importante, já que possui muitos usuários no México. Não fomos tão inovadores quanto em nossa campanha em 2015, mas tivemos um alcance orgânico de centenas de milhares de pessoas. Também utilizamos muito o Facebook para fazer anúncios direcionados. Acho que um erro que cometemos foi não investir tanto dinheiro nisso e não ter começado essa estratégia mais cedo na campanha, mas nas últimas semanas utilizamos bastante. Por exemplo, eu estava no Distrito 10 e o Facebook me permitia direcionar os anúncios às pessoas que estavam na minha região. O WhatsApp foi uma ferramenta fundamental. Como nós somos uma campanha grassroots, o WhatsApp foi fundamental, porque podíamos nos organizar para os eventos. Tínhamos call centers também, que utilizávamos através de base de dados da Internet, convidando pessoas para eventos todos os dias. O Twitter não usamos muito bem, porque não entramos no debate nacional.

 

Houve alguma discussão sobre questões éticas, como uso de dados pessoais de eleitores?

Susana Ochoa – Sim, tínhamos um código de ética da nossa campanha que tinha algumas regras envolvendo dados pessoais, tanto por motivos legais quanto éticos. Havia um controle sobre quem teria acesso às informações.

 

Como você avalia intensidade das atividades de desinformação nessas eleições, como o uso de robôs e a produção de notícias falsas?

Susana Ochoa – Tenho conhecidos que trabalham em agências de comunicação, e elas possuem estratégias milionárias, porque não são apenas bots no Twitter, mas também no Facebook. O que vivemos foi uma estratégia de guerra suja muito bem construída, porque o estado onde disputamos a eleição é muito conservador e historicamente tem valores conservadores muito fortes. Atacaram muito a nós com o tema do aborto. Foi uma estratégia muito bem pensada para chegar aos círculos mais conservadores por meio de grupos de WhatsApp e páginas religiosas.

 

Quais foram os impactos dessas atividades de desinformação nas eleições como um todo e especificamente nas campanhas de movimentos de renovação política?

Susana Ochoa – Creio que a guerra suja sempre impacta de maneira negativa e está ajudando a polarizar mais nosso país. A pessoa que ganhou a presidência teve muitos votos, mas tem muitas pessoas que de maneira ativa estão engajadas na guerra suja que ajudam a polarizar o cenário. Acredito que não apenas polarizam, mas levam a discussão para espaços que não construímos, porque ao invés de falar das propostas, estamos falando sobre como o presidente não é um novo Hugo Cháves, por exemplo. A guerra suja não nos fez perder a eleição, mas estou certa de que muitos votos se foram por isso.

Isso debilita não apenas a percepção das pessoas sobre nós, mas também a organização como um todo. O que estamos vivendo é um contexto de muita violência contra nós e essas guerras sujas ajudam a romper as organizações, principalmente as organizações como a nossa, que são novas e que dependem muito de voluntários e de pessoas com muitas convicções. Acho que isso é o que mais importa. Não reflete apenas nas urnas, mas também no clima organizacional dos movimentos sociais.

 

No decorrer das eleições, você identificou algum mecanismo efetivo de combate a esse tipo de operação?

Susana Ochoa – Acho que nenhum é eficaz para enfrentar uma guerra suja tão grande. Havia um projeto chamado Verificado, que era um projeto de organismos da sociedade civil e de um meio de comunicação chamado Animal Politico no qual se podia fazer a verificação de notícias em tempo real. Foi um bom exercício, mas não chegou até onde a guerra suja está muito presente e chega.

 

Existiu um esforço das instituições públicas para combater essas atividades?

Susana Ochoa – Creio que não. Existem organização que se importam com o que está se passando, mas o problema é que o nosso país tem coisas mais prioritárias que tem a ver com violência, desigualdade e o governo. Creio que temos que construir condições para poder discutir o tema e isso só vai vir por parte da sociedade civil.

 

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EntrevistadoresJuliana Novaes e Renan Siqueira

Edição: Maria Luciano e Francisco Brito Cruz

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