Nos últimos dias, uma leva de influenciadores bolsonaristas escondeu vídeos com fake news, críticas ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral no YouTube. As exclusões ganharam tração logo depois que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, bloqueou as contas do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). A dinâmica de esconde-esconde é muito comum entre influenciadores da direita radical: mais de 10 mil vídeos sumiram desde janeiro.
O programa ouve Guilherme Felitti, sócio da Novelo Data, a antropóloga Letícia Cesarino, professora da Universidade Federal de Santa Catarina e que coordena um trabalho sobre canais bolsonaristas no Telegram, Lucas Fontelles, que comanda a estratégia digital do pré-candidato Ciro Gomes (PDT), Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do InternetLab, e Pablo Ortellado, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP.
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Queima de arquivo
“Em quem devemos acreditar: nas pesquisas ou nas enquetes? Sempre colocando o senhor como perdendo para todos, mas quando vai para as ruas, como o senhor mesmo fala, ‘tomando um caldo de cana ou comendo um pastel’, você consegue levar mais pessoas que os candidatos da terceira via ou os outros candidatos em comícios”.
No universo bolsonarista nas redes sociais, Gustavo Gayer é um influenciador de peso. Todos os dias, ele publica conteúdo para quase 900 mil pessoas inscritas no seu canal de YouTube.
Gustavo Gayer também é o ativista pró-governo que mais retirou conteúdo do YouTube neste ano.
Duas semanas atrás, quando aconteceu isso aqui:
Locutor de TV: “Alexandre de Moraes mandou bloquear as contas bancárias de Daniel Silveira para garantir o pagamento, além de instaurar inquérito para apurar crime de desobediência à decisão judicial”.
Gayer apagou dez vídeos em que criticava o ministro ou mencionava o deputado –para os bolsonaristas, Daniel Silveira é alvo de perseguição e censura.
Em agosto do ano passado, quando a Justiça Eleitoral determinou que o Google não repassasse dinheiro a perfis que propagam mentiras sobre as urnas eletrônicas, Gayer eliminou 59 vídeos sobre o tema do canal dele.
O youtuber, que é comentarista da Gazeta do Povo e da Jovem Pan, não é o único que de vez em quando faz uma faxina no próprio canal.
Nos últimos dias, enquanto ele deletou 59 vídeos, outros canais como de Fernando Lisboa e Luan Amâncio eliminaram de seus perfis dezenas de conteúdo citando o Supremo Tribunal Federal ou o Tribunal Superior Eleitoral.
Quando a Justiça ou uma rede social toma alguma medida contra alguém da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro, começa o esconde-esconde de vídeos para conter eventuais remoções ou prejuízo econômico mesmo, porque o YouTube é uma fonte de dinheiro para ativistas políticos.
Mais de 10 mil vídeos sumiram dos 450 maiores canais da direita radical do YouTube nesse ano. O número é da Novelo Data, que analisa dados desses perfis na plataforma de vídeos desde 2018.
O sumiço pode ter acontecido porque a plataforma derrubou o conteúdo ou porque o próprio youtuber tirou o vídeo do ar –deletando ou pelo menos tornando o conteúdo privado.
De olho na eleição, tanto a Justiça como o YouTube, que é do Google, estão caçando vídeos que propagam mentiras e conspirações sobre as urnas eletrônicas.
Dos 15 vídeos que mais circularam em canais bolsonaristas do Telegram desde janeiro, cinco são de Gustavo Gayer, sendo um já excluído da sua conta no YouTube.
O conteúdo não aparece mais na rede social, mas circulou bastante em aplicativos de mensagem. Antes de ser removido do YouTube, já tinha alcançado mais de 150 mil visualizações. E aí o estrago já tá feito…
Gustavo Gayer: “Antes mesmo de começar a falar sobre o conteúdo deste vídeo, eu te peço que ele seja assistido com muita atenção e que você compartilhe o máximo que você puder. Uma bomba está prestes a explodir”.
Este é Gayer, falando no vídeo escondido, mas que dá para encontrar porque algumas pessoas salvam na internet.
“Há mais de três anos uma das perguntas mais importantes no âmbito da política brasileira continua sem resposta ou continuava sem resposta até alguns momentos. A pergunta é: quem mandou matar Bolsonaro? Quem está por trás de Adélio Bispo? Quem financiou? Quem pagou os advogados? Um dos advogados mais caros do Brasil. Quem pagou o jatinho dos advogados?”
Três minutos se passam e a resposta não vem. Até que depois do minuto cinco…
“Adélio abriu o bico. A esquerda está desesperada, isso acaba com a possibilidade de Lula. Acaba. Destrói por completo. O PT mandou matar Adélio e a imprensa vai fazer de tudo para abafar. Peço que você compartilhe o máximo possível.”
A fonte que Gayer usou para tirar a conclusão dele é o site bolsonarista Terra Brasil –autointitulado “um dos maiores meios de informação do país”, que tem o slogan: Deus acima de tudo e de todos… quase igual ao do presidente.
O Terra Brasil é considerado um site jornalístico e de informações confiáveis na bolha bolsonarista da internet. Em 14 de fevereiro, ele publicou a informação sobre o Adélio. Produziu o conteúdo com base em um tuíte do coletivo hacker Anonymous.
A Polícia Federal negou que Adélio Bispo tenha dado um novo depoimento, e que tenha dito que o PT encomendou a morte de Bolsonaro. No dia em que surgiu, esse boato foi compartilhado mais de 71 mil vezes no Facebook, segundo a agência Aos Fatos.
Eu sou a Paula Soprana, e este é o Cabo Eleitoral, podcast sobre internet e política, uma parceria entre a Folha e o centro de pesquisas InternetLab.
Neste terceiro episódio, a gente vai mostrar como a boataria e as conspirações se alastram a seis meses da eleição de 2022.
Maria Gadelha: “Se essas pessoas que foram entre aspas se vacinar voluntariamente soubessem, tivessem tido acesso ao conhecimento dos riscos que elas estariam correndo, eu duvido que nem 10% teriam ido”.
Se você ouviu nosso primeiro episódio, talvez lembre de um grupo de Telegram chamado B38 que chamou essa médica para palestrar por uma hora contra a vacina de Covid.
“Sei que muitas das pessoas que estão aqui já foram inoculadas com os lixos.”
Um dos principais argumentos que Maria Gadelha Serra levantou em 40 minutos de discurso era o perigo da vacinação em crianças. Esse áudio não está disponível no YouTube, mas há uma série de outros em que ela diz que a vacina é experimental ou uma ameaça a gestantes.
Ela foi questionada por um apresentador da rádio Jovem Pan se recomendava ou não a vacina.
“O que eu estou dizendo… não sou eu que estou dizendo. Se você entrar no site do Clinicaltrials.gov e digitar o nome das vacinas, vai ver que as vacinas estão lá cadastradas como estudos experimentais.”
E está mais cautelosa, né?
Além de contradizer as maiores autoridades de saúde do mundo, as falas que você ouviu mostram que a pauta bolsonarista e seus difusores convergem em diferentes plataformas, mas com uma roupagem um pouco diferente.
No Telegram, a comunicação parece mais solta, e quem fala lá não se preocupa tanto com o que pode acontecer depois. No YouTube, e a um veículo profissional, essas pessoas parecem medir um pouco mais as consequências de suas falas.
Mas as redes sociais não funcionam como caixinhas separadas.
Quem faz essa análise é a antropóloga Letícia Cesarino, que conduz uma pesquisa sobre grupos de apoio ao presidente no Telegram. Curiosamente, a maior parte do conteúdo externo consumido por lá vêm do YouTube.
“Esse é um padrão que a gente identificou nos nossos dados. Há uma certa pipeline ou uma ligação mais direta e mais frequente entre essas duas plataformas. Consultando trabalhos de colegas sobre fenômenos semelhantes em outros países, na Alemanha, por exemplo, já encontramos referência a uma relação também mais próxima nesse sentido.”
Uma das hipóteses para essa relação estreita entre as duas plataformas é a motivação econômica dos criadores de conteúdo.
“Pode ser uma forma de criadores de pequeno e médio porte estarem tentando alavancar seus canais sem precisar depender dos algoritmos de recomendação do YouTube. E pode ser um fenômeno mais estrutural mesmo, sabe? No sentido de que esses públicos mais subterrâneos, típicos da extrema-direita, não são separados da esfera pública mais de superfície, digamos assim.”
Quando a Letícia diz públicos subterrâneos, ela se refere a grupos fechados no Telegram ou fóruns escondidos na internet. Já o YouTube representa uma comunicação mais aberta, que acontece na superfície.
Vários sites investigados por fake news dialogam com microinfluenciadores e personalidades de maior alcance, replicando conteúdo, usando as mesmas fontes de informação e os mesmos convidados. Assim, eles mantêm uma grande rede que amplifica conspirações e mentiras sobre vacina, urna eletrônica… e por aí vai.
“Você não precisa, você não usou, por isso que você quer desmerecer, mas existe aqui nos comentários centenas e centenas de comentários no YouTube dizendo: ‘olha, eu usei esse kit e fui salvo’. Não vi ninguém dizendo ‘eu usei e um parente morreu’. Fica aqui minha gratidão a vocês!”
Este foi o pastor Silas Malafaia em uma live com o título: tratamento precoce salva vidas.
“O YouTube tem um espaço, um papel central no ecossistema de desinformação. Ele tem um papel de repositório de conteúdo a ser distribuído em outras redes.”
Aqui falou o programador Guilherme Felitti, da Novelo Data, aquela empresa que levantou os dados sobre vídeos escondidos. Segundo ele, existem ondas de influenciadores da direita que se renovam à medida que audiência de alguns perfis para de crescer ou que seus criadores são investigados.
Ele lembra de um encontro entre o presidente Bolsonaro e influenciadores no Palácio do Planalto em agosto de 2020.
Ele recebeu figuras como Bárbara Destefani, investigada por fake news e dona do Te Atualizei, com 1,5 milhão de seguidores; a professora Paula Marisa e Alan Frutuoso.
“O primeiro é um encontro que ele faz com alguns canais, como por exemplo o Jacaré de Tanga, o Giro de Notícias e o Terça Livre. São canais de uma primeira onda, que também são da primeira onda atingida pelas investigações. E daí, a partir do momento que esses canais começam a ser investigados, eles empacam, eles param de crescer. Então o bolsonarismo também entende que precisa ter uma espécie de substituição. ‘Vamos pegar gente que continue a fazer esses papéis dentro do YouTube bolsonarista, mas que continue crescendo e que não seja um problema na Justiça para a gente’.”
Na lista de canais bolsonaristas que mais crescem hoje no YouTube estão Foco do Brasil, Folha Política, Te Atualizei e o do próprio presidente.
Mas, de longe, o que ganha em alcance é o do vereador e ex-PM Gabriel Monteiro, que está sendo investigado por vários crimes.
Locutor de TV: “O parlamentar é alvo de denúncias de assédio moral e sexual contra funcionários, além de acusações de estupro. Uma reportagem do Fantástico também mostrou que Monteiro forjava vídeos para postar nas redes sociais.”
O ex-PM é o maior influenciador da ala bolsonarista. Na investigação aberta agora, funcionários relataram que ele chega a receber R$ 300 mil por mês com a monetização no YouTube.
Áudio de Monteiro no YouTube: “Eu vou fazer de tudo para mudar a realidade de vocês. Você é uma princesinha e você é um príncipe, e eu não quero ver meu príncipe passando fome”.
Mas o canal dele está desidratando. O Sleeping Giants, que promove campanhas contra o financiamento de perfis com discurso de ódio ou fake news, diz que mais de 20 marcas pararam de patrocinar o canal de Gabriel Monteiro.
O ex-PM tem seis milhões de seguidores, quase o dobro de Bolsonaro.
Há tempos, a direita engaja mais no YouTube.
Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais mostrou que o engajamento em canais de direita no período pré-eleitoral de 2018 foi maior do que o da esquerda. Os vídeos e comentários de canais de posição política neutra acabaram se movimentando para esse espectro, onde os xingamentos e o discurso ódio são mais frequentes.
Outras pesquisas internacionais já mostraram que os algoritmos de recomendação de vídeos se alimentam do interesse humano por conspirações e notícias negativas.
“Olha que fantástico esse dado: 50% de todas as interações sobre o Bolsonaro em termos de notícias ocorreram no YouTube, que é uma rede dominada pelo presidente, pela corrente política dele, e aí se entende como Bolsonaro consegue construir as suas narrativas digitais e sustentá-las.”
Este é Lucas Fontelles, que comanda a estratégia digital do pré-candidato Ciro Gomes junto com o marqueteiro João Santana.
“O YouTube é a maior rede social do Brasil. Muita gente esquece isso, pensa no Facebook, pensa no Instagram, mas o YouTube é uma rede social e a maior do país, com maior volume de usuários, e é a rede onde o Bolsonaro tradicionalmente é muito mais forte.”
Bolsonaro tem hoje 3,6 milhões de inscritos no canal dele no YouTube. Ciro Gomes e Lula têm 409 mil cada.
E mesmo canais expressivos no ativismo à esquerda, como o Meteoro Brasil ou TV 247, não se comparam em alcance aos que estão no top 10 do lado direito.
Os vídeos captam os principais pontos ideológicos dos discursos de Bolsonaro e colocam esse conteúdo num tom sensacionalista, cheio de adjetivos e com muito, mas muito caça-clique.
Títulos caça-clique são aqueles que não entregam a informação de cara. Eles têm um suspense, um exagero e acabam induzindo o leitor pro conteúdo.
“A estratégia de Bolsonaro é atacar a imprensa tradicional e martelar que as pessoas precisam procurar os seus fatos em canais confiáveis entre muitas aspas, por favor.”
Esse é o Guilherme Felitti de novo.
“Só que não adianta nada ao Bolsonaro martelar isso se não existirem canais que estão distribuindo essas teorias e essas interpretações de um volume atacadista para que as pessoas continuem consumindo isso constantemente. Então você precisa ter essas pessoas que vão cumprir o seu papel de aplacar a demanda da base por essas informações e daí cada um compre um papelzinho específico.”
O Guilherme faz um mapeamento de como funciona essa rede.
Nela, existe por exemplo uma espécie de TV paraestatal. O canal Foco do Brasil, com 2,8 milhões de inscritos, solta vídeos e informações antes de todo mundo.
Áudio do Foco do Brasil: “Olá, gente querida do coração verde amarelo. Mais um jornal Foco do Brasil, compromisso com a verdade. Quero saber de qual lugar abençoado do nosso Brasil e do mundo você está assistindo a esta edição”.
Isso porque é com a câmera deles que o Bolsonaro fala quando chega no cercadinho do Planalto para dar recado à militância.
Nessa rede, também existem os formadores de opinião, que interpretam as notícias diárias para enaltecer o presidente e atacar os rivais. Costuma ser uma pessoa em uma mesa, falando direto com a câmera.
Áudio Giro de Notícias: “Na floresta não pega fogo, aí eles falam que o presidente Bolsonaro está fazendo fake news. Vai lá na Amazônia e você vai ver que não tem fogo”.
E ainda os programas de entrevistas…
Guilherme Felitti: “Que ajudam a levantar essas figuras do Bolsonaro. Então aí você tem a Antônia Fontenelle, você tem a Leda Nagle. Você tem até o Pânico fazendo esse papel. A gente viu muito no último ano como figuras que começam a ganhar projeção repetindo coisas do ambiente bolsonarista acabam sentando no Pânico.”
“Fui orientado pelos meus amigos a não comparecer. Agora eu quero ovacionar grandiosamente a brilhante deputada Carla Zambelli…”
Esse é Zé Trovão, um caminhoneiro que participou de bloqueios que tentaram parar o país durante o ato de raiz golpista em 7 de setembro do ano passado.
“… e pelo Major Vitor Hugo, que impetraram pedido de habeas corpus. Acredito que nas próximas horas, devo estar livre para voltar ao meu país.”
Ele deu essa entrevista ao Pânico naquele mês, quando estava foragido no México.
Essa rede acaba contando também com alguns veículos e jornalistas da imprensa tradicional e, desde 2016, com a produção audiovisual profissional do Brasil Paralelo.
A Brasil Paralelo produz, por exemplo, filmes com versões alternativas sobre o golpe de 64 e a ditadura militar.
Áudio Brasil Paralelo: “Com o terrorismo comunista cada vez mais presente a esquerda radical deu pretexto para que a população sentisse medo, e a linha dura do exército conseguisse expandir seu poder”.
A produtora tem um sistema de assinaturas parecido com o da Netflix, ganhando com pagamentos mensais. No cardápio, reúne filmes e documentários com teor conservador.
Este modelo é completamente diferente daquele adotado por ativistas do varejo, que tentam captar renda monetizando canais –o que fica cada vez mais difícil com os bloqueios da Justiça e com as suspensões do Youtube.
[Áudios de vários influenciadores pedindo repasses financeiros por PIX]
Um criador de conteúdo no YouTube ganha dinheiro, principalmente, com porcentagem de anúncios publicitários que são exibidos nos seus vídeos.
Ele também pode vender produtos, como camiseta, boné, caneca, criar um clube de assinaturas ou usar o superchat: uma live em que os espectadores mandam dinheiro para chamar a atenção e fazer perguntas –o que também é comum no TikTok.
Tudo isso, claro, deixa de ser uma possibilidade quando seu perfil é cassado.
Isso aconteceu com alguns bolsonaristas que infringem regras do YouTube ou, como Allan dos Santos, da Justiça.
Locutor de TV: “O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a prisão preventiva do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Ele é alvo de dois inquéritos que tramitam no STF que investigam um suposto esquema de divulgação de informações falsas, ataques a autoridades e organizações de atos não democráticos”.
Quando um youtuber fere normas da plataforma, o canal recebe um alerta, que é como uma advertência no colégio, e que fica para sempre no histórico do criador de conteúdo.
Se a pessoa voltar a cometer alguma infração, leva um strike, um aviso mais duro, com suspensão de sete dias. Se o segundo aviso chegar em menos de 90 dias, o canal é suspenso por duas semanas. Se o terceiro vier em 90 dias, o canal é deletado e a pessoa não pode abrir uma nova conta.
Lembrando que as infrações precisam ocorrer nesse prazo de três meses. Depois desse período, o processo zera, reinicia.
O YouTube tem regras de uso para diferentes áreas: spam, segurança infantil, nudez, discurso de ódio, conteúdo nocivo, bullying e desinformação. Recentemente, anunciou mudanças em relação às normas sobre desinformação eleitoral.
Locutor de TV: “O YouTube vai retirar do ar vídeos que questionam a integridade das eleições brasileiras em 2018”.
A empresa não revela quantos vídeos já deletou.
“Agora a gente vai ter que ver os problemas ligados ao outro braço, que é a aplicação dessa política.”
Esse é o Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do InternetLab.
“A gente pode ver na aplicação se ela não é adequada e se ainda deixa áreas cinzentas, ou se ela vai ter problemas para ser aplicada porque vai ter gente que vai estar jogando com a regra. A gente também está falando dos usuários que, na vontade ou no ânimo de driblar a regra, vão fazer aquela coisa um pouquinho diferente para não serem enquadrados.”
Ele diz que não são apenas as regras do direito do Estado e das leis que vão ser úteis para lidar com conteúdos de desinformação. A velocidade que esse tipo de informação se propaga é muito rápida.
“Por vezes, o Judiciário não vai ter o timing para cortar na raiz a narrativa de desinformação, então a gente começa a perceber como as políticas privadas dessas empresas são importantes para isso. Porque elas são esse primeiro combate.”
As plataformas têm um grande desafio de detectar e analisar todos os vídeos que possam ferir suas políticas. Eles dependem de análise de contexto e de muita interpretação humana…
Uma live em que Jair Bolsonaro levanta dúvidas sobre a segurança das urnas está no ar na plataforma desde julho do ano passado, e já foi replicada na íntegra por alguns canais…
Live de Jair Bolsonaro: “Vocês verão dia 1º agora, em São Paulo e em outros locais do Brasil, o povo clamando por isso. Quem diria? O Eduardo aqui do meu lado vai demonstrar alguma coisa como disse, apresentada pela imprensa, apresentada pelo povo, com indícios fortíssimos, ainda em fase de aprofundamento, que nos levam a crer que temos que mudar o sistema eleitoral. Não pode os mesmos caras que tiraram o cara da cadeia, que o tornaram elegível, serem as pessoas que vão contar os votos”.
E aí ele emenda uma propaganda pessoal…
“Imagine se outro cara estivesse no meu lugar, estaríamos igual a Argentina, tudo fechado. Queremos a volta disso? À base de fraude? Ah, não tem prova de que houve fraude, também não temos de que não há.”
Eu entrei em contato com o YouTube perguntando se esse vídeo não infringe a regra de desinformação eleitoral. A empresa respondeu que ainda está analisando o conteúdo.
No canal do presidente, essa live foi vista por 74 mil pessoas. A réplica dela no canal da Jovem Pan, por mais 302 mil. Isso sem contar os vídeos curtos, editados, que circulam em outras redes.
Eu também perguntei ao YouTube se tem investido em Inteligência Artificial em português do Brasil. A empresa só disse que o investimento em ferramentas e parcerias contra a desinformação é contínuo e que a parceria com o TSE é a espinha dorsal do trabalho no período eleitoral.
Lembra quando a gente falou que as redes não funcionam como caixinhas separadas? E que boa parte da desinformação do Telegram vem do YouTube?
No começo deste ano, o chefe de produto do YouTube, Neal Mohan, disse que um desafio que eles têm é a propagação de vídeos com conteúdo duvidoso fora do YouTube.
São conteúdos que não chegam a ultrapassar os limites das políticas a ponto de serem removidos, mas não são vídeos que o YouTube deseja promover. Ele considera desativar o botão de compartilhamento ou os links dos vídeos pros usuários não conseguirem publicar esse conteúdo noutro site.
Mas tem ressalvas porque essa barreira pode restringir demais a liberdade dos espectadores, criando uma espécie de censura.
A receita com vídeos no YouTube é uma das que mais cresce no Google. Só no ano passado, a plataforma movimentou quase US$ 30 bilhões.
E se a conspiração não engrena só num quadradinho, só numa rede social, ela tampouco fica restrita ao mundo online.
[Áudio de manifestação na rua]
Aqui são manifestantes em um protesto antivacina que vem acontecendo semanalmente em São Paulo.
Nesse protesto, que não costuma reunir mais de duzentas pessoas, as vacinas contra a Covid são chamadas de picadas experimentais. Eles distribuem folhetos com sugestões de fontes que eles consideram confiáveis em sites e no Instagram.
É claro que o nome da médica que a gente citou no começo do episódio está entre as fontes confiáveis a seguir.
Nos últimos dois anos, muitas teorias surgiram: o coronavírus seria parte de um complô para China ter vantagem comercial, a pandemia um plano de Bill Gates para implantar microchip nos cidadãos, a vacina transformaria as pessoas em antenas de 5G.
A desinformação em suas mais diversas formas é, antes de tudo, uma estratégia de rede de propaganda hiperpartidária.
Depois dessa onda de ataque à vacina, grupos radicais na internet querem bater de frente com o sistema eleitoral em outubro.
E essa estratégia é conectada a experiências populistas de fora do Brasil, como pontua Pablo Ortellado, que é coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP.
“Bolsonaro, mesmo tendo vencido as eleições de 2018, sempre alegou que as eleições foram fraudadas e que ele tinha vencido por uma margem muito superior àquela que tinha sido registrada nas urnas. O Trump ele fez a mesma coisa. Quando venceu em 2016, também disse que a vitória dele tinha sido por uma margem maior do que a que tinha ficado registrada oficialmente. E quando perdeu as eleições em 2020, alegou fraude, segue alegando fraude, e uma parcela muito importante do eleitorado segue acreditando que as eleições foram fraudadas –isso pode chegar a mais ou menos um terço do eleitorado americano.”
A mentira e a conspiração podem não render votos no fim do jogo, mas aprofundam a cisão da sociedade e acabam corroendo a democracia.
“Bolsonaristas dizem que a cisão foi criada pelos petistas e os petistas atribuem aos bolsonaristas a divisão da sociedade, e pouco importa quem começou esse jogo. Essa estrutura está dada. Os ressentimentos vão se acumulando e se a gente não cuidar isso deságua em violência política Se a gente não esfriar o clima político, isso tende à violência política, e isso não é bom para ninguém.”
Esse foi o terceiro episódio do Cabo Eleitoral, uma parceria entre a Folha e o centro de pesquisas InternetLab.
Eu sou a Paula Soprana, fiz a produção e o roteiro desse podcast. A edição de som é de Luan Alencar e a coordenação é de Magê Flores.
Você ouviu áudios de UOL, AFP, O Povo, Band, Rede Globo, Jovem Pan, Foco do Brasil, Brasil Paralelo e Jornal O Globo.
No próximo episódio, vamos falar sobre violência no debate político da internet.
Até a próxima quarta!