Lab discute com deputados projeto de lei que proíbe aviso de blitz em apps
O InternetLab, representado por seu diretor Francisco Brito Cruz, participou ontem (8/06) de audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI), em Brasília, para discutir o Projeto de Lei 5596/2013, que proíbe o uso de aplicativos e redes sociais na internet para alertar motoristas sobre a ocorrência de blitz de trânsito. Estiveram presentes também Marcel Leonardi, diretor de Políticas Públicas do Google Brasil, e Eduardo José Guedes Magrani, professor e pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (CTS/FGV).
Apresentamos abaixo com mais detalhes os pontos centrais do posicionamento do InternetLab e outros argumentos trazidos pela mesa.
Diagnóstico do problema
O PL 5596/2013 parte do diagnóstico que aplicações de internet estão sendo utilizadas para burlar as blitz de trânsito, tornando este instrumento de fiscalização inefetivo. Achamos necessária, no entanto, uma reflexão sobre o impacto real de aplicações de Internet na efetividade da atividade policial ligada à fiscalização de trânsito. Quais são as estatísticas que indicam a efetividade das blitzes? Houve uma queda relativa na autuação/prisão por direção sob efeito do álcool?
Tomando como exemplo a cidade de São Paulo, os dados indicam um aumento significativo tanto do número de prisões por embriaguez ao volante quanto do número de multas por dirigir após ingestão de bebida alcoólica, na comparação entre 2014 e 2015. Segundo a Secretaria de Segurança Pública paulistana, o “aumento no número de flagrantes por embriaguez está relacionado ao planejamento das Operações Direção Segura, realizadas pelo CPTran, que previamente identifica os pontos com maior incidência de embriaguez e direciona com mais ênfase o policiamento para esses locais”.
Apesar de não ser possível determinar o motivo do aumento das prisões/multas somente com base nesses dados, algumas hipóteses não podem ser descartadas: (i) que o uso de aplicativos afetados pelo PL pode não ter tido impacto significativo na fiscalização deste tipo de infração; e, também, (ii) que os órgãos de fiscalização podem estar encontrando maneiras efetivas de lidar com o problema, inclusive contando com tecnologia. Assim, a contribuição do InternetLab foi no sentido de uma reflexão mais aprofundada para investigar se o diagnóstico do problema está de acordo com evidências empíricas.
Efeitos inibidores (“chilling effects”)
Os efeitos inibidores ocorrem quando o exercício legítimo de um direito é inibido por uma sanção jurídica. Esse tipo de efeito é muito comum em discussões sobre a regulação da Internet, pois as plataformas tem usos múltiplos, de modo que ao proibir uma aplicação com base em um dos usos pode-se inviabilizar os demais. Um exemplo seria a retirada de um conteúdo na Internet sem que haja ordem judicial, que pode ter efeito inibidor em relação a postagem conteúdos legítimos, por conta das plataformas sujeitas à regra optarem por não se arriscarem a se responsabilizar por conteúdos gerados por terceiros. Ou ainda, mais concretamente, o fato de que com as recentes revelações de que o governo dos Estados Unidos monitorava cidadãos na internet, houve uma queda vertiginosa do número de acessos a artigos sobre “terrorismo” (e outros termos) na Wikipedia naquele país (Penney, 2016).
Mesmo quando a presença de alguns desses efeitos pode ser imaginada de antemão, é difícil prever todos os efeitos inibidores de uma eventual proibição, principalmente quando não são sabidos todos os usos das plataformas/aplicativos. Assim, quando se trata de um projeto de lei que controle e regule a internet, é imprescindível uma reflexão acerca de quais são seus possíveis efeitos inibidores: quais comportamentos seriam possivelmente inibidos? O PL 5596/2013, por exemplo, inibiria o uso desse tipo de aplicativo para procurar a presença de agentes de segurança pública? Inibiria alertas de acidentes ou demais fatores de risco? Inibiria o uso desse tipo de aplicativo em geral?
Efeitos colaterais
Por fim, achamos relevante refletir sobre efeitos colaterais, casos em que a regulação acaba produzindo outros efeitos para além do principal, que não foram imaginados de antemão.
Um exemplo bastante representativo foi o recente caso de bloqueio do aplicativo WhatsApp no Brasil. O processo judicial no qual a decisão de bloqueio foi proferida corre em segredo de justiça, mas informações disponíveis na mídia indicam que um juiz de Lagarto/SE havia requerido ao WhatsApp acesso a conversas de pessoas suspeitas de tráfico de drogas, no âmbito de uma investigação criminal. Como a empresa não entregou os dados, o juiz determinou o bloqueio do aplicativo em todo o território nacional como medida coercitiva, com o objetivo de forçar a entrega das informações. O efeito colateral dessa decisão foi a indisponibilidade do serviço para milhões de usuários brasileiros, atingidos pelo efeito colateral da medida.
No caso do PL 5596/2013, possíveis efeitos colaterais seriam a punição apenas de usuários de aplicativos, mas não de usuários de outras ferramentas (como redes sociais) por condutas semelhantes; o desenvolvimento de outras maneiras de notificação sobre blitz (novas formas de “burlar” as regras); ou mesmo o aumento da dificuldade de localização de auxílio por vítimas ou pessoas em situações de risco nas vias públicas.
A audiência pública
As exposições dos integrantes da mesa foram críticas ao projeto de lei. Os participantes apontaram que, da forma com que está proposto, o PL pode ser uma grande ameaça à liberdade de expressão. Eduardo Magrani comentou que a proibição é muito genérica e poderá coibir em excesso: jornalistas que utilizam-se de redes sociais e falam sobre blitz, eventuais denúncias de abuso policial durante esse tipo de operação, ou mesmo alguém que procura o policial mais próximo para alguma emergência. Há também problemas quanto a implementação desse projeto: como o conteúdo seria retirado das redes? A depender da forma com que isso seria feito, poderíamos ter excessivo monitoramento e vigilância das redes e diversas plataformas.
Marcel Leonardi afirmou que o PL pode ser um entrave à inovação do Brasil e não leva em conta a função social de plataformas como Waze. Ele contou que o Waze fez projetos com a prefeitura no Rio de Janeiro sobre gestão de tráfico, reduzindo sensivelmente os custos dessa operação. O Waze não faz desvios de rota quando há presença de blitz ou aviso de polícia – o que será analisado é qual o caminho mais rápido (e nada impede que esse caminho passe por uma blitz). Outro ponto importante foi o de que há relatórios no mundo todo e em alguns locais do Brasil no qual policiais e autoridades governamentais julgam bom avisar sobre blitz. Por exemplo, uma pessoa, ao saber da presença de uma blitz naquele local, já vai diminuir a velocidade ou procurar beber menos, o que evita futuros conflitos, garantindo a segurança tanto daqueles que fiscalizam o trânsito quanto de todos os usuários.
Com essas reflexões, esperamos contribuir para o debate regulatório e subsidiar políticas públicas de regulação da internet de forma qualificada. A íntegra da audiência pública sobre o PL 5596/2013 está disponível aqui. A apresentação feita pelo diretor Francisco Brito Cruz está disponível aqui.
Por Beatriz Kira e Juliana Pacetta Ruiz