“Rastrear o viral?”: InternetLab lança novo documento sobre riscos à privacidade na regulação de aplicativos de mensagem
O debate tem como ponto de partida o projeto da “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, aprovado no Senado no final de junho de 2020, e conhecido como “PL das Fake News”. Dentre outros objetivos, este projeto pretende dar uma resposta ao uso de aplicativos de mensageria privada em campanhas de desinformação ou de ofensas a pessoas e instituições.
Um de seus pontos mais polêmicos é o artigo que determina a guarda obrigatória de registros de encaminhamento de mensagens que acabam se tornando virais, construído em uma tentativa de responsabilizar disseminadores de conteúdo ilegal.
Este ponto determina a coleta, portanto, de dados sobre as mensagens encaminhadas, assim como sobre seus encaminhadores. O nome técnico para esses dados sobre outros dados é “metadado”. Buscando aprofundamento sobre os impactos e riscos a direitos fundamentais da proposta de retenção de metadados de mensagens prevista no projeto de lei, o InternetLab entrevistou cinco especialistas de áreas diferentes. Vale apontar que, dentre os entrevistados, ninguém defende a proposta do PL.
Não é o objetivo deste documento descrever diferentes posições em debate, mas qualificar as preocupações sobre violações que podem decorrer dessa medida – alinhadas com a trajetória de trabalho de pesquisa do InternetLab sobre a proteção do direito à privacidade frente à vigilância sobre as comunicações eletrônicas.
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Pontos levantados pelos pesquisadores
Para Riana Pfefferkorn, pesquisadora especializada em criptografia e diretora associada de
Cibersegurança e Vigilância no Centro para Internet e Sociedade da Universidade de Stanford:
A exigência de retenção de metadados poderia levar ao fim da criptografia de ponta a ponta.
Já o professor da UFRJ e historiador especializado em regimes autoritários no Brasil, Carlos Fico, afirma:
Não duvido das boas intenções dos legisladores, mas me parece claro que a proposta está excessivamente contaminada pelo cenário político e a diagnósticos apressados (fake news seriam responsáveis por eleições de governantes de extrema direita e/ou pela disseminação e aceitação de comportamentos condenáveis).
A pesquisadora e advogada especializada em direito e tecnologia, Jacqueline Abreu, aponta que:
Criminosos mais sofisticados poderão, por exemplo, simplesmente utilizar-se de estratégias de envio de fora do Brasil ou usar os limiares indicados como instruções para como não serem pegos.
Amber Sinha, advogado especializado em direito e tecnologia, que chefia programas de pesquisa no Centre for Internet & Society India, menciona tentativa similar na Índia, que também encara problemas para implementá-la de forma eficiente:
O WhatsApp não verifica dados de nacionalidade, por isso não se sabe como essa medida seria implementada especificamente na Índia.
Por fim, o advogado constitucionalista, jornalista premiado e fundador do The Intercept Glenn Greenwald afirma:
Quanto mais poder damos para as empresas, mais poder damos aos grupos poderosos. O discurso de proteger minorias pode ser o pretexto, mas não seria a forma como esse poder seria utilizado.