Pesquisadores questionam medidas de PL sobre crimes contra a honra na Internet
Em nota técnica enviada a deputados da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, no dia 05/outubro, pesquisadores do InternetLab, do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio (CTS FGV) e do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (GPoPAI/USP) apresentaram sua análise sobre o Substitutivo aos PLs nº 215, 1.547 e 1.589/2015 (relatoria do deputado Juscelino Filho).
O projeto tem tramitado na Câmara com velocidade. Ele prevê uma série de medidas para o combate de crimes contra a honra na Internet, inclusive mudanças no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), aprovado no ano passado. Na nota, os pesquisadores analisaram as propostas de acordo com sua adequação, proporcionalidade, constitucionalidade e equilíbrio de direitos. Os pontos do projeto de lei que foram abordados são:
1. A obrigação de coleta, guarda de dados de usuários e sua disponibilização sem ordem judicial
2. O regime de guarda e acesso a dados cadastrais no Marco Civil da Internet
3. A necessidade de reconhecer dados cadastrais como dados pessoais que carecem de proteção
4. A problemática da ampliação de dados que podem ser acessados sem ordem judicial
5. A onerosidade imposta às empresas nascentes de base tecnológica
6. A instituição de um problemático “direito ao esquecimento” que pode ocultar fatos relevantes à esfera pública brasileira
Clique aqui para ter acesso à íntegra do documento ou leia abaixo o sumário executivo.
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Sumário Executivo
Buscando contribuir para o aperfeiçoamento das propostas de regulamentação da Internet em discussão na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, o presente estudo apresenta alguns comentários referentes ao Projeto de Lei 215/2015, levantando pontos fundamentais para que a legislação brasileira esteja comprometida com o avanço da democracia, os direitos humanos e o progresso das tecnologias fundado no interesse público.
1. Ao possibilitar que o acusado de uma ofensa à honra seja responsabilizado por um homicídio cometido por terceiros, ainda que não tenha tomado qualquer atitude que levasse à consumação desse crime ou mesmo que o tivesse desejado, a proposta ignora os princípios constitucionais da pessoalidade (art. 5º, inciso XLV) e da individualização das penas (art. 5º, XLVI), que estabelecem, respectivamente, que a pena não deve ultrapassar a pessoa do condenado e que essas devem ser atribuídas de acordo com a responsabilidade individual de cada agente que contribuiu para o crime e na medida de sua responsabilização.
2. O substitutivo em análise cria mais obrigações de guarda, coleta e disponibilização de dados a autoridades sem que haja uma preocupação concomitante com a proteção e segurança dos dados pessoais dos cidadãos (e consumidores). O projeto amplia a capacidade de ação estatal e restringe a privacidade dos cidadãos sem que seja estabelecido qualquer mecanismo de controle, ponderação ou supervisão, afastando importantes garantias hoje existentes para a preservação destes direitos.
3. A ausência de requisitos e fundamentação prévia para a requisição de acesso a dados cadastrais, tal como proposto, mitiga o controle democrático dos atos da administração pública e a transparência de sua atividade, ampliando as exceções ao controle jurisdicional e dando novos atalhos para que autoridades possam investigar os cidadãos brasileiros por ofensas contra a honra.
4. A proposta cria, na prática, a exigência de um cadastro obrigatório para o acesso à Internet, condicionando e dificultando o acesso e criando custos para provedores de serviços que podem inibir o desenvolvimento da Internet brasileira. A proposta de alteração do art. 10 §3° pode representar, assim, uma barreira para ao desenvolvimento nacional e à concretização dos direitos constitucionais de acesso à informação, cultura e educação.
5. A alteração do artigo 19, §3°-A para inserir uma espécie de direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro pode conduzir à indisponibilização completa de conteúdos e não apenas à mera desindexação de mecanismos de busca. Trata-se de proposta que promove uma tutela quase ilimitada do direito à honra, podendo conduzir à retirada de informações fundamentais para o debate democrático, inclusive em relação a fatos e pessoas que ocupam ou ocuparam posições que precisam estar sujeitas a amplo escrutínio público.
6. Da forma como está previsto tal direito ao esquecimento no projeto de lei em questão, é contumazmente ignorada toda e qualquer a ponderação em relação à liberdade de expressão e ao direito à informação. Essa complexa questão não pode ser simplificada em único dispositivo de lei e cujos critérios são, claramente, enviesados por uma concepção individualista. Trata-se de uma escolha apressada e que merece ampla discussão pública, sob pena de desconsiderar toda a complexidade que a questão envolve.