ilustração em formato oval, divida em dois. Do lado esquerdo, há a figura de uma menina triste, em preto e branco, usando o computador e um celular, buscando sinal. Do lado direito, a menina está colorida, sorrindo, utilizando o computador,, em um fundo amarelo, com várias conexões.

InternetLab Reporta – Consultas Públicas nº 02

InternetLab Reporta 06.02.2015 por Francisco Brito Cruz e Jonas Coelho Marchezan

Em pouco mais de uma semana de consultas públicas abertas, as plataformas disponibilizadas pelo Ministério da Justiça para a discussão do decreto de regulamentação do Marco Civil da Internet e do anteprojeto de lei (APL) de proteção de dados pessoais já acumularam uma série de contribuições. Os debates já estão ganhando corpo e as primeiras polêmicas começam a aparecer.

Nessa segunda edição do InternetLab Reporta – Consulta Públicas (clique aqui para acessar a primeira edição), mostraremos os números desse primeiro período de discussão (informados pelo Ministério da Justiça e atualizados até 4/fevereiro) e lances dos principais debates que aconteceram até o momento.

 

Números, estatísticas e qualidade das contribuições até agora

As plataformas já contam com 552 usuários cadastrados (vale lembrar que o cadastro possibilita a participação nas duas consultas em questão – para se cadastrar clique aqui) e já foram feitas 8510 visitas únicas ao site. O engajamento dos usuários foi semelhante em cada uma das discussões. Na regulamentação do Marco Civil foram 147 comentários, na discussão sobre o APL de dados pessoais, 194.

A região Sudeste lidera o percentual de visitas ao website, com 54,32% do total. Divididas por estado, 33,97% vieram do estado de São Paulo, 14,29% do Rio de Janeiro e 6,06% de Minas Gerais. O Distrito Federal segue com o terceiro lugar com 14,06% das visitas.

Quanto à adequação das contribuição à finalidade da plataforma, observa que nem todos os usuários cumprem as diretrizes que o Ministério da Justiça estabeleceu para que a discussão fosse proveitosa. O problema deste tipo de participação é a aridez: pouco conseguirá ser aproveitado de comentários soltos, esparsos ou confusos, seja porque usuários não se concentram em debater entre si, seja porque não estão atentos ao escopo de um decreto de regulamentação, por exemplo.

 

Regulamentação do Marco Civil: neutralidade de rede e “acesso grátis” divide opiniões

Nas discussões sobre o decreto de regulamentação do Marco Civil, já ocorre um razoável engajamento no eixo Neutralidade de Rede. O tema também tem concentrado atenção da mídia internacional. Este eixo já é o mais movimentando, com 13 tópicos criados pelos usuários e algumas contribuições com bastante substância técnica. Em segundo lugar, vem o eixo “outros temas e considerações” que trata de iniciativas governamentais relacionadas à Internet e demais disposições reminiscentes do Marco Civil, com 12 tópicos.

ilustração em formato oval, divida em dois. Do lado esquerdo, há a figura de uma menina triste, em preto e branco, usando o computador e um celular, buscando sinal. Do lado direito, a menina está colorida, sorrindo, utilizando o computador,, em um fundo amarelo, com várias conexões.
A discussão sobre acesso gratuito a aplicativos movimenta a discussão sobre neutralidade de rede no Brasil. Créditos da imagem: EFF Graphics.

O debate em torno dos planos de “acesso grátis”, também chamados de planos de “zero rating”, continua ganhando corpo nos debates. A questão é se a vedação à discriminação de tráfego do artigo 9 do Marco Civil proibiria as operadoras de telecomunicações e as empresas de Internet de firmarem acordos para oferecimento gratuito de aplicações em planos de dados para dispositivos móveis. Um dos exemplos é o uso gratuito do Facebook e Twitter por clientes da Claro quando a franquia de dados do usuário termina. O InternetLab já até falou sobre o tema recentemente.

No tópico criado por Paulo Rená, acadêmico e ativista da área conhecido por ter participado da elaboração do Marco Civil durante seu trabalho no Ministério da Justiça entre 2009 e 2010, o destaque é uma decisão recente da Comissão de Rádio, Televisão e Telecomunicações do Canadá. Nesta decisão, autoridades canadenses decidiram que um provedor de serviço de TV para celular não poderia cobrar menos do consumidor pelo acesso aos conteúdos criados por seus parceiros comerciais, já que isso seria uma ofensa a neutralidade de rede.

Nos dois países, os atores são diferentes, mas a discussão é parecida: podem as operadoras de telefonia móvel (a partir de acordos comerciais) realizar esse tipo de discriminação para favorecer um aplicativo entre os demais? Os participantes da consulta se dividiram.

De um lado, participantes defenderam que o oferecimento desse tipo de plano faz parte da liberdade comercial das operadoras. Seria então um pacote promocional como qualquer outro. Sintetizando este argumento, o usuário Felipe Gonçalvez Assis disse que, mesmo que não ideal, esse tipo plano é a única chance de pessoas carentes terem “algum acesso à rede sem sacrificar suas contas”.

Porém, muitos participantes vêem nos planos “zero rating” uma violação da neutralidade. Paulo Rená, no própria descrição do tópico, diz o seguinte: “se houvesse acesso gratuito a toda a Internet não haveria problemas”. Segundo ele, não se deve confundir o tão buscado “acesso à Internet” com acesso a algumas aplicações.

 

Anteprojeto de proteção de dados pessoais: problemas de consentimento

No debate sobre proteção de dados pessoais, se destacaram as preocupações dos participantes quanto às formas de consentimento para o uso e tratamento de dados pessoais. Nesta consulta, os comentários são diretamente feitos no texto do anteprojeto. O artigo 8º é um dos que trata do tema, regrando sobre o consentimento dado por menores de idade:

Art. 8º O titular de dados pessoais com idade entre doze e dezoito anos poderá fornecer consentimento para tratamento que respeite sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, ressalvada a possibilidade de revogação do consentimento pelos pais ou responsáveis legais, no seu melhor interesse.

Comentário: Danilo Doneda (Doutor e Professor Visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ)

“Essa é uma proposta que procura adequar o anteprojeto a situação atual do perfil de atualização da internet. Temos vários dados a respeito, a pesquisa do Tic Kids Online Brasil do CGI e do Cetic revela que há uma presença muito grande em vários setores e classes sociais da utilização de internet por menores de idade (menores de idade justamente nessa faixa). Não é propriamente um “pico”, mas é um dado relevante. Pode ser útil uma reflexão sobre se é pertinente que uma lei de proteção de dados vá além das fronteiras tradicionais, balizas fixadas pelo ECA, na aferição dos efeitos dados ao consentimento do menor e na aferição das responsabilidade paternas”.


A participante Gabriela Martins critica este artigo e acredita que a idade mínima para fornecer esse tipo de o consentimento deveria ser 16 anos, a mesma idade em que começa a “incapacidade relativa” no Código Civil. Segunda ela, uma criança de 12 anos não seria capaz de fornecer tal consentimento de forma segura.

O usuário Prof. Marcos discorda. Segundo ele, não haveria possibilidade prática de que a lei afaste jovens dessa idade da rede e que, portanto, melhor seria que houvesse uma obrigatoriedade de esclarecimento aos menores dos riscos do fornecimento de dados.

Outro ponto polêmico concentra-se por volta dos artigos 22 e 23, que tratam do consentimento para interconexão da dados, ou seja, a transferência de dados entre diferentes entidades e empresas.

Art. 22.  Nos casos de comunicação ou interconexão de dados pessoais, o cessionário ficará sujeito às mesmas obrigações legais e regulamentares do cedente, com quem terá responsabilidade solidária pelos danos eventualmente causados.

Art. 23. A comunicação ou interconexão de dados pessoais entre pessoas de direito privado dependerá de consentimento livre, expresso, específico e informado, ressalvadas as hipóteses de dispensa do consentimento previstas nesta Lei.

Neste ponto, é possível ver que vários participantes estão preocupados que estas transferências sejam informadas aos usuários de Internet, como maneira de efetivação da necessidade de consentimento presente no artigo 23.

Comentário: Danilo Doneda (Doutor e Professor Visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ)

“Há várias categorias de consentimento, aquele que é dado na coleta e aqueles consentimentos específicos para atividades de interconexão. Interconexão se refere a transferência de uma base de dados para outra, algo que acontece com muita frequência no mercado, na internet e nos órgãos públicos. A ideia da necessidade de um consentimento para interconexão tem a ver com fato de que, se os dados forem transferidos para outras bases de dados sem consentimento do cidadão, eles podem sofrer tratamentos diferentes ou estar sob responsabilidade de outra empresa e isso pode não ser da vontade do consumidor”.

Por Francisco Brito Cruz e Jonas Coelho Marchezan

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