O custo da propaganda eleitoral paga na internet em 2018
As eleições de 2018 foram marcadas pelos debates acerca do papel da internet e, principalmente, das redes sociais na política brasileira. Foi o primeiro processo eleitoral no qual o “impulsionamento de conteúdo” passou a ser admitido como única modalidade de propaganda eleitoral paga na rede. Na esteira da campanha presidencial de Donald Trump em 2016 – que, com a ajuda da empresa Cambridge Analytica, ficou famosa por usar anúncios no Facebook para persuadir eleitores –, muito foi especulado no período que antecedeu as eleições brasileiras sobre o quanto as campanhas iriam investir de fato nessas ferramentas. Passado o processo eleitoral, é hora de medir esse valor, entendendo-o comparativamente e diagnosticando o tamanho e o lugar que esse tipo de investimento teve para candidatos, plataformas de internet e outros atores.
A permissão para propaganda paga na rede
A recente mudança na legislação eleitoral para permitir a compra de anúncios digitais não liberou todas as ferramentas de marketing digital disponíveis. A “propaganda paga” continua vedada na internet, mas, em 2017, foi autorizado o chamado “impulsionamento”.
Mesmo que seja um termo de uso corrente no jargão do marketing digital, saber o que é “impulsionamento” não é uma tarefa simples, em especial pela definição pouco clara presente na legislação e nas resoluções do TSE. Como já apontamos anteriormente [1] [2] [3], a vagueza da definição gera dúvida sobre o termo, o que se reflete, inclusive, em certa confusão na declaração desses gastos pelas campanhas. Ainda assim, estes mesmos estudos constataram a razoável certeza de que essa modificação permite anúncios contratados diretamente com plataformas de internet, como o Google e o Facebook, por exemplo.
Essa certeza pode ter aumentado apostas de que tais plataformas seriam as grandes beneficiárias financeiras dessa mudança, acessando um mercado novo e possivelmente lucrativo. A “conveniência” foi apontada por críticos ferrenhos à forma em que essa permissão foi incluída na legislação eleitoral, é o caso do cientista político Sérgio Amadeu. Conforme seu argumento, o acesso a um novo mercado significaria um benefício automático a atores que já concentram tráfego e poder econômico na rede, engordando suas receitas.
Essa aposta se confirmou em 2018? Quanto campanhas eleitorais gastaram neste ano com propaganda paga na internet e como dimensionar esses gastos frente a outros tipos de despesas que fazem parte do mercado publicitário?
No montante da campanha, 2% é muito?
Após o pleito e com a disponibilização das despesas das campanhas eleitorais, passa a ser possível olhar mais detidamente para a dimensão dos gastos com anúncios digitais, sobretudo em plataformas como Facebook e Google (vale ressaltar que o Twitter preferiu não oferecer produtos publicitários à veiculação de propaganda eleitoral paga no Brasil).
Colocando em xeque a hipótese de um investimento vertiginoso em impulsionamento de conteúdo, um levantamento realizado pelo InternetLab a partir das prestações de contas de campanha disponibilizadas na plataforma DivulgaCandContas, verificou-se que dentre as 28.804 candidaturas válidas para todas as corridas de 2018, apenas 17% delas – pouco menos de cinco mil – declararam despesas com “impulsionamento” de propaganda eleitoral.
Foram declarados pelos candidatos um total de R$ 77 milhões gastos em impulsionamento de conteúdo, dos quais R$ 54 milhões estão relacionados a candidatos que concorriam a cargos do legislativo e R$ 23 milhões a cargos do executivo. Desse valor total declarado, 80,8% foi direcionado ao Facebook, parte dele diluído para empresas intermediárias de pagamento (que cobram uma fatia do valor gasto com anúncios), como PayU (R$ 10 milhões) e Adyen (R$ 45 milhões); e cerca de 8,1% ao Google. Ainda, 11,1% dos R$ 77 milhões foram pagos a outras empresas de marketing sem especificação sobre em qual plataforma foi investido, o que não permite a verificação do enquadramento legal da técnica de marketing digital utilizada nesses casos.
Todos esses gastos, contudo, representam menos de 2% do total de despesas contratadas pelos os candidatos em 2018, montante que chega a R$ 5 bilhões. Há uma discrepância, ainda, quando essa porcentagem é comparada às demais despesas despendidas pelos candidatos como: publicidade em material impresso, que representa 10,7% do montante total de despesas (R$ 590 milhões); gastos com “serviços prestados por terceiros”, rubrica genérica que pode incluir uma grande gama de contratados, que representa 7,7% (R$ 429 milhões); gastos com funcionários, que representa 6,5% (R$ 400 milhões); ou produção de programas de rádio ou TV, despesa que engloba 6% (R$ 339 milhões) do valor de gastos declarados.
Esses dados também evidenciam que o sistema de transparência e controle de gastos com campanhas digitais pela Justiça Eleitoral tem pontos de opacidade, especialmente quando se fala em campanhas na internet. Não há mecanismo de transparência que mostre características do produto publicitário comprado pela campanha-anunciante – da sua plataforma de veiculação às informações sobre quais públicos se buscou atingir. Como já exploramos anteriormente [1] [2], esses pontos poderiam ser objetos de consideração e de desenvolvimento tanto das próximas reformas eleitorais, como das próximas edições de resoluções do TSE.
Mas e comparado com a TV, será que é muito?
Comparação semelhante pode ser realizada entre os R$ 77 milhões e o valor que o governo federal deixou de arrecadar em impostos das emissoras de televisão, através de compensação fiscal nas últimas quatro eleições (2010 a 2016) como forma de subsidiar o horário eleitoral gratuito. Essa compensação custou R$ 3,2 bilhões aos cofres públicos entre 2010 e 2016, em valores atualizados pela inflação. Seguindo essa evolução, a Receita Federal estimou em 2017 que este valor seria de R$ 1 bilhão nas eleições de 2018. Esses dados refletem o quanto os valores absolutos dos gastos com as plataformas de mídias sociais podem estar sendo superestimados, pelo senso comum, no contexto eleitoral.
Ainda, se dividirmos o total desembolsado com ferramentas de impulsionamento nas eleições brasileiras de forma equânime entre os 4.960 candidatos que as utilizaram, temos uma média de gasto de R$ 15.540/candidato durante os 90 dias de campanha eleitoral. Esse custo pode ser colocado em perspectiva ao considerarmos que o valor de uma única inserção de 30 segundos nas duas maiores emissoras do país. Na Globo, uma inserção de 30 segundos na grande de programação nacional durante o Jornal Nacional custa R$ 825,5 mil; enquanto que na Record a mesma inserção no mesmo horário, durante a novela, custa R$ 502,4 mil.
Ainda que essa comparação seja um exercício pouco realista, uma vez que os gastos declarados com impulsionamento variaram bastante entre os candidatos, a maioria deles declarou gastos muito menores com impulsionamento do que os custos de propagandas na televisão aberta, não chegando nem mesmo aos R$ 15 mil hipotéticos.
E dentro do mercado da publicidade digital, quanto esse valor significa?
Segundo dados da Kantar Ibope e sua medição de “valor publicitário bruto” (gross advertisement value), praticada desde 2017, os R$ 77 milhões em gastos com impulsionamento durante a campanha eleitoral, representam apenas 0,87 % do total investido em compra de mídia digital por anunciantes em 2018. Segundo a Kantar, este montante atingiu R$ 8,82 bilhões. Entram no montante total de gastos com publicidade na internet, além do impulsionamento de conteúdo, a manutenção de banners em sites, custos de anúncios em vídeos, pagamento de anunciantes online, entre outros gastos. Apesar da maior abrangência desses dados, é notável a discrepância entre o investimento de campanha na internet e os gastos desse setor.
Olhando para outros países: o que se investe em anúncios nas eleições?
O marketing político digital não é uma estratégia utilizada apenas no Brasil, sendo válido olhar, a título ilustrativo, para o investimento de campanha políticas de outros países em anúncios nas redes sociais. Nas eleições presidenciais americanas de 2016, por exemplo, as campanhas oficiais de Donald Trump e Hillary Clinton gastaram juntas cerca US$ 81 milhões (aproximadamente R$ 317,9 milhões) em propaganda no Facebook. Já na preparação para as próximas eleições nos Estados Unidos em 2020, Trump já investiu cerca de US$ 4,9 milhões (aproximadamente R$ 19,6 milhões) em anúncios na mesma plataforma, de janeiro a maio deste ano, enquanto os 23 pré-candidatos do Partido Democrata americano desembolsaram em conjunto US$ 9,6 milhões (aproximadamente R$ 38,4 milhões).
Nas eleições para o parlamento europeu que ocorreram em maio 2019, os dados da biblioteca de anúncios do Facebook apontam que entre março e maio de 2019 foram gastos, no Reino Unido, £ 4,7 milhões (aproximadamente R$ 23,5 milhões) em anúncios políticos na plataforma. Na Alemanha esse valor foi de € 3,5 milhões (aproximadamente R$ 15,75 milhões) e na Bélgica € 2,4 milhões (aproximadamente R$ 10,53 milhões).
Vale ressaltar, contudo, que não é possível traçar comparações diretas e simplistas entre os valores apresentados e o cenário brasileiro. Os contextos políticos e eleitorais aos quais se refere cada um desses valores são muito variados e apresentam características de comunicação e conjuntura política que devem ser levadas em consideração. Além disso, há uma variação do número de eleitores e de usuários em cada rede social por região do globo. Ainda assim, a observação desses dados é importante por ofereceram um panorama geral sobre o uso do impulsionamento em contextos eleitorais a nível internacional.
Essas comparações indicam que as redes sociais são irrelevantes para campanhas?
Ao contrário do que uma análise simplista desses dados pode levar a crer, as redes sociais não são irrelevantes para as campanhas eleitorais no Brasil. Na verdade, o que se observa é que essas mídias digitais vêm ocupando um papel cada vez mais significativo para a comunicação política, transformando dinâmicas de produção, circulação e consumo de informação. As eleições 2018 trouxeram as mídias digitais para o centro do debate sobre propaganda política e revelaram que a era do horário político eleitoral gratuito na televisão entrou em declínio.
Ainda que os R$ 77 milhões declarados em impulsionamento no ano de 2018 representem uma quantia diminuta se comparado a outros gastos de campanha ou a investimentos gerais em marketing digital, vale ressaltar que a importância desse tipo de mídia não deve ser avaliada apenas a partir dos gastos declarados com propaganda paga.
Em primeiro lugar, a dinâmica estabelecida pelas redes sociais nas eleições 2018 também possibilitou a interação direta entre eleitores e candidatas/os e contou um forte componente de engajamento espontâneo e orgânico do eleitorado, revelando que o papel das mídias digitais nos processos eleitorais transcende a propaganda paga e a comunicação controlada diretamente pelas campanhas. Em segundo, a propaganda também pode ser paga, mas não chegar ao caixa das empresas de internet. É o caso de gastos que podem não ter sido declarados à Justiça Eleitoral ou maquiados em rubricas genéricas, como a “prestação de serviços de terceiros”, como a contratação de robôs, fazendas de likes ou “publiposts” de influenciadores digitais. Conforme já argumentamos, estes dados reforçam a ideia de que relevância política da internet na comunicação das campanhas acaba se impondo não pelo gasto com anúncios, mas pela interação do espontâneo com o marketing contratado e trabalho profissionalizado, compondo estruturas de propaganda em rede. Articulados de maneiras diversas, da simples sinergia à coordenação, esses diversos componentes são “nós” que funcionam de maneira descentralizada e capilarizada, o que possibilita às propagandas eleitorais terem alcance e divulgação significativos mesmo com investimento monetário baixo em anúncios (ou “impulsionamentos”).
O futuro do “impulsionamento”
O retrato dos gastos com impulsionamento em 2018 deve ser contextualizado. A crescente presença da mídia digital na vida dos brasileiros e adoção de plataformas de internet por campanhas políticas é uma tendência anterior a 2018 e que deve se ampliar de 2019 em diante – ao que indicam as séries históricas de indicadores produzidos pelo Cetic.br, IBGE e por outras pesquisas. Assim, em um país com ao menos 25% da população ainda desconectada, 57% dos eleitores já tem conta no Facebook.
Esta marcha indica a necessidade urgente de que a regulamentação eleitoral olhe de forma mais detida e abrangente para o marketing digital, compreendendo seu funcionamento em rede. Nesse sentido, a autorização pela legislação eleitoral do “impulsionamento de conteúdo” para as eleições de 2018 pode ser vista como um primeiro passo do direito eleitoral em sintonia com essas novas dinâmicas que vem se colocando, mas não a solução definitiva para a questão. Há ainda pouca clareza sobre o que é ou não permitido pela Justiça Eleitoral sob o rótulo de “impulsionamento” para além dos anúncios digitais oferecidos pelas grandes plataformas de internet e pouquíssima transparência e regramento sobre outros elementos que figuram nas estruturas de propaganda em rede em operação no país.