Foto de uma apresentação no Ministério da Justiça. Há um homem de terno falando em um palanque, pessoas sentadas no tablado e, a frente, pessoas assistindo.

InternetLab Reporta – Consultas Públicas nº 01

InternetLab Reporta Privacidade e Vigilância 30.01.2015 por Francisco Brito Cruz e Jonas Coelho Marchezan

Na quarta feira (28/janeiro) foram abertos os debates públicos online sobre a regulamentação do Marco Civil da Internet e sobre Proteção de Dados Pessoais. Por meio da coleta de comentários e argumentos via Internet, o Ministério da Justiça pretende produzir dois textos diferentes: um  (i) decreto que especifique pontos gerais do Marco Civil e uma (ii) proposta legislativa para proteção de dados de qualquer cidadão que será enviada ao Congresso Nacional.

Primeiros passos – como fazer contribuições?

As plataformas criadas para as consultas públicas são de fácil compreensão. O cadastro é feito de forma simples e rápida (basta um email que funcione para que a inscrição seja validada) e possibilita a participação nas duas consultas. Abaixo é possível observar a home do portal de Participação do Ministério da Justiça, com os caminhos para os dois debates.

Página inicial do portal do Ministério da Justiça
Página inicial do portal do Ministério da Justiça

Não é preciso o uso de qualquer documento (como CPF e RG) para o cadastro. Todos os participantes são apenas identificados com seu “nome de apresentação” e email. Isso tem um motivo: a ideia de que a consulta visa essencialmente coletar argumentos de qualidade a respeito dos temas, importando menos de onde tais contribuições vêm. Não cabem argumentos de autoridade, por exemplo.

Já ficou claro que o que contará para que contribuições sejam levadas em conta é a sua qualidade, e não quantidade. Assim, importa pouco o número de participantes que se engajam a favor ou contra alguma opinião. Segundo o Ministério da Justiça, não se trata de um “plebiscito”. O número de contribuições não será decisivo na consolidação dos resultados.

Isso é um problema? Não necessariamente. Formatos de participação que levassem em conta a quantidade de apoios de uma ou outra proposta seriam mais complexas (por exemplo porque teriam que agregar preocupações de autenticação e de proteção contra softwares que visassem manipular a plataforma, inserindo automaticamente muitos apoios a uma posição específica), e conflitantes com as atividades legitimadas de poderes eleitos pelo voto – o Executivo e o Legislativo. Não se trata de delegação de responsabilidade pelas decisões políticas a serem tomadas, mas de abertura de canais de escuta para que tais decisões sejam tomadas de maneira informada. A ideia não é a substituição do voto pelo “like”, mas a coleta de bons argumentos e a complementaridade de novas tecnologias e antigas estruturas decisórias.

Cada uma das duas consultas públicas tem uma dinâmica própria

Na consulta para a regulamentação do Marco Civil da Internet, a participação se dá por quatro “eixos”, que por sua vez se referem a pontos chave na discussão da lei: “neutralidade de rede”, “privacidade na rede” (restrições a coleta de dados pessoais e maneiras de fiscalizar), “registros de acesso” (definições sobre como rastros dos usuários de internet podem ser guardados e entregues a autoridades de investigação ou terceiros) e “outros temas e considerações” (como a postura do governo e suas políticas públicas para o desenvolvimento da Internet). Dentro de cada um desses eixos é livre a criação de tópicos e comentários por qualquer participante, o que permite que a discussão seja direcionada por qualquer um a assuntos que sejam vistos como importantes. Ler o texto introdutório dos eixos antes de postar pode garantir que o tópico seja inserido no ponto correto, atraindo mais respostas dos outros participantes.

Já no anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais, os comentários são realizados no próprio texto da futura lei, ou seja, o participante pode comentar cada artigo, parágrafo e inciso. A plataforma oferece, também neste caso, uma divisão em “eixos”, mas estes são meramente didáticos – servem para organizar e facilitar a visualização dos temas.

Os produtos de cada uma das consultas são diferentes. A regulamentação do Marco Civil será feita em decreto; no caso da Proteção de Dados Pessoais, o resultado será um anteprojeto de lei. As sugestões feitas em cada caso devem ter preocupações distintas.

O decreto de regulamentação só pode ser criado pela Presidência da República (ver na Constituição, no artigo 84, inciso IV) e tem status inferior às leis criadas pelo Congresso. Decretos como esse servem para especificar e detalhar pontos da lei e determinar como será a sua “fiel execução”. Isso significa dizer que suas disposições devem ser sempre limitadas pelo que diz a lei.

O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) já passou por todos os trâmites do processo legislativo – já é uma lei. Esta nova consulta aberta tem como escopo justamente regulamentar a lei, ou seja, traduzir as suas regras em disposições mais específicas. Portanto, não faz sentido propor nesta plataforma mudanças no texto do Marco Civil da Internet, visto que ele já foi aprovado.

No caso da consulta sobre Proteção de Dados Pessoais, um anteprojeto de lei é a fase anterior de um projeto de lei, o que quer dizer que ele sequer passou pelo Poder Legislativo. Dessa forma, os participantes têm mais liberdade para opinar sobre como deve ser a lei, não tendo que se pautar em outro texto para opinar.

 

Debates: o que já começou a aparecer na plataforma?

Com apenas um dia de consulta aberta à população, o tema da neutralidade da rede na consulta à regulamentação do Marco Civil da Internet já ganhou várias contribuições. Neutralidade da rede é uma regra que proíbe o tratamento desigual de pacotes de dados que trafegam na rede.

Uma contribuição importante foi a da participante hmaziviero, que apontou a necessidade de definir de maneira mais clara os termos “Requisitos técnicos indispensáveis” e “Serviços de Emergência” presentes no texto legal, em seu artigo 9º. Essas seriam as possíveis exceções à regra da neutralidade. A preocupação, compartilhada por outros usuários, é que estes termos sejam usados de maneira abusiva pelos provedores de conexão (ou seja, os controladores dos cabos e da infraestrutura).

Outro ponto importante foi levantado no eixo “neutralidade da rede”, dessa vez no tópico “serviços gratuitos oferecidos pelas operadoras de celular”. O criador do tópico, Sergio Denicoli, acredita que este tipo de plano (chamados de “zero rating”) fere a neutralidade da rede. O blog do InternetLab no Link Estadão da semana passada falou sobre este assunto:

Por mais que os planos de zero rating possam promover o acesso a alguns serviços específicos, eles estão longe de representar uma forma adequada de universalização da Internet, reforçando a estratificação social, e criando uma Internet para quem pode pagar e outra para quem não pode.

Por Francisco Brito Cruz e Jonas Coelho Marchezan.

compartilhe