Imagem ilustrativa do policy paper "Uma solução única para toda a internet?" com uma rede de sinapses neurais em rosa neon e azul escuro.

InternetLab lança documento sobre plataformas de conhecimento

Notícias Cultura e conhecimento 08.09.2020 por Institucional

No documento publicado hoje, trazemos considerações sobre dinâmicas de funcionamento do que chamamos de “plataformas de conhecimento”, como a Wikipédia, o Internet Archive e o GitHub. São plataformas que integram parte de um movimento mais amplo de construção coletiva do conhecimento, sendo permeadas por uma cultura participativa em que todos os usuários podem contribuir, sem benefícios materiais tangíveis. Elas não têm fins lucrativos e, por isso, sua manutenção depende, em grande medida, de doações e de trabalho voluntário. Ainda, possuem outras particularidades que têm impactos sobre sua arquitetura e operação.

É comum que a discussão regulatória seja centrada no que chamamos de plataformas comerciais — e não é diferente no debate ocorrendo em torno do projeto da “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, neste momento. Mas a internet é feita de um ecossistema diverso, e, se essa diversidade não é considerada, corre-se o risco de uma determinada norma, pensada para um contexto, ser aplicada em outro, com consequências imprevisíveis e indesejadas. Aqui, apontamos particularidades dessas plataformas que evidenciam que o debate não vem sendo feito com elas em mente — e que, para preservar sua existência e potência, elas deveriam ser explicitamente excluídas do escopo dessa regulação. Apontamos também como uma discussão semelhante se deu em torno da Diretiva sobre Direitos de Autor da União Europeia — o que culminou na exclusão dessas plataformas do escopo daquela norma.

Com isso, visa-se ressaltar que a internet é um ecossistema plural e complexo e que, por isso, soluções pensadas para meia dúzia de plataformas podem não funcionar para espaços de outra natureza. Pior que isso, podem inviabilizar a existência desses espaços com missão tão importante: tornar o conhecimento acessível a todos. Esse debate serve ao projeto de lei em questão, mas há muitas outras discussões regulatórias que precisam levar essa diversidade em consideração.

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Principais pontos

  • Como não estão preocupadas com métricas de engajamento, as plataformas de conhecimento não contam, em geral, com mecanismos que permitem aos usuários recompartilhar conteúdos ou expressar concordância ou outros sentimentos em relação a conteúdos visualizados
  • Possuem organização descentralizada, caracterizada pela horizontalidade e pela formação de núcleos relativamente autônomos de coordenação
  • Constroem normas internas de “baixo para cima”, refletindo práticas sociais de seus usuários
  • Nelas, a moderação de conteúdo (como a aplicação de medidas de remoção de conteúdo e banimento de usuários) é comunitária, ou seja, usuários assumem voluntariamente funções administrativas e tomam as decisões mais difíceis/complexas de maneira coletiva, por meio do debate e da construção de consenso

Este conjunto de características particulares impõe um desafio à regulação, em especial se considerado o valor de tais plataformas para a produção de cultura e conhecimento, a preservação da memória e a promoção de arranjos alternativos e não empresariais no uso da internet. Desta maneira, nosso trabalho aponta para cinco recomendações, aplicáveis a qualquer debate legislativo ou regulatório, com o objetivo de preservar o que elas trazem de positivo:

  1. Obrigações genéricas de coleta de dados pessoais mediante artifícios técnicos e/ou cadastro compulsório podem inviabilizar o funcionamento dessas plataformas, para as quais é essencial que o usuário possa optar pelo uso de pseudônimo ao contribuir
  2. A obrigatoriedade de designar representante ou possuir sede em território nacional representa ônus relevante para a operação dessas plataformas no Brasil, considerando que não possuem fins lucrativos e dependem de trabalho voluntário
  3. O compulsoriedade de licenciamento prévio e a adoção de filtros de conteúdo poderia desmotivar usuários a fazer contribuições, burocratizando o processo, além de impor a adoção de tecnologias de alto custo, inviáveis para plataformas menores e/ou não-comerciais
  4. Obrigações de transparência pensadas para grandes plataformas comerciais não são compatíveis com o funcionamento de plataformas de conhecimento, já que nelas o conteúdo é construído de maneira colaborativa, com edições e atualizações constantes; além disso, a publicação frequente de relatórios pressupõe infraestrutura considerável para coleta e organização dessas informações, o que não é comum para plataformas do tipo
  5. A introdução de medidas como garantia de apelação em processos de moderação de conteúdo e fixação de prazos para resposta a reclamações de usuários poderia criar uma série de dificuldades a essas plataformas, impondo a profissionalização da gestão de conteúdos, o que colocaria em risco o modelo democrático de moderação comunitária adotado por elas
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